quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

As Ilhas

Em resposta a um comentador do post anterior: não, nem tudo é mau nos serviços de Urgência, e nos diferentes hospitais por esse país fora.
Devia, obviamente, dar-me o desconto de, sendo eu português, ainda que preocupado em passar ao lado do grosso dos estereotipos da espécie, gostar de criticar o que está mal, mais que elogiar o que está bem.
E há ilhas de "bem", sim senhor...:
A boa equipa de enfermagem que nos acompanha e apoia. mesmo no meio do caos; o colega solidário que partilha um cansado sorriso ou um compreensivo levantar de sobrolho; o momento de humor proporcionado por um doente bem disposto, ou por uma das muitas situações caricatas que surgem no meio (o clássico: "onde é que lhe começou a doer a barriga"?; "No intermarché"!); o prazer não reconhecido de ter feito um bom trabalho, ainda que sendo apenas, muitas vezes, uma mera peça na engrenagem complexa da abordagem a certos doentes; o reconhecimento de alguns doentes; a tristeza, sim, também a tristeza, mas consolada, de familiares de outros, que fizeram a sua travessia pelo deserto dos horrores com casos complexos de entes queridos rumo ao inesperado, outras vezes inevitável, exitus; a sensação de dever cumprido; o mérito do esforço para contrariar, muitas vezes, a mediania estabelecida; às vezes, apenas o tentar oferecer um médico de primeira em instalações e sistemas estabelecidos terceiro mundistas....
Mas eu sou internista, como os 2 leitores assíduos deste blog já sabem (a minha mãe e o amigo que aqui colabora, uma vez por ano, assiduamente). Ou seja, sou suspeito, pois por natureza alimento-me com o meu próprio ego.

sábado, 6 de dezembro de 2008

Urgências

Como resolver o problema das Urgências? Não, isto não é uma tentativa para resolver um problema e sacar o Nobel da Gestão 2009, mas apenas para indicar a problemática, bem como a solução impossível. As Urgências são um suplício para quem trabalha, um tédio (valha-nos isso) para quem até saberia trabalhar e prefere encostar-se, e um stress para quem não sabe sequer o que anda naquelas bandas a fazer. O primeiro passo passaria por ver isso: o que anda cada um a fazer, onde são precisos mais meios humanos, ou apenas "melhores" meios humanos. As Urgências são o ponto de confluência de vários tipos de pessoas: aquelas susceptíveis de terem patologia requerendo cuidados urgentes E DIFERENCIADOS de saúde (já que uma amigdalite, não se enquadrando nesse grupo, obviamente que também precisa de atendimento e resolução rápida), ou seja, as "verdadeiras urgências"; outras enviadas por médicos assistentes que, por não terem meios ou não estarem para se chatear, chutam o doente a montante (ou seja, doentes que seguiram o percurso correcto, e que apenas se encontram ali por défice estrutural ou na capacidade de quem lhes deveria ter resolvido logo o problema); e, finalmente, aqueles que vão à Urgência porque "acham que sim", fazendo tábua raza do percurso natural que deveria fazer na doença, passando sempre pelo seu médico assistente (ou SAP, na falta dele), e que deveria fazê-lo não por "birra" de quem está nas Urgências, mas por uma questão de Cidadania, não se imiscuindo entre doentes referenciados àquele nível de cuidados por dele necessitarem realmente, sem dele estar carenciado à partida. Há muitos anos que penso na estratégia certa para uma solução, e vejam lá esta ideia: selecção de diagnósticos (e/ou queixas) para os quais não se deve ir NÃO REFERENCIADO à Urgência (por exemplo: dor de garganta; febre; comichão; etc...), sob pena de, no final, e depois do médico ter diagnosticado o caso, pagar muito caro -em euros- (podia ser após um 1º aviso por escrito de recurso incorrecto desse tipo). No caso dos doentes REFERENCIADOS, averiguar porque é que o são nas situações indevidas, e inquirir o referenciador sobre as suas razões (e resolver o problema, quer seja estrutural, quer seja de capacidade do próprio, penalizando-o). Dir-me-ão que o povinho não sabe à partida se a sua doença é urgente ou não; por isso devem ir ao seu médico assistente, ou ao que estiver de serviço nos cuidados primários, para o saber (se é potencialmente grave a requerer nível superior de cuidados, pois ele é que o saberá dizer, com a propriedade possível). Dir-me-ão outros que os médicos dos cuidados de saúde primários também não estão para se "arriscar", não mandando situações potencialmente graves aos bancos de Urgência; pois ninguém pede para arriscarem: para isso existem guidelines racionais para os ajudar nas situações mais duvidosas; e obviamente que devem mandar sempre os doentes caso o diagnóstico diferencial possível não seja suficiente para tranquilizar o médico (por exemplo, uma dor torácica suspeita, sem Rx de tórax, ECG e enzimas cardíacas, deve ser referenciada sempre); mas nunca, como se vê tanto, porque quer "curto-circuitar" o sistema, ou porque não quer ser contundente com as suas convicções perante o doente ou os seus familiares, ou porque simplesmente não sabe, não observa nem está para se chatear. Outra dica seria pôr médicos a fazer trabalho de médicos, secretários a fazer trabalho de secretários, enfermeiros a fazer trabalho de enfermeiros e auxiliares ou técnicos a fazer trabalho de auxiliares ou técnicos. Isso seria talvez excessivamente revolucionário para estas bandas, neste século, mas eu excedo-me com frequência quando começo a escrever... onde já se viu tal coisa? Já sei, nas séries americanas sobre Urgências, que como todos sabem, não passam de ficção científica. Mas e se o médico, em vez de fazer ECG's, deixasse esse trabalho aos técnicos de ECG's? E se não tivesse que despir os doentes, sempre que necessário, antes de os observar, deixando o trabalho para um auxiliar? E se não tivesse que medir os parâmetros vitais, deixando o trabalho a um qualquer enfermeiro? E se não tivesse, durante estes processos, que encontrar os aparelhos esparsos pelo recinto, ligá-los à tomada mais próxima, substituir os componentes que se vão gastando, numa passeata que consome um tempo infinito, raramente relaxante quando se está a adiar o essencial da razão da vinda da criatura contribuinte à instituição? Deitar doentes, levantar doentes, passar um urinol aos doentes, descascar doentes, chamar e procurar por alguém que dê continuidade ao que se vai pedindo? Ou seja, e se o médico "apenas" colhesse histórias, observasse doentes, executasse algumas técnicas diferenciadas que pudessem ser necessárias no caso-a-caso, e prescrevesse os tratamentos respectivos? Podendo assim ver o dobro dos doentes com metade do desgaste, o dobro do sucesso e metade do custo para a instituição (já que um médico continua a ser relativamente "caro", quando contratado para fazer o trabalho de qualquer um dos outros...)? Ou seja, e se as instituições de saúde tivessem os profissionais certos, para executar as tarefas necessárias? Bem, desculpem-me então esse delírio final, e os outros todos antes desse, mas concedam-me lá o direito de também acreditar um pouco, nesta quadra, no Pai Natal....

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Doutor, Posso Comer Gorduras?

A não ser que esteja muito, muito doente....

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Doutor, Vou Morrer?

Claro que vai....

terça-feira, 11 de novembro de 2008

1=1

Porque é que as pessoas, quando recorrem ao privado, têm um melhor "atendimento"?
Começaria por esclarecer o conceito, pois vou-me ficar apenas pelo comentário ao "atendimento", entendendo-se aqui por isso a simpatia/empatia e disponibilidade do médico, bem como a celeridade com que são resolvidos os problemas/expectativas do doente.
E o atendimento, entendido como tal, é importante e, basicamente, o único responsável pela má imagem do serviço público, já que aceita-se, por ser provavelmente verdade, que o serviço público encontra-se servido com os melhores profissionais no "mercado", e terá mais meios, ainda que alguns novos hospitais privados façam finalmente alguma concorrência musculada.
Dito isto, sublinho que os melhores profissionais do Hospital onde que me encontro fazem sobretudo serviço público em exclusividade. Ou seja, aquele médico que conheço bem, ao qual recorrerei um dia para mim, ou pedirei que veja a minha mãezinha quando essa adoecer, em geral, não faz "privada".
E que os piores, muitas vezes, têm uma perninha na "privada", com contraditório sucesso.
O que prova, coisa que já vou sabendo há muito tempo,  que qualidade no atendimento nada tem a ver com competência nesse mesmo atendimento (a competência "ajuda", mas é absolutamente secundária, na percepção de qualidade do doente).
Porquê?
Se os competentes e dedicados estão no público, e os outros até fazem "privada", porque é que a qualidade de atendimento não é entendida como inversa (boa no público e má no privado)?
O custo não explica tudo, já que o estado gasta eventualmente mais dinheiro do contribuinte com o sistema público do que o contribuinte gasta recorrendo à privada.
Os meios são importantes, mas não explicam tudo.
O facto do acesso ser universal, e de haver discriminação positiva no atendimento de certa patologia "onerosa" em exclusividade no público, já poderá adiantar algo mais....
Mas eu quero mesmo é falar da fórmula 1=1 no privado, e 2=1 no público.
Ou seja, enquanto que no privado 1 médico faz o trabalho de 1 médico, no público serão precisos 2 para o mesmo efeito: um indigente, nunca penalizado, perpetuando-se na indigência, na inação, na incapacidade, na preguiça, para um competente, desmotivado, sobrecarregado de trabalho, injustiçado perante o primeiro.
E assim faz-se com ambos precisamente aquilo que qualquer um deles "despacharia" com alegria na privada (ou também no público, no caso do segundo), se houvesse meritocracia, se as regras do mercado se aplicassem um pouco mais a este anquilosado sistema que é o nosso de saúde (e público em geral), se se liberalizassem mais as regras do jogo.
Eu, essencialmente Conservador em termos de costumes, Socialista em questões sociais (particularmente no acesso à saúde), vejo-me tornar entusiasta Liberal em questões laborais. Porque esta fórmula dos 2=1, meus senhores, é cara e não resulta. E não vejo outra alternativa de 1 passar a ser igual a 1.
Despeçam-se os incompetentes sem piedade, reabilitem-se os "aproveitáveis" (que NÃO serão a maioria), premei-se o mérito e a competência (factor essencial neste ramo). E faça-se isso tudo com celeridade, com ligeireza até.
Enterre-se de vez o carreirismo, o funcionalismo público, a promiscuidade interesseira cíclica politizada desta "clique" ridícula que todos conhecemos, aos bocados, e que se vai perpetuando sem nunca mais ser "decapitada" ou "defenestrada".
Aproveite-se essa maioria de profissionais, "silenciosa" e escondida do reconhecimento do público, que está desmotivada por esses hospitais públicos fora, cansada de ver o chico-espertismo levar sempre a dele avante neste jardinzinho, encantador é certo, mas desesperadamente estático no que toca a assassinar interesses instalados, que só servem aqueles que dos outros se servem, sem nunca servirem para nada nem ninguém.
Serviço "Público"? Hoje, tal como está? Deixem-me rir....
Ou então definam "Público".

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Viabilidade & Investimento

Dois termos caros no dia-a-dia da Medicina que se vai praticando por aí: viabilidade e investimento.
Num extremo temos a abordagem que tudo o que (não) respira é para ser "investido", ainda que a viabilidade seja nula. E por nula incluo os não-raros casos de doentes em paragem cárdio-respiratória durante mais de 15 minutos sem assistência, ou de 30 minutos sem recuperação da circulação espontânea, apesar de assistidos, salvo excepções (afogamentos, etc...). Dizem os livros que a "viabilidade" neurológica é, nestes casos, próxima de zero. Ou seja, na prática, estamos a reanimar um corpo sem alma, um trambolho para a família e para a sociedade, dados os elevados custos de manter o "corpo" vivo no pós-reanimação, no Hospital ou fora dele. Há brinquedos bons, e mais baratos.
Outro caso de viabilidade duvidosa, é aquele desgraçado acamado, demente, internado mês-sim, mês-não por infecções diversas, escariado, a sobreviver no limiar das reservas dos seus órgãos sucessivamente insuficientes, que às vezes até inicia diálise (substituição renal), que faz oxigénio no domicílio, e mais coisas tivéssemos para o auxiliar e só lhe sobrevam os olhos com vida independente de assistência médica.
Num e noutro caso, a abordagem desenfreadamente "curativa" (de aspas bem carregadas) é, a meu ver, crime. E devia-se ter a coragem de não prolongar o sofrimento do ser humano que está à nossa frente, no primeiro caso, dando-lhe o privilégio de não ter que voltar a morrer mais tarde, e no segundo de não ter que continuar a viver nas condições lamentáveis que já ninguém consegue reverter. E nós, médicos, somos os responsáveis por essa decisão, sempre que os familiares não têm o bom-senso (ou a coragem, ou a sensatez) de preservar os doentes de uma eventual calamidade médica, que consiste no prolongamento desumano do sofrimento.
Por outro lado, e pelo menos tão grave nos meios que tenho frequentado, é a outra face desta mesma moeda. Ou seja, a decição de não "investir" por putativa falta de "viabilidade".
E putativa porque não raras vezes, a viabilidade é aferida pelo "aspecto" da criatura. Ora sendo que o fácies de um doente agónico ou em paragem cárdio-respiratória parecer-me, a mim, invariavelmente mau, tornando-se difícil pronunciar-me por esse meio acerca da viabilidade ou falta dela, desconfio. E demasiadas vezes é apenas esse o critério, à falta de qualquer outro.
A idade não ajuda. Se tiver mais de 80 anos, é bom que dê entrada no serviço de Urgência, aquando de uma patologia crítica súbita, com um sorriso convincente nos lábios, caso contrário arrisca-se a entrar no clube dos "desinvestidos", por melhor que estivesse antes da doença.
A hora de chegada também é factor decisivo, bem como as vagas nas enfermarias, o horário da próxima refeição, a disposição momentânea do clínico, a sobrecarga de trabalho do momento, o "à vontade" com as nuances da Medicina de Emergência, e nenhum desses factores deve ser menosprezado na qualidade da decisão final relativa à intensidade do investimento.
Por último, o "mas" fatal, aquele que nos diz que o equilíbrio entre o pender para um ou outro dos exageros descritos não é fácil: é que não é fácil mesmo decidir.
Nos casos de paragem cárdio-respiratória, raras são as vezes em que se consegue uma descrição minimamente convincente da altura da PCR. Não raras vezes se chega à conclusão que aquele "minutinho" que o doente esteve parado teve o efeito devastador de cerca de meia hora de isquémia naquele cérebro. Não raras vezes se vão buscar cadáveres agónicos no domicílio, que devem parar completamente na ambulância à saída de casa, e que dão entrada nos serviços de Urgência sem que ninguém se disponibilize para explicar o que quer que seja acerca do sucedido. E para o médico, aquele senhor em PCR, até prova em contrário, deve ser abordado como tendo acabado de parar naquele preciso momento, salvo evidência de putrefacção em contrário (mas não é fácil ser decisivo, e o tempo joga a desfavor do bom-senso nestas situações).
Idem aspas quanto às situações de falta de viabilidade dos doente crónicos e sofredores, em domicílios familiares ou em lares. Devendo-se juntar, nestes casos, as questões éticas importantes, e que são tudo menos consensuais dentro da própria classe.
Ou seja, uma questão complicada, esta da Viabilidade (e da Qualidade do Investimento subsequente).

terça-feira, 4 de novembro de 2008

Reflexão do Dia

E se o seu Pai ou Mãe, esta noite...
-Tivesse um AVC?
-Que o deixasse hemiplégico (sem conseguir mobilizar metade do seu corpo)?
-Que o deixasse totalmente dependente de terceiros?
-Que o deixasse afásico (sem capacidade para comunicar)?
-Ou seja, que matasse aquela pessoa querida, tal como a conhece hoje?
-Se não tivesse dinheiro para o pôr numa instituição (vulgo "lar")?
-Se tivesse que passar o dia a trocar-lhe a fralda?
-A limpá-lo, a dar-lhe banho?
-A vesti-lo, a levantá-lo, a sentá-lo, a dar-lhe de comer, a deitá-lo?
-Se tivesse que ouvir os seus gritos durante a noite, regularmente?
-Se não tivesse com quem o deixar durante o dia enquanto trabalha?
-Ou pagar a alguém que tomasse conta dele nesse período?
-E tivesse por isso que deixar de trabalhar?
-O que acharia disso o seu cônjuge? E os seus filhos?
-De deixar de trabalhar, empobrecendo o agregado?
-Ou de trabalhar na mesma, deixando o idoso em condições deploráveis?
-E se esse cenário durasse anos?
-Intervalados com alguns internamentos, por intercorrências diversas da doença?
Se isso lhe acontecesse...
E acontece a alguém todos os dias...
E vai eventualmente acontecer-lhe a si, um dia, noutro dia...
O que seria da sua vida, tal como a concebe agora?
Até que ponto equacionaria a importância que tem, para si, a vida do seu progenitor?
Essa pessoa que hoje tanto adora?
Versus a sua própria vida, e a do seu agregado familiar?
Que hoje julga ser um dado tão adquirido? Tão estável?

terça-feira, 28 de outubro de 2008

O Que Eu Não Percebo

E a Helena F Matos também não....
Aqui está um texto dela (http://blasfemias.net/), sem tirar nem pôr (a não ser alguns itálicos e  "bolds"):
"Paulo Rangel vai ter de aturar os ditos amigos dos animais até ao fim dos seus dias. Os animais, sobretudo os mamíferos tipo bola de pêlo, passaram a um estatuto melhor que humano: têm sentimentos, pensamentos e só praticam boas acções. São uma espécie de actualização do mito do Bom Selvagem. As mesmas almas que há umas décadas pasmavam com a superioridade moral dos guaranis agora desistiram da humanidade e deu-lhes para os cães, para os gatos e outros seres de pêlo e pena nos quais projectam todas as suas desilusões com a espécie humana.

Dizem que adoptaram um cão com a mesma naturalidade com que declaram que não vão ver o pai ou o tio ao lar porque lhes faz impressão. Falam dos bichanos como não falam dos filhos nem dos avós, tanto mais que os animais têm sobre os humanos ascendentes e descendentes a fantástica vantagem de não terem adolescência nem uma velhice tão prolongada. O caso tem foros psiquiátricos e em algumas situações quase criminosos. No Dubai país que não é propriamente conhecido pelo activismo político dos seus habitantes, cujos aliás manifestam uma tremenda indiferença pela situação dos trabalhadores estrangeiros, conhece-se uma mobilização inédita para salvar um tubarão-baleia Entretanto, ao lado, estão uns indianos numa situação de quase escravature e ninguém se indigna."

Os animais não têm culpa.

As pessoas, essas, é que estão cada vez mais doentes.

sábado, 25 de outubro de 2008

Nem Mais

Médecine Interne
Un article de Wikipédia, l'encyclopédie libre. La médecine interne est la plus complète des spécialités médicales. Dépassant le cadre de la médecine d'organe, elle s'intéresse au diagnostic et à la prise en charge globale des maladies de l'adulte avec une prédilection pour les maladies systémiques (par exemple le lupus érythémateux disséminé) et les maladies auto-immunes en général. Un médecin qui pratique la médecine interne s'appelle un interniste.
En France, la médecine interne est la spécialité des démarches diagnostiques difficiles et de la prise en charge des adultes souffrant de polypathologies ou de maladies générales. Au carrefour des spécialités d’organe, l’interniste possède les aptitudes nécessaires pour établir une synthèse dans les situations complexes et pour mettre en place des stratégies diagnostiques ou thérapeutiques hiérarchisées. Il prend soin du malade vu comme un tout. Le fractionnement de certaines spécialités en « sur-spécialités » de plus en plus étroites, fruit du progrès médical et technologique et indispensable aux soins de certains patients, implique un recours de plus en plus nécessaire à des médecins formés à la synthèse comme le sont les internistes. Les services de médecine interne tiennent un rôle central à l’hôpital. Ils ont pour mission de recevoir des patients sans diagnostic ou polypathologiques, souvent hospitalisés en aval des services d’urgence et dans un état grave. Le fréquent contexte d’urgence et de complexité médicale nécessite la mobilisation et la coordination des moyens humains autour du patient, ainsi que la mise en œuvre de moyens techniques ou de procédures diagnostiques et thérapeutiques sophistiquées. Cette activité implique un travail en équipe, multidisciplinaire et multiprofessionnel, caractéristique de la médecine interne. Les internistes ont également une fonction de consultant pour les médecins de ville ou hospitaliers, leur apportant une aide en toutes situations.
En Belgique, la situation est assez semblable. En théorie, la cardiologie, la gastro-entérologie, l'endocrinologie, l'allergologie, etc. sont des spécialisations à part entière, mais à côté de cela il existe bel et bien des internistes qui s'intéressent à l'ensemble de ces domaines.
En Algérie, la médecine interne est aussi au carrefour des autres spécialités : l’approche globale du malade peut parfois éviter à celui-ci un circuit contraignant lié à l’approche par organe. La médecine interne a cette ambition. Illustration d'un cas de patient suivi pendant plusieurs années (5 à 6 ans), de façon séparée par différentes spécialités : Orthopédie pour une gonarthrite, maladies infectieuses pour une épididymite, ophtalmologie pour une atteinte oculaire. Ce n’est qu’en médecine interne qu’a été évoqué le diagnostic de maladie de Behcet dans sa forme oculaire grave pouvant mettre en jeu le pronostic visuel, et que le patient a bénéficié d’un traitement approprié et cela grâce à l’approche globale. Ceci n’illustre qu’un cas de retard de diagnostic de quelques années.
En conclusion : l’être humain est un organisme et non un ensemble d’organes, l’approche d’un malade doit être globale pour arriver à un diagnostic précis donc une meilleure prise en charge. Le retard de diagnostic de plusieurs pathologies dont les maladies de système résulte souvent d’une approche restrictive du malade.

domingo, 19 de outubro de 2008

O Cliente às Vezes tem Mesmo Razão...

Aconteceu-me mais uma vez, e como disse anteriormente, olhem que até me esforço....
Antes do mais, o costumeiro enquadramento geral, resumidamente, da qualidade do atendimento aos "utentes" na Urgência onde prestamos serviço (das 08h00 às 08h00 do dia seguinte, por exigência da maioria das instituições). Às 09h00 costuma-se começar com um sorridente "então, caríssimo Sr x, que más notícias o trazem por estas bandas?"; às 17h00 será mais um profissional "boa tarde Sr x, então, conte-me lá do que se queixa?"; às 23h00 um esfíngico "boa noite, o que o traz aqui a esta hora?" (note-se no pormenor do: "a esta hora", já a demonstrar incredulidade face à desproporção da relação consultas/verdadeiras urgências...); às 04h00, bem, já será uma histeria persecutória  olheirenta do tipo: "há uma semana? tem febre há uma semana? e lembra-se de vir agora, aqui, às 04h00? logo quando estou aqui eu, no meu turno da noite?".
Enfim, a história da minha vida uma vez por semana, que eu tento contrariar mantendo a primeira forma ao longo do tempo todo, com maior ou menor sucesso.
Mas voltando ao tema de abertura do post, voltei a falhar, meus caros.
Como do costume, lá me apareceu a meio da noite o tradicional "cansaço há um mês", sem mais nada de especial. O quadro clínico, dramatizado pela filha (muito mais do que pelo próprio doente), minou desde logo os alicerces da relação médico-familiar do doente, e desde logo tratei de enquadrar a filha do dito cujo com a setença pré-qualquer-observação, acrescentando: "sabe, cansaço há um mês NÃO É uma urgência". Qual cliché, ela desde logo argumenta que o pai deve "estar muito mal", que o médico de família "não dá conta do recado", que os exames que aquele pediu "ainda vão demorar um semana", blá blá blá....
De paciência cada vez mais minguante, procurando desesperadamente pôr termo àquela conversa antes que a mesma degenerasse seriamente, concluí: "minha Sra, aqui, só vou assegurar-me que o paizinho não tem uma situação a carecer diagnóstico e abordagem terapêutica com carácter de urgência. O resto, vai ter mesmo que ser com o médico de família, com os exames demorados, etc.... Não se fazem abordagens certas nos sítios errados, e ou muito me engano, ou está a fazer o pai perder tempo, assim como as verdadeiras urgências que possam estar na sala de espera a esta hora, a aguardar que eu conclua esta observação!".
E lá fui ver o Sr, após aquilo que eu julgava ter sido mais um inútil exercício de Pedagogia.
Ou seja, mais uma historieta comum, que se vai fatalmente repetindo com todos os que conhecem os meandros do sítio em causa.
Mas afinal voltava-se a tratar de uma daquelas outras historietas, mais raras, que nos prova que nem tudo o que brilha é ouro, e passado pouco tempo, vejo-me a internar o homem no Serviço de Observação por hiperosmolalidade diabética (diagnóstico inaugural).
Tudo encaminhado, chega o doloroso momento de comunicar o sucedido à familiar.
Triunfante, ela excama, babada: "ah, afinal era mesmo uma situação urgente!".
Rasteiro, ainda vislumbrei a eventualidade de lhe responder que não, que o quadro clínico deveria ter sido diagnosticado antes, que o pai deveria fazer análises de vez em quando, e se o tivesse feito, não chegaria à conclusão que tinha diabetes daquela invulgar maneira, mas retrocedi, antes de lhe dar um argumento definitivo para me dar uma estocada final, reconhecendo intimamente a minha imprudente abordagem, grato pela grandiosidade de espírito, inchado de orgulho, da progenia presente, ao não me desancar mais ainda, para além daquela subtil declaração de vitória, que o ingrato destino fez com que ela merecesse.
É a vida....

terça-feira, 23 de setembro de 2008

Os 7 Pecados Mortais do Médico

Vá lá, chamemos-lhes antes os Pecados Boçais, que de mortais têm pouco. Apenas nos tornam um pouco mais sonolentos nessa hipnose do dia-a-dia, que tudo tende a banalizar, a relativizar e a homogeneizar num supremo "é a vida"....
1º: Ignorância/(des)Conhecimento. O pior de todos. Com inteligência ainda há esperança, por pior que sejam os demais atributos;
2º: Vaidade. Os Narcisos da Classe, que por aí proliferam, carcterizam-se por olhar demasiado para o espelho e pouco para o doente. Perde-se em empatia, e sem empatia não há boas histórias, sem as quais não se consegue fazer o bem devido;
3º: Gula. Não são os mais perigosos, mas talvez os mais asquerozos. Aquele pequinho de boquinha espremidinha pela doutorice (in Garrett, ou seria Camilo?...) sobretudo interessado em ganhar dinheiro, e mais dinheiro, sem contemplações pelo sofrimento de quem apenas quer ser tratado, por mais que muitas vezes tenha o dever de o tratar gratuitamente na instituição pública devida. Mas sabe-se, numa Classe que cada vez tem menos classe, que muito guloso acaba por praticamente convidar o "utente" a deslocar-se ao gabinete pagante, se quiser continuar com um nível semelhante de cuidados. Mas pronto, há defeitos piores, ainda que cheirem melhor....
4º: Estupidez. É mau, muito mau, o médico estúpido. Como é um termo de interpretação lata, sublinho que quero nele incluir aqueles profissionais para os quais é tudo simples. Sempre simples, nunca complicado, e tudo o que é complicado é inventado e/ou irrelevante (o "sexo dos anjos", na gíria). Também há uma prole excessiva dessas criaturas na classe. De tal forma que já se conseguem organizar em legiões de simplificadores vocacionados em destruir todos aqueles que "complicam" as coisas. Entenda-se: os que questionam os outros e a si próprios, os que duvidam, os que receiam o erro, os que procuram, os que investigam, os que se preocupam com a eventualidade do simples não ser assim tão verdadeiramente simples, e de se poder tornar complicado para o objecto da simplificação, em última análise: o doente.
5º: Esperteza. O antónimo do anterior, que também não é de todo virtuoso (se desprovido de inteligência), só que pelo menos não atrapalha. Ele é o expert da comitiva na faculdade de, mesmo estando presente no local de trabalho, mesmo estando decididamente a mexer-se de um lado para o outro, respirando, comendo e falando, conseguir ter a relevância prática de um qualquer comatoso. Não faz mal aos doentes, pelo facto de não lhes tocar, ou de o fazer de forma absolutamente asséptica. Totalmente desprovidos de capacidade iatrogénica, não conseguem porém ir além de um ténue efeito placebo. Os doentes acabam invariavelmente tratados por outros médicos, para os quais existem diversos subterfúgios de encaminhamento, que esses espertos tão bem conhecem. É difícil de explicar, mas qualquer médico que faz Urgências neste país sabe exactamente do que (e de quem) estou a falar, metaforicamente. Alguns exemplos para os outros: nunca chamar ninguém com mais de 65 anos (o mais certo é estarem mesmo doentes...); nunca deixar de chamar alguém para ver os nossos doentes (co-responsabilizando-o inocentemente); nunca ter pressa (a pressa leva a mais trabalho, a maior risco de erro, a mais desgaste, ao mesmo salário...); chamar todos os que, decididamente, não têm nada a ver com a nossa especialidade (para os poder encaminhar, dando a ilusão de se estar a trabalhar), e por aí fora. São mais ou menos assim, os espertos aos quais me refiro.
6º: Preguiça. Muitas vezes também é esperto, mas desses já falei. Esta outra estirpe é, apesar de tudo, menos irritante. É aquele que já se fartou desta vida anti-meritocrática que é a nossa (ou que já nasceu assim...), e que chegou à conclusão que não valia a pena ralar-se. É aquele que muitas vezes até é bom colega, e preocupado com os seus doentes, mas que já não se entusiasma, não evolui, estagna e torna-se estagnante para os outros. Tem outros interesses, não sendo necessariamente guloso. Pode tão só gostar de literatura e outras Artes aparentadas, pode ser culto, ou simplesmente gostar mais de PlayStations que das últimas guidelines das doenças que deveria tratar. Muitas vezes acaba ficando estúpido.
7º: Idade. A idade por cá, pela minha constatação, está inversamente relacionada com a capacidade de fazer as coisas funcionarem à nossa volta. Se a isso juntarmos a agravante de, em consequência dessa "coisa" a que chamam genericamente de carreira, os cargos de chefia estarem sobretudo entregues a colegas com uma certa idade, o caso assume contornos de verdadeiro pecado boçal. Entre as chefias às quais me refiro, baloiçamos em geral entre dois extremos. Num deles, o chefe porreiro, facilmente adulável, que cede aos caprichos de todos, que não consegue mandar nada, e pôr nada, muito menos um serviço, a funcionar. Do outro, o incapaz (ou pelo menos não tão capaz quanto pensa) esquizofrénico, cujo delírio está entre ser um Deus do Olimpo que deve ser idolatrado, sob pena de censura, ou que pelo menos nunca deve ser posto em causa, sob pena de persecução. Claro que se aliado a isso tivermos critérios de justiça, tratamento meritocrático de todos os profissionais subalternos, capacidade de organização e visão de futuro, até podemos estar perante um excelente "chefe". Mas os profundamente intrincados complexos da velha geração de Abril incapacita-os de não confundir autoridade com ditadura, e por isso temos que nos contentar entre o inconsequente e o delirante.
É a vida....

quinta-feira, 18 de setembro de 2008

Dentistas nesta Escandinávia à Beira-Mar Plantada

Houve um certo sururu quanto a um Sr. Dr., por sinal aposentado, militar de carreira, que seria Estomatologista e que, para pasmo da Sociedade distraída que é a nossa, prestaria serviços de Urgência/Emergência num posto de saúde qualquer do Alentejo.
Demorei algum tempo, confesso, a perceber a natureza do problema.
Afinal, eu, médico diferenciado numa especialidade hospitalar, clínico com formação em Intensivismo, certificado com os cursos de Suporte Avançado de Vida, de Advanced Trauma Life Support, de Sepsia Severa, de Fundamental Critical Care Support, entre outros menos "badalados", passei a minha vida, de instituição em instituição, a constatar o que vai sucedendo pelas Urgência por esse país fora.
E estou cansado de saber que tudo vai parar às Urgências, tanto nos pequenos "postos" como também nas grandes Urgências, dos Hospitais Centrais, e nas das instituições privadas mais publicitadas também.
Sim, meus senhores, desde Estomatologistas, ou nem sequer isso, médicos que acabaram o curso (tal como aqueles) e que depois não se especializaram em nada (nem sequer em Estomatologia...), fazendo carreira de "banqueiros" (pagos, em geral, a peso de ouro, estratosfericamente acima de todos os demais pertencentes aos quadros das instituições, e das várias especialidades), e até internos que estão em formação nesta ou naquela especialidade, para descanso dos mais graduados que assim se esquivam muitas vezes aos seus deveres, delegando nos mais novos a troco de gratidão, formação e uma nota melhor no final do ano.
Mas agora já sei qual é o problema. O "povo" não sabia. Não sabia que a esmagadora maioria dos médicos que os atendem nas Urgências não tem qualquer formação, nem sequer vocação, em Medicina de Urgência, ou em Emergência médica.
E agora já sabe.
Mas não bastava terem perguntado?

sábado, 30 de agosto de 2008

Tiques

Dito com a satisfação pela faculdade que me é cada vez mais rara, ainda me vou conseguindo chocar de vez em quando neste pequeno rectângulo.... Alguma alma iluminada, certamente após aturado raciocínio por detrás de uma secretária de um qualquer ministério oculto, decidiu que os doentes fumadores deixam de poder fumar quando ficam doentes. O motivo da coisa? Induzir a cessação tabágica? Só se for durante o internamento. Limpar o ambiente? Ninguém diz que poderiam fumar em locais agora proibidos. Nada disso. E eu arrisco: uma questão de estilo, de imagem, ou se quiserem de "princípios". Fumar faz mal à saúde, por isso não se deve fumar no Hospital e arredores enquanto se está nele internado. Direito à auto-determinação? A fazer o que bem se entende com o seu corpo e a sua saúde (entenda-se, sem maior ambição: a ser tratado, ainda que a fumar)? Questiúnculas parasitas da inevitável conclusão. E ainda vá lá que não se obrigue as criaturas a assinar um documento em como deixam de fumar por um determinado período de tempo, sob pena de pagarem uma multa ou ainda de verem recusado um, ou dois, internamentos próximos, quando estes se justificassem. E a questão do sofrimento que se induz numa pessoa que deixa de poder satisfazer uma dependência física e psicológica, para mais numa altura já de si delicada (estando doente), são amendoins para toda esta gente. O ridículo aproxima-se do seu zénite quando falamos de alcoólicos. Qual é o médico que não adora ver a clássica evolução destes seres em regime de internamento: primeiro a discreta ansiedade, o pedido inocente de alta ("doutor, eu acho que já estou bom; posso-me ir embora?"). Ainda com discursos relativamente normais, quando progressivamente, cada vez lá mais para o fundo de um estado de consciência prestes a extinguir-se, começam a tremelicar cada vez mais, já nem se preocupam em fingir lucidez, até que chega o sublime delírio; é vê-los a tentar apanhar moscas inexistentes e outra bicheza que tal (a hilariante zoópsia...), a serem amarrados à cama, quais seres possuídos numa mais ou menos boa "mise en scène" do Exorcista, a serem sedados com doses recorde de benzodiazepinas (eu ontem "dei-lhe" 120mg de diazepam, e o homem ainda conseguia arrancar a cabeceira da cama!), a perturbarem a enfermaria num raio variável, a suarem que nem desalmados, em hipertermia, por vezes a convulsivar em delirium, a vomitar e até, quem sabe, a morrer de uma pneumonia de aspiração induzida por essa recusa terminante de, obviamente, se dar um copito de tinto a cada refeição a estas amaldiçoadas almas. É verdade meus senhores, não seria preciso embebedar as animálias, bastaria dar-lhes um mínimo de álcool que evitasse a espectacular privação que tanto gostamos de induzir. Mas não. Também não se pode beber. Não que isso vá favorecer abstinência subsequente. Porque não vai. Não que isso seja, nessa altura ou futuramente, bom para a saúde do ser em causa. É sobretudo perigoso para a saúde. E já agora, o que pensam os doentes (no início, na tal fase ainda lúcida) disso tudo? Estamo-nos todos bem a cagar para isso! Aliás, diria mesmo que dum Hospital, depois de lá se entrar, dificilmente se sai. Ainda pasmo com o paternalismo (...para não usar outro termo) de certos colegas meus que ponderam, seriamente, sedar indivíduos e mantê-los internados, só porque esses defendem uma ideia de futuro próximo que não passe pelo ideal de reconstituição de saúde defendido pelo mesmo profissional. Ainda que perfeitamente conscientes e com o juízo que Deus lhes deu. Mas nem tudo são más notícias. Se for heroína, faz-se uma substituição como deve ser, e com elemento aparentado. Este país, ainda que por vezes não o reconheçamos, continua a ser muito perigoso para a individualidade que cada um de nós constitui. E essa liberdade individual, que ingenuamente julgamos ser um dado adquirido nos tempos que correm, não passa ainda, em demasiadas circunstâncias, de mera ilusão, bastando para a respectiva desilusão uma pequena confrontação com certas realidades, que todos teimamos em continuar a não encarar de frente.

sábado, 9 de agosto de 2008

Tem ALTA!

Eis o maior impropério que me acusam de proferir, de há longos anos a esta parte: "tem alta". Muitos dos familiares de doentes, por vezes até alguns doentes, entendem esta afirmação como a suprema declaração de "desprezo médico" (eu não diria "negligência", neste caso...). Dois lados, como do costume; diria mesmo três, neste particular: -O meu, em que sou pressionado a diagnosticar depressa, a tratar mais depressa ainda (e a tratar enquanto diagnostico, de preferência), e a mandar embora o doente assim que ele começa a respirar. Para assim poder receber outro, e desimpedir os corredores da Urgência, desimpedindo os quartos da minha enfermaria. E ter uma boa "estatística", ainda que nesta proto-meritocracia ninguém ligue ainda muito a esse e a outros índices de "produtividade" que tais. -O de alguns familiares de doentes, que com o internamento de casos difíceis de gerir em casa, polimedicados, multi-patológicos, ou simplesmente hiper-dependentes nas actividades da vida diária, ou de atenção, e ávidos consumidores da paciência dos que os rodeia, vêem ali a "golden oportunity" para se livrarem do trambolho, temporaria ou definitivamente (para um lar ou equivalente celestial). -O dos doentes, geralmente alheios a todas essas pressões, que em regra apenas pretendem pôr-se bons ou pelo menos melhores, excepto aqueles poucos casos cuja tristíssima vida os leva a achar acolhedoras as instalações medievais da média dos nossos hospitais, e o amadorismo da maioria dos serviços que neles se prestam, no dia-a-dia. Um caldinho explosivo, como facilmente se adivinha. Aprendi a lidar com a coisa: -Aviso precoce da alta, para mentalização precoce e melhor aceitação; -"Ameaça" permanente de alta; as pessoas preferem que uma ameaça precoce seja adiada do que uma surpresa, ainda que tardia, se confirme; -Compensações: tem alta E VEM para consulta brevemente; a alta da consulta é menos dolorosa, e pode ser considerada mais um degrau na instalação da "dor" de voltar a receber um familiar incómodo em casa. Agora mais a sério, sendo que brincando-se se podem transmitir conceitos muito reais: a percepção de não ter que haver restitutio ad integrum no momento da alta ainda não é familiar de muitos portugueses; o doente não tem que ter alta saudável, mas sim logo que puder continuar o seu tratamento no domicílio, para se curar definitivamente lá; por outro lado, a família tem que se adaptar e estar preparada e mentalizada para se adaptar às novas disfuncionalidades do doente internado, nem que seja prevendo a sua transferência para uma instituição, em caso de incapacidade em lidar com isso em casa (e nunca, nunca achar que cabe ao "Hospital" a resolução do problema social do seu familiar). Nuances? Muitas, tantas que ficaria a escrever aqui a noite toda e não as esgotaria. Só para ainda referir duas: às vezes, as altas são precoces (medicamente falando - e não na perspectiva familiar), o doente tem que voltar por ter agravado o seu estado de saúde no domicílio, e teria beneficiado em ficar mais alguns dias no Hospital; mas noutras, é tardia, e o doente agrava por se infectar (entre outras coisas) na instituição, seja como for agravando o seu estado de saúde, e enriquecendo escusadamente os sempre excessivos números de iatrogenia, por infecções nosocomiais ou outros motivos. No equilíbrio está a virtude. Mas ninguém é perfeito.

sábado, 26 de julho de 2008

Lixo

Revista Sábado, Fernando Esteves e Cª.... Mas sublinho: nada contra, cada um que escolha o seu próprio pequeno-almoço. As ratazanas também são filhas de Deus, e se a calúnia dá de comer a algumas, não serei eu a retirar o pão da boca de ninguém, ainda para mais por um preço tão baixo quanto é algum "zum-zum" de quem cujo QI precisa de alguma ginástica.... Acima de tudo, assinalo que esse lixo não é da minha área. Os jornalistas a sério que o varram.

terça-feira, 22 de julho de 2008

Eis a Questão

And who by fire, who by water, who in the sunshine, who in the night time, who by high ordeal, who by common trial, who in your merry merry month of may, who by very slow decay, and who shall I say is calling? And who in her lonely slip, who by barbiturate, who in these realms of love, who by something blunt, and who by avalanche, who by powder, who for his greed, who for his hunger, and who shall I say is calling? And who by brave assent, who by accident, who in solitude, who in this mirror, who by his lady's command, who by his own hand, who in mortal chains, who in power, and who shall I say is calling?

Leonard Cohen

Um homem que torna este mundo melhor. Um mágico, não tenham dúvidas. Traduz em palavras, agrupando-as em melodias, as angústias da vida e o mistério do amor. Um grande obrigado à Sra que foi autora do desfalque milionário que o terá arruinado e obrigado a este "Tour", que incluiu o sublime concerto no Passeio Marítimo de Algés do passado sábado à noite, pelo serão. Partilhei desapaixonadamente o convertido budista com outros 9.999 seres de bom gosto, e não tive ciumes. Essa aldrabona, que não conheço, acaba por ser uma santa. E o Homem (com H grande) é um preguiçoso.... Essa voz merecia ter sido ouvida mais vezes ao longo de todos estes anos, fiquei quase ofendido de não lhe detectar sinais de fraqueza e faltas de fôlego. Há noites que nos tornam, simplesmente, felizes. Há noites em que nos lembramos da benção de ter vivido até então. Abençoado seja este canadiano preguiçoso, por mais este milagre do contentamento. E agora, meus senhores, já posso morrer ;)

quarta-feira, 9 de julho de 2008

AVC Topo de Gama

Tem menos de 75 anos?
Está a sentir falta de forças num hemicorpo?
Então parabéns, pois é candidato a um AVC "topo de gama".
O AVC "topo de gama" caracteriza-se pelo direito a cuidados diferenciados numa Unidade de AVC, onde se centralizam os cuidados a este tipo de doentes, o que se provou ser francamente benéfico em termos prognósticos, quer estejamos a falar de mortalidade, quer (e sobretudo) estejamos a falar de morbilidade, comparativamente aos cuidados "standart".
Nessas Unidades, os doentes morrem, portanto, menos, e sobrevivendo mais, sobrevivem também melhor, com menos défice funcional, para o resto das suas vidas. Isso por diversos motivos, que são conhecidos, mas que não me parece pertinente estar aqui a escarafunchar (melhor estadiamento, maior intensidade e precocidade no início da reabilitação funcional, maior celeridade na execução dos exames, melhor controlo dos parâmetros vitais, da glicemia, etc...).
O problema, em Portugal e se calhar nos outros países também, é que há relativamente poucas vagas nas Unidades, para muitos AVC's. O que portanto obriga à destrinça entre AVC's "topo de gama" e AVC's "de segunda".
Os AVC's "de segunda" são os AVC's dos (muito) velhos (geralmente >80 anos), e os AVC's dos doentes que, à partida, até já estavam muito mal antes do AVC.
Em suma, os doentes em que não é necessário "investir" tanto.
Claro que esses doentes seriam muito melhor tratados numa Unidade dessas, comparativamente ao tratamento que recebem numa enfermaria convencional, do que aqueles para as quais essas Unidades afinal se destinam. Não que os médicos ou enfermeiros sejam melhores ou mais empenhados, mas porque há mais médicos para menos doentes, mais enfermeiros para menos doentes, monitores permanentes para todos os doentes, e cuidados centralizados para esses doentes.
Diria mesmo, e sem me enganar, que o benefício relativo nesse grupo de doentes até seria seguramente maior, do que numa população de menor risco, como a que no fundo caracteriza a indicação para entrar numa dessas Unidades.
Ou seja, os que estão mais fragilizados são os que recebem menos cuidados. Porquê? Porque estando mais fragilizados, têm seguramente pior prognóstico à partida do que os outros, e logo potencial de recuperação menor. Ou seja, são brindados com a facultação de cuidados "de segunda", que é para recuperarem ainda menos, e/ou morrerem mais. Peço perdão: para recuperarem e morrerem como dantes, ou como "sempre"... (para verem que o politicamente correcto é um exercício permanente, também nas linhas deste blog).
O mais engraçado é que durante muito tempo, esses "critérios" de admissão, não publicados mas conhecidos de todos, não me chocaram e pareciam lógicos, dada a desigualdade na correlação: capacidade de facultar cuidados altamente diferenciados versus número de candidatos a esses cuidados.
Revendo a coisa com cuidado, é uma perversão. E mais uma machadada na pouca dignificação que se atribui a essa coisa, que é a recta final da vida.
O que só me leva a reforçar a minha convicção de, nos dias que correm, e com tendência a piorar cada vez mais para o futuro, o melhor mesmo é não chegar a "muito velho", particularmente se não se estiver abençoado por uma salvadora demência moderada a severa.
Por isso, caro leitor, olhe bem para todas as perspectivas (...nomeadamente a do seu avô), e pense duas vezes antes de prevenir essa sua aterosclerose.
PS: claro que se o "muito velho" se chamar Mário Soares ou Manuel de Oliveira, e apesar do manifesto desinteresse público em investir o que quer que seja em qualquer uma dessas personalidades, o critério de admissão ajusta-se (ver alínea 1: ponderação de país terceiro mundista).

sexta-feira, 27 de junho de 2008

Efeito Secundário

Os Efeitos Secundários conhecidos associados a um fármaco, são aqueles que podem ver descritos na respectiva bula.
Este post, que se pretende educativo, quer elucidar o povo a não confundir Efeito Secundário com Contra-Indicação.
O Efeito Secundário PODE acontecer quando se toma o determinado fármaco. É um risco, conhecido e descrito, que consoante a sua gravidade pode justificar follow-up clínico ou laboratorial. Acima de tudo, são riscos controlados, quando não estamos a falar de produtos "alternativos", já que são efeitos adversos reportados, quantificados e equacionados quanto à relação risco-benefício do produto.
É Ciência, e a assumpção que uma "hipótese" pode sempre correr mal, mesmo depois de amplamente testada, como acontece com os fármacos antes de serem lançados para o mercado na Medicina Moderna e Científica.
Aconteceu com o Vioxx, porque o Vioxx foi um produto controlado. E a cardiopatia isquémica, por ser considerada um "Efeito Secundário" intolerável para o objectivo terapêutico a que o fármaco se propunha, levou à suspensão da comercialização do mesmo ("contra-indicou-o" de forma absoluta). Tudo perfeitamente controlado, portanto. Ao contrário da farmacopeia "alternativa" que por aí grassa....
Ou seja, Efeito Secundário é um sinal de alerta, para estarmos atentos à tolerância do fármaco, que é variável de pessoa para pessoa.
Contra-Indicação é diferente. Significa que num determinado grupo de pessoas, com determinada patologia ou outras características associadas, um determinado fármaco, que tem indicação nos outros casos, passa a ter efeitos nefastos potenciais que ultrapassam o efeito benéfico pretendido. E por isso NÃO DEVE ser tomado por esse grupo de pessoas, para o qual o fármaco está contra-indicado.
Já um fármaco, por mais Efeitos Secundários que tenha descritos, deve ser SEMPRE tomado quando existe indicação para tal, porque o efeito benéfico pretendido é superior ao risco de efeito nefasto, salvo Contra-Indicação em contrário, claro está.
Este post é motivado por me ter cruzado já com diversos doentes que "desistem", logo à partida, de tomar um qualquer remédio por este ter muitos efeitos adversos descritos.
O efeito adverso major que vos deve preocupar, caros leitores, é o da Patologia que motiva a indicação do fármaco, para a qual ele foi testado e demonstrou benefício.
Por outro lado, também já me confrontei diversas vezes com colegas meus a não darem determinado fármaco pelos potenciais efeitos secundários associados, apesar da indicação formal do mesmo.
Isto porque todos, algum dia, verificamos iatrogenia associada a determinado fármaco que prescrevemos (e bem), existindo uma tendência para a partir daí considerar o determinado Efeito Secundário como "Contra-Indicação Até Prova Em Contrário".
Mas isso já é outra história....

quinta-feira, 22 de maio de 2008

Vocação

Ainda hoje não sei bem o que é isso.
E seguramente que desconheço a rica semântica de que se reveste, para cada um que usa a dita palavra.
Hoje falo despreocupadamente sobre o tema, que em tempos chegou a ter o condão de me inquietar.
-"Deves seguir para a profissão para a qual te sentes vocacionado", diziam-me nos meus tenros 18 anos de idade. -"Não te metas em Medicina se não te sentires vocacionado", acrescentavam.
Eu, desesperadamente, sentia-me vocacionado a fazer uma boa partidita de futebol, a um jogo do equivalente de playstation da época, a ver um bom filme de cinema e a passar o dia na praia.
À falta de melhor chamamento, segui o delírio da minha mãe, de origem cronológica incerta, mas que já remontava há vários anos: "ele sempre quis ser médico". Sempre era melhor que nada.
Na faculdade alguns colegas reiteravam que sem vocação, a "coisa médica" tornar-se-ia insuportável. Julgo que os tratados que me davam, nos primeiros anos, para eu treinar a recitar de cor, não ajudavam ao desenvolvimento de um sentimento de aproximação com a "arte". E lá fui decorando, desapaixonadamente, o esfenóide, o canal inguinal, a Fisiologia respiratória, e outros temas que tal.
No meu 4º ano da faculdade entrei pela primeira vez na minha vida num Hospital, e da melhor maneira (quero eu com isto dizer que a olhar para uma cama, ao invés de estar deitado numa). A coisa melhorou, o interesse começou a nascer, e vibrei com o que talvez tenha sido o meu primeiro soslaio de "vocação", passe a eventual heresia pela qual antecipadamente me desculpo perante os experts do tema.
Mas logo me puseram no lugar. Naquela fase, vocação seria coser cabeças, enfiar dedos em série nos rabos dos doentes e colher sangue para análises. E por aí fora. Não me apetecia nada, e queria-me parecer que iria ter tempo para aprender essas coisas todas no futuro, que ainda se afigurava longo naquela fase.
Atalhando, lá segui o trajectozinho que alguém determinou que seria o dos médicos em formação neste país, e não estou nada desiludido com o resultado final.
Finalmente vocacionado? Eu simplificaria dizendo que interessado pela matéria, curioso pelas doenças, e preocupado com os doentes. Se por vocação ou por profissionalismo, francamente não sei.
Desconfio que a diferença, a existir, não seja grande.
Também desconfio que a vocação, neste país e neste contexto, é bem capaz de estar arreigada por pessoas que querem poder seguir um curso por outro critério qualquer, que não o de estudar e saber mais que os outros.
Desconfio que aos 18 anos estamos ainda todos "vocacionados" a ser futebolistas profissionais, repórteres desportivos e herdeiros de milionários (dirigindo-me para a irmandade masculina, já que as mulheres são um grupo à parte nessa fase, que eu nunca me atreveria a caracterizar).
Bom, e o post já vai, como habitualmente, excessivamente longo. Terminaria dizendo que o conselho que darei aos meus filhos, quando os confrontarem com as suas enigmáticas e/ou inexistentes vocações, será o de escolherem o que lhes parecer melhor, e de serem bons no que escolherem.
E o resto, com todo o respeito, parece-me canto lírico....

quarta-feira, 21 de maio de 2008

A Pele de Cordeiro

Desconfiem do Cordeiro. Não é tão fácil quanto parece, o cordeiro é simpático, o cordeiro é agradável, o cordeiro é tranquilizador. Alguns médicos são cordeiros. Uma virtude, se à "imagem" juntarem igual competência. Mas não é desses virtuosos que eu quero falar aqui (os verdadeiros cordeiros), nem nos cordeiros que parecem lobos (esses poderei abordar, só porque são interessantes, noutros "post"). É nos lobos disfarçados de cordeiro. Irritam, pela negligência ou dolo de que se reveste a sua prática, pela hipocrisia que materializam. Esses são capazes de ver morrer um desgraçado à sua frente, sentenciar uma decisão duvidosa de não-reanimar, ou pior ainda, de nem sequer tratar aquilo que é tratável, e depois com a maior desfaçatez, de fácies grave, anunciar à família que se fez tudo e mais nenhuma opção restava. São aqueles que quando chega o doente complicado desaparecem, atarefam-se subitamente com outra coisa, deixando a fava para quem tiver algum brio e/ou vergonha na cara. São aqueles que perante o sofrimento alheio ignoram, desvalorizam, olham para o lado ou transferem para longe da vista. São aqueles que não fazem (porque nunca "calha", estando sempre "potencialmente" disponíveis), mas estão sempre dispostos a criticar aqueles que acabam por fazer muito mais do que deveriam, pior do que fariam se fizessem apenas aquilo a que são obrigados. Em suma, são aqueles que descobriram que a melhor maneira de não errar é não fazer, e deixar para outro resolver. E quando ninguém mais existe para desculpabilização própria, continuam ainda assim a não fazer, e profissionalizam-se na arte da consolação e da ilusão de todos aqueles que podem representar uma ameaça às suas ridículas máscaras de médicos de primeira água. Todos: os próprios doentes, os familiares, os colegas e as chefias. Isto seria um fait divers se, em Medicina, não significasse um comportamento criminoso, uma tortura para os desgraçados que, fragilizados, caem nas mãos de tais torcionários por omissão, cumplices da doença e do sofrimento. Gostava de dar uma fórmula para se detectarem essas criaturas. Mas é difícil. Confrontem aquilo que vos é dito com informação científica, hoje em dia todos sabem usar minimamente o google. Questionem o que vos é apresentado como inequívoco ou dado adquirido, esperem pela resposta e confirmem-na. Ou, à falta de melhor, desconfiem menos daquele que tem olheiras, que está mais cansado e se calhar com menor paciência para ser simpático. E desconfiem mais dos sorridentes, dos bons conversadores, dos que posam a figura do "imaginário médico" que há em cada um de nós em todos os seus actos. Pensando melhor, conheço exemplos de ambos os lados da barricada para cada um desses fenótipos. Em última análise, boa sorte!

terça-feira, 13 de maio de 2008

Os Fulanos Oftalmologistas que Vêm de Fora

Reflexões breves: -1ª) Acho preocupante a dimensão do problema da falta de soluções do SNS para doenças corriqueiras (vulgo cataratas, neste caso), que como se vê até podem ser resolvidas "a granel" por um médico qualquer com disponibilidade para isso; -2ª) Acho triste que a reacção da classe em geral seja reveladora de um brutal orgulho ferido, dedicando-se a encontrar o "gato" da história, que antes prima, e acima de tudo, pela espectacular solução de um real "gatão", que era o problema que afligia tão numerosa população; -3º) Acho triste que não se explique o porquê de esta gente toda ter sentido a necessidade de recorrer ao tão publicitado estratagema. Não há Oftalmologistas que cheguem neste país, adstritos ao SNS? Estão a tratar coisas mais importantes e descuram estas "corriqueirices" de cataratas? Não têm tempos operatórios suficientes? Há interesses obscuros e/ou um problema laxismo da referida sub-classe, que leva a esta falta de produtividade? -4º) Acho vergonhoso que ninguém, nos cargos relevantes representativos dos médicos e relativamente a esta situação, não padecesse deste autismo tão característico quanto contra-produtivo e fomentador da falta de credibilidade que cada vez mais nos aflige. Nunca mais nos convencemos que as pessoas não são (completamente) estúpidas, que actualmente somos sempre culpados até prova em contrário, e que a inversão desta realidade só se fará quando discutirmos aberta e descomplexadamente os problemas, e começarmos a separar, entre nós, o trigo do joio.

domingo, 20 de abril de 2008

As "Carreiras"

Quando ouço falar em "Carreiras", vem-me à cabeça uma espécie de Cruzeiro inter-continental.
Fico nauseado.
Carreira é aquilo que uma série de pessoas, falando na médica, se calhar até construiram com a melhor das intenções. Faço o frete de assumir essa evidência incerta. Mas enfim, talvez o leit motiv da coisa fosse mesmo a progressão em função da superior competência, do superior saber....
Independentemente disso, é seguramente aquilo que outros, depois, usaram para se para-promoverem, bem ao jeito do amiguismo reinante na função pública dos dias que correm, para se perpetuarem em ciclos de mediocridade em postos que exigiriam à partida superior mérito, para açambarcarem postos onde as suas patéticas opiniões são transmitidas como sendo as da classe em geral. Que ainda acredito não ter nada a ver com essa corja, dos "promovidos" na carreira, nomeadamente dos ineptos (que não serão todos, claro está), quais carraças que não desgrudam do fino tecido daquilo que deveria ser uma Medicina de excelência.
Hoje fala-se em acabar com as carreiras. As carreira, com a vossa licença, já estão podres há muito tempo. Os seus defensores não passam de uns agónicos cadáveres anunciados a estrebuchar num último suspiro contra essa evidência, que nenhum político ou gestor de Hospital no seu perfeito juízo poderá novamente ignorar.
Quando se está do lado "de dentro" de uma instituição Hospitalar, constata-se o inacreditável, o despudor por vezes total, como aquele que eu testemunhei recentemente, vendo em prestigiada revista do meio um discurso de um colega recém-empossado em cargo de relevo interno, ainda que inconsequente em termos práticos (valha-nos isso...).
O referido colega encorpava a "defesa intransigente" das "carreiras", e do que elas significavam em termos de "defesa da qualidade" e de "justiça nas promoções". O mesmo homem que conseguiu o feito de se rodear, em direcção passada, do que havia de reconhecidamente mais incompetente naquela instituição. Do que havia de mais interesseiro. Do que havia de mais politiqueiro.
Esse homem estava agora, pasme-se, naquelas linhas, a travestir-se de defensor da meritocracia, "confundindo-a" com "evolução na carreira".... Se o fez deliberadamente, ou se esquizofrenicamente, não me interessa destrinçar.
Julgo que quem lesse ou ouvisse tão bem escritas ou proferidas palavras até lhes achasse alguma piada. E até ficasse, caso vivesse numa garrafa, e desconhecesse a real estirpe da pessoa em causa (ou de outras que tal), solidário com a posição de sinónimo entre "carreira" e "mérito". Calculo que os receptores partam do sábio princípio de "inocente até prova em contrário". Ou seja, a areia nos olhos anda aí, e não é fácil de varrer....
Mas eu, que estou neste barco, nauseio-me e vomito.
E sinto-me mais Liberal que nunca.

sexta-feira, 11 de abril de 2008

O insustentável peso da incompetência

Há uma corja de licenciados em medicina para quem esta profissão é um mero emprego destinado a atingir um fim muito simples: subsistir, de preferência de forma farta. E para atingir esse fim, os escrúpulos tornam-se supérfluos, diria mesmo incómodos. Há já algum tempo que me sinto incomodado por esta putrefacção latente que corrompe a carne e os ossos da arte científica (ou da ciência artística) que é a nobre profissão médica. Mas confesso que durante muito tempo atribuí esta minha tendência para a maledicência à candura do principiante idealista que eu era. É possível - pensava - que um dia também eu venha a afundar-me no pântano da incompetência em que, pouco a pouco, se vão cometendo deslizes cada vez menos justificáveis, nunca punidos, raramente repreendidos e que conduzem inexoravelmente à condição de animal a abater (é pelo menos assim que vejo alguns internistas séniores). Ao ignorar a qualidade e a falta dela, o sistema reforça perniciosamente a inépcia. Mas agora, que já não sou tão inexperiente - nem tão imbecil - quanto há uns anos atrás, vejo que estava enganado. Há de facto médicos intrinsecamente sem escrúpulos. Não estão nisto pela profissão e recorrem sempre à lei do mínimo esforço - que em medicina, como noutras profissões com consequências críticas, pode saldar-se por resultados desastrosos, o mais nocivo dos quais será provavelmente o doente emitir prematuramente o último suspiro. Mas no país do fado (do Latim, fatum [destino]), nada mais fácil do que justificar uma morte. "Estava com uma infecção no sangue..." "Deve ter sido trombose..." E por vezes estas explicações fazem-se acompanhar do patético "Já era muito idoso...", ponteado com um encolher de ombros e uma breve contracção dos músculos risorii - a simular uma compaixão que não existe e que nunca sequer fez um esforço para nascer. Pense bem, caro leitor: acha que é significativa a franja populacional portuguesa que se atreveria a questionar tais explicações? Pois... Também não creio. E para os familiares um pouco mais diferenciados, é sempre possível recorrer a um vocabulário mais técnico - e hermético. A verdade é que para uma pessoa que está de fora da profissão torna-se difícil, por muitos motivos, perceber quem é competente e quem o não é. Mas voltando ao assunto que nos ocupa, penso que a abundância de médicos incapazes no nosso país merece uma análise um pouco mais detalhada. Uma das suas causas foi a deficiente ontogénese de muitos médicos que iniciaram o seu desenvolvimento no pós-25 de Abril - muitos eram certamente jovens promissores mas alguns - demasiados! - eram pura e simplesmente aproveitadores que embarcaram clandestinamente num navio transitoriamente à deriva. Numa época em que Portugal estava relativamente isolado do resto do Mundo, essa distribuição bimodal não era muito evidente, mas à medida que o país foi tomando consciência de si próprio , foi também percebendo o seu lugar na classificação geral. Fomos tomando consciência daquilo que os outros consideram qualidade e alguns de nós deram-se ao trabalho de aferir o que por cá se faz. E isso contribuiu, silenciosamente, para a melhoria da saúde em Portugal. Concomitantemente, os cancros que infiltraram anteriormente a nossa profissão foram permanecendo, foram-se incrustando sobre um substrato que permitiu a sua sobrevivência. Trata-se, no fundo, de puro parasitismo. Essa sarna da profissão médica - que a seu modo também provoca intenso prurido - manteve-se viva até aos nossos dias e é sobretudo ela que o meu caro leitor pode culpabilizar pelas ignomínias que muitos doentes vivem diariamente nos hospitais deste paísito. Creio que parte da solução deve provir da própria classe médica, cujos membros mais informados devem fazer um esforço genuíno no sentido de melhorar a qualidade dos serviços de saúde prestados - nem que isso implique comprometer interesses há muito enraizados. Tanto mais que nos encontramos actualmente numa conjuntura em que a escória dos hospitais é também a que aufere a maior remuneração - o seu afastamento resolveria assim dois problemas de uma só vez: melhoria da qualidade dos serviços de saúde e redução considerável dos custos. Por hoje, não me alongo mais. Deixo para futuros posts o aprofundamento da reflexão acerca desta problemática, esperançado de que a minha participação neste Blog, que hoje enceto, seja uma verdadeira catarse e me leve a melhorar um pouco a bela profissão médica e a saúde da população.

sábado, 5 de abril de 2008

Lista de Espera

Família, trabalho, estudo/actualização. A lista de espera do blog adensa-se, e para já não há quem lhe valha. Dias melhores virão....

sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

Tensão Arterial

NÃO DEVE ser medida em Consulta. A hipertensão arterial (HTA) em ambiente de consulta representa pouco mais que nada.
Deve ser medida idealmente em casa, em alternativa na farmácia/centro de saúde, em alturas diversas com registo da data e da hora. E esse registo é que se apresenta na consulta.
É hipertenso e tem menos de 35 anos? Começou com HTA já depois dos 50 anos? A sua HTA estava bem controlada e subitamente está refractária a um tratamento em crescendo?
Pergunte ao seu médico se não terá uma causa secundária (e potencialmente curável) de HTA.
Cumpra rigorosamente as prescrições, ou então esqueça e deixe de tomar os remédios de uma vez por todas, e assuma-o. Mas não faça de conta que está a tratar a sua HTA, só porque lhe prescrevem medicação pontualmente, e que acaba por tomar irregularmente. Porque não apenas não está a tratar a sua HTA, como está a sujeitar-se a interpretações erradas por parte do médico do seu perfil tensional, com a iatrogenia decorrente dessa inconsciência.
Nesta doença como em todas as outras, nunca minta ao seu médico. Não é inteligente, excepto se estiver a tentar fingir-se doente para efeitos legais.
Em todos os outros casos, nomeadamente naqueles em que estiver realmente a sentir-se doente, minta antes ao padre. É mais inócuo.

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

Com Pressa

A propósito de compressas (esquecidas), apraz-me dizer, num maljeitoso trocadilho, que com pressa não há bom trabalho que aguente, pelo menos a prazo.
Geraram-se, nesse hiato de mais de uma dezena de anos desde o sucedido, mecanismos de não se esquecerem compressas dentro das barrigas dos doentes, por pressa ou outra razão qualquer, até porque a estatística teimava em assinalar que não se tratava de situação de excepção (ainda que rara), com a agravante da importante morbilidade que acarreta.
Sem mais delongas sobre o caso, que não tem muito que se lhe comente, queria pôr antes uma tónica na política de "Com Pressa" que reina no sector.
Pressa, em fazer muitas consultas em pouco tempo. Pressa, em atender muitos doentes nas Urgências, com menos pessoal e menos Centros de Saúde a montante. Pressa, por se tratarem pessoas doentes ou potencialmente doentes como números.
A pressa é rentável.
Mal compensada com mecanismos que assegurem qualidade, dá aso a erros. Estatisticamente insignificantes.
Como as Compressas.

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

A Cagança

Isto dava uma tese, por isso vou-me limitar a uma modesta análise pessoal do fenómeno.
Há 2 grandes tipos, que eu fui reconhecendo ao longo dos anos.
1º: A Cagança do tipo "já estou farto de me chatear com esta mediocridade toda que me rodeia". O tipo mais raro, é certo, mas certamente presente em qualquer instituição de saúde, em que alguns dos profissionais mais brilhantes, escaldados por anos de abuso (os melhores em geral são muito mais solicitados, o que, face a um sistema que não premeia o mérito nem a excelência, acaba por redundar num acréscimo nada desprezível de trabalho), e com a paciência consumida por actos que consideram inaceitáveis, de atraso diagnóstico ou incumprimentos de normas básicas de abordagem, seguimento ou tratamento, acabam por personificar.
É uma Cagança de carapaça, que esconde pessoas realmente muito valiosas, muito boas no que fazem, e que após reconhecimento de valor e desinteresse pessoal naqueles que os rodeiam, tratam-nos com respeito e consideração. Mas até lá, com o desprezo a que preferem votar o desconhecido, que em termos estatísticos vai ser provavelmente medíocre e desinteressante.
É uma cagança que não interfere com a produtividade, a eficácia, a capacidade de actuação.
É, em suma, a boa Cagança. A do indivíduo irrascível, alvo de atenção pelo peculiar dos seus actos, pela excentricidade das suas intervenções no dia-a-dia.
O Dr. House, numa analogia televisiva.
Esses "Cagões" alimentam-se essencialmente dos seus próprios egos.
2º: a outra Cagança, do tipo "se me puser com certos ares, concerteza que ninguém me chateia". De longe a mais mediatizada e a mais reconhecida pelo grande público. A que dá (mau) nome aos médicos por esse país fora. Aquela que se destina a esconder fraquezas travestindo-as de segurança e certeza. Aquela que se destina a disfarçar ignorância e incapacidade com uma putativa altivez que torna o sujeito destes actos supostamente superior a escrutínio dos demais mortais. No fundo, a falsa Cagança. Ou a cagança mal direccionada, que confunde status profissional com razão.
Esta cagança não leva ninguém muito longe na (real) consideração dos que os rodeiam, apesar de estranhamente levar muita gente muito mais longe do que eu alguma vez teria imaginado, sobretudo em termos destas moribundas "carreiras" que se foram fazendo ao jeito, mais destes do que dos "bons" Cagões (o 1º tipo).
Constam em geral do anedotário dos hospitais, e contribuem com histórias de patetice que se vão eternizando de boca em boca, histórias essas que não são assim tão interessantes, concerteza, por parte dos que foram vítimas das mesmas.
Mas lá vão arrastando as ridículas carcaças, anónimas para os desgraçados dos "utentes", de boquinha espremidinha pela doutorice, como já assinalava o Garrett em tempos idos.
Estes cagões alimentam-se da imagem que conseguem perpassar ao desprevenido que conseguem confundir, alimentam-se de postos e de poder conquistado à custa da esperteza soloia, e da eternização deste ciclo vicioso. Acabam eventualmente convencidos, num fenómeno esquizóide curioso, que são realmente excepcionais.
Com os Cagões do primeiro tipo, a sua consideração é virtude, e o combate visa a demonstração de excelência, única arma apreciada, ou sequer considerada, nestas batalhas.
Para os do segundo, a virtude reside no conflito e na confrontação, no desmascarar e na exposição da sua real condição, mais que suficiente para ridicularizar estas criaturas. O que, por outro lado, não costuma ser fácil, já que ao contrário dos primeiros, estes raramente andam sozinhos, não têm regras ou ética, e não olham a meios para atingir os seus fins....

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

Coisas Más

Não canso de me pasmar com a comparticipação de uma série de placebos na nossa praça.
Canso-me de ver doentes a fazer Vastarel (vulgo trimetazidina), ao invés dos beta-bloqueantes, dos iECA's, dos nitratos e dos anti-agregantes que muitas vezes precisavam.
Não me lembro da quantidade de vezes que respondi "pode continuar, se fizer questão, acho que mal não faz..." à pergunta "Dr., mas posso continuar a tomar este remédio, que me faz tão bem!".
Que tomem, pois, o "vastarelzito", mas não às custas do herário público. Pelo menos até à publicação de um estudo/ensaio clínico randomizado, duplamente cego e controlado com placebo. O Infarmed anda a dormir? Para que serve o Infarmed?
E porque não comparticipar remédios a sério, como diversas vitaminas, como o cálcio, como uma série de anti-agregantes plaquetários, que os doentes têm que pagar do seu bolso por inteiro, e que de facto (comprovadamente) servem para alguma coisa?
E o Betaserc (vulgo beta-histidina)? Para que serve, afinal, o Betaserc? Para recolher os louros de vertigens auto-limitadas?
E mais uns quantos "venotrópicos", e mais uns quantos "neuro-estimulantes".
Até já se fazem genéricos, pasme-se, e comparticipados também, de placebos. Esta gente tem alguma coisa contra a água? E porque é que ninguém me comparticipa a água?
Não fui eu que me dediquei à prospecção, acedam ao Prontuário Terapêutico online (uma das melhores produções nacionais no campo da Medicina, honra seja feita aos seus autores) e lá vêm umas quantas substâncias, alegremente comparticipadas por esta dormente instituição que dá pelo nome de Infarmed, cuja finalidade é "não estar devidamente comprovada em nenhuma indicação"....
Outros valores, seguramente, se sobrepõem. Talvez um dia saibamos quais.

Coisas Boas e Raras (IV)

Um bom entendimento e ambiente de trabalho entre os diversos profissionais. (médicos, enfermeiros, auxiliares...).
Coisa boa e rara, capaz de tornar suportável o mais caótico dos serviços de Urgência.
Pormenor fundamental: cada um ser bom no que faz, e fazer o que deve sem pedir. Há dias, por vezes fracções de dias, em que um micro-núcleo de gente assim basta, em que se vai desbastando na confusão, sem fim à vista, com dedicação, e por vezes até humor e brincadeira. A boa disposição marca toda a diferença, e o conhecer-se o próximo e as suas qualidades, que já nem se questionam a partir de dada altura.
Conheço pouca gente desta, ainda assim bastantes enfermeiros, alguns, menos, colegas. Mas contentamo-nos com o que vai havendo disponível "desta casta" numa pontual escala. Reunimo-nos, consolamo-nos, andamos para a frente nas alturas difíceis. Únicos critérios: competência e fiabilidade, entendendo-se por esta útlima honestidade e capacidade de trabalho. Contra "os outros", dos quais nada se espera, nos quais pouco se confia.
É o que me vai valendo, esta gente.
O meu anónimo obrigado a todos.

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

Coisas (Muito) Boas III

Diazepam (5 ou 10mg).
Indiscutível candidato ao título. Estivesse eu "em cima" de uma qualquer Urgência e seria o candidato natural por excelência, a "coisas boas nº 1".
Ansiolítico, hipnótico, mio-relaxante, anti-convulsivante, as propriedades que mais procuro....
Um "docinho", com efeitos colaterais deliciosos em quem o administra!
Devia ser excipiente de quase tudo. Até um aditivo alimentar obrigatório em países ditos desenvolvidos.
O remédio mais útil em Pediatria, desde que administrado aos progenitores.
Tem múltiplos "irmãos", todos simpáticos.
E para quando o dia Mundial das Benzodiazepinas?

domingo, 10 de fevereiro de 2008

Coisas Boas II

Amoxicilina/Clavulanato (875/125mg por cp).
O meu preferido. Panaceia? Quase, na prática. Infecções ORL, infecções respiratórias adquiridas na comunidade (em associação), infecções urinárias....
Em dose anti-pneumocócica, claro, que não é a que vem na bula: 3g/dia (1cp de 8/8h). Há caixas de 24 cp (8 dias).

sábado, 9 de fevereiro de 2008

Coisas Boas Por Cá

Metamizole, vulgo Nolotil.
Proscrito nos EUA e em muitos países europeus, por raras agranulocitoses, é um analgésico fabuloso que enriquece a nossa farmacopeia e alivia muita dor por este país fora, todos os dias. A bula refere um máximo de 4 comprimidos de 575mg por dia (2,3g). Por via e.v., em ambiente hospitalar, é frequente a administração de uma ampola de 8/8horas (6g/dia, o equivalente a 10 cp).
Nimesulide.
Um anti-inflamatório não-esteróide de primeiríssima água, também excluído em muitos países, por hepatotoxicidade, relativamente menos gastro-tóxico que muitos da sua classe com igual potência. Neste é escusada a toma de mais de 200mg/dia (2 tomas), não se incrementa o efeito e exponenciam-se os efeitos secundários.
Um casalinho que dá um jeitaço em múltiplas indicações.
Quando tomados nas doses adequadas.

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

ALERT(R)

(...)
O Tribunal de Contas está a investigar os contratos do Ministério da Saúde com uma empresa, a Alert Life Sciences Computing, para a informatização dos hospitais e centros de saúde. O negócio foi feito através de ajuste directo e não por concurso público, que permitiria escolher condições mais vantajosas para o Estado. O negócio suscita dúvidas não só ao Tribunal de Contas mas também a deputados da Assembleia da República, administradores hospitalares e profissionais de Saúde. Perguntam por que o Ministério pagou milhões de euros por sistemas informáticos a uma empresa que cobrou o dobro do preço apresentado por outras empresas do ramo. A empresa contratada pelo Ministério sucedeu em 2007 à Médicos na Internet e Novas Tecnologias Aplicadas à Saúde. O CM sabe que a ex-secretária de Estado Adjunta e da Saúde, Carmen Pignatelli, autorizou o pagamento de 677 mil euros àquela empresa pela elaboração de dois relatórios e de 791 mil de euros pela formação dos profissionais que vão trabalhar com uma aplicação informática, Alert P1. Esse sistema custou sete milhões de euros (notícia avançada pelo CM a 25/01/07) e permite aos centros de saúde marcar as primeiras consultas da especialidade nos hospitais. A notícia do CM produziu na ocasião grande inquietação no gabinete do primeiro-ministro, José Sócrates, que envidou esforços para apurar as circunstâncias do processo. O CM tentou um esclarecimento de Carmen Pignatelli, mas esta remeteu explicações para o seu antigo chefe de gabinete, Rui Guerra, que justificou a opção pela empresa Alert: “Não havia um sistema alternativo ou outro produto na central.” Porém, documentos a que o CM teve acesso revelam que o Estado podia ter optado por outra empresa. A Hewllett Packard Portugal constava da Agência Nacional de Compras Públicas em Fevereiro de 2007, com preços muito inferiores. Questionado sobre eventuais pressões junto dos hospitais para aquisição do software da Alert, Rui Guerra responde: “Não assisti a nada formalmente. Os hospitais tinham a autonomia para a escolha dos sistemas informáticos que muito bem entendessem, mas deviam respeitar uma circular do IGIF, que definia os critérios dos sistemas de informação que depois seriam introduzidos numa base de dados de âmbito nacional.” DOCUMENTOS E MAIS EXPLICAÇÕES O deputado parlamentar e médico João Semedo, do Bloco de Esquerda, enviou um requerimento ao Governo a pedir explicações sobre esta situação. Esta não foi a primeira vez, pois há um ano já o tinha feito. O Tribunal de Contas pediu mais documentos antes de emitir o visto e quis saber por que não se optou pela abertura de um concurso para apurar a existência de outras empresas. Administradores hospitalares interrogam-se como há hospitais que pagam àquela empresa o dobro do preço por um sistema informático quando, afinal, existem no mercado produtos a menos de metade do preço, da mesma qualidade e eficácia. O negócio com a Alert é feito em regime de exclusividade e por um período mínimo de cinco anos.
(...)
Cheira mal.
A minha experiência pessoal com o sistema "ALERT" pode-se resumir a: lento e pouco amigável.
Mas quem sou eu, para mais tendo sido uma opção tão cara....

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

Outro Mundo

Já repararam como deixaram de nascer crianças em ambulâncias, deixaram de estar mal acompanhadas as grávidas, deixaram de morrer velhinhos sem quem lhes acuda, deixaram de ser indispensáveis os SAP's, deixaram de estar sobrelotadas as Urgências, deixaram de ser incompetentes os bombeiros, deixou de ser insuficiente o CODU, enfim, como deixou de ser uma porcaria o SNS?
E tudo isto, com apenas uma remodelaçãozita....

sábado, 2 de fevereiro de 2008

Confúcio de Fim-de-Semana

A vida, como a diabetes, pode ser mellitus ou insipidus.

quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

NonSense

(...)
O primeiro-ministro, José Sócrates, garantiu hoje que mantém as suas reformas na área da saúde, nomeadamente na rede hospitalar, e que apesar de não encerrar mais urgências sem alternativas (*1), também não vão reabrir as urgências já encerradas.
«Ninguém vai voltar atrás em nada. O que nós queremos é ter um novo método mas cumprir os mesmos objectivos» (*2), afirmou José Sócrates após a tomada de posse, no Palácio de Belém, em Lisboa, dos novos ministros da Saúde (Ana Jorge) e Cultura (António Pinto Ribeiro).
Quanto à saída de Correia de Campos da Saúde, a «pedido» do próprio ex-ministro, visa apenas «reforçar a confiança dos cidadãos no SNS» (*3), garantiu o primeiro-ministro.
(...)
*1: Encerraram Urgências sem alternativas? Isto é assumido assim, despudoradamente? Isso não é crime? E as populações onde as Urgências encerraram, e que não têm alternativas, segundo as próprias palavras do PM, vão manter-se assim, sem alternativas? Com as Urgências encerradas e sem alternativas?
*2: O objectivo, de encerrar Urgências sem alternativas vai manter-se com cosmética, ou o objectivo é...?
*3: Se dúvidas houvesse quanto ao objectivo cosmético, ou eleitoralista, ou a ausência que qualquer intenção de mudar os objectivos reais com essa exoneração, o próprio PM, com o seu mau domínio da semântica, elucida-nos neste trecho. A sorte dele é que ninguém liga a estas coisas. Aliás, não é sorte, ele sabe-o bem. Daí esta palhaçada toda, até à re-eleição final, dele ou de outro igual a ele (vulgo LFM).

terça-feira, 29 de janeiro de 2008

Dúvida Para-Existencial

O Ministro demitiu-se, ou foi demitido.
Agora é que não percebo mesmo nada.
Ele não estava a cumprir primorosamente aquilo com o que se comprometeu, e que levou a que o indigitassem para o cargo? Não foi suficientemente longe?
Tive alucinações, ou ele fez apenas e só aquilo que desde o início disse que faria?
Porquê o despedimento? Por competência excessiva? Excesso de zelo? Cumprimento desavergonhado do prometido?
Ou alguém acredita que os QI's dos nossos governantes andam pelas ruas da amargura, e que ninguém se apercebeu daquilo que foi claramente assumido, desde sempre, por Correia de Campos?
Bom, deixemo-nos de sarcasmos, todos o que têm ainda uma réstia de inteligência sabem o que significa esta "exoneração".
Um balão de oxigénio.
Sim senhor, ele fez o que lhe competia. Vem outra para o lugar, dar continuidade, com maior ou menor cosmética.
Ele foi, pois, apenas vítima do desgaste mediático, que qualquer Ministro da Saúde que ponha em prática a política vigente para o sector dos últimos 4 governos, irremediavelmente, sofre. Foi vítima da não assunção envergonhada desta política por aqueles que a põem sucessivamente em prática. Porque ela é difícil de assumir, prejudica muito a contagem final dos votos.
É mais fácil fazer de conta que se quer manter um SNS de qualidade e prometer ao mesmo tempo colossal abate do défice, do que se calhar confessar que uma coisa é exclusiva da outra. Ou talvez até nem seja, mas já nem vou por aí....
Faça-se pois justiça a Correia de Campos: ele nunca foi hipócrita nos seus intentos.
Essa hipocrisia é mesmo apanágio dos que se regem pelas sondagens para serem sucessivamente eleitos, exoneram ao sabor das mesmas e escondem que, no fundo, é mesmo tudo para continuar a evoluir na mesma.
E neste cenário, Correia de Campos até acaba por parecer heróico.

A Traição

Passo a explicar: trata-se da traição, por parte deste governo, ao espírito da Medicina Hospitalar, no que se refere ao atendimento a doentes em Serviços de Urgência. É uma perspectiva "interna", se assim lhe quiserem chamar.
Toda a estrutura do SNS em Portugal assentava, bem ou mal, no atendimento de casos que não punham em risco a vida dos doentes (casos "não urgentes", a patologia banal, mas de surgimento súbito e incómoda, que carece de observação e, por vezes, de tratamento) em Serviços de Atendimento Permanente (SAP's) ou equivalentes, com posterior encaminhamento para estruturas hospitalares de Urgência dos casos potencialmente mais graves, já devidamente triados nessas estruturas.
Assim, esse atendimento em SAP era feito geralmente pelo Médico de Família, conhecedor muitas vezes até do doente que lhe aparecia pela frente, seja como for, conhecedor da patologia o quanto baste para resolver o problema da maioria dos doentes (as "gripes", as "gastrenterites", as "amigdalites", as "crises de ansiedade", as "crises vertiginosas", e por aí fora...), variando então a sua eficácia em função da sua capacidade, controlado pelos serviços a jusante.
A estrutura hospitalar, por sua vez, estava estruturada para receber doentes mais complicados, para o diagnóstico diferencial da doença que carece de cuidados urgentes ou emergentes, e era maioritariamente composta por especialistas de Medicina Interna, Cirurgia Geral, Ortopedia, Ginecologia-Obstetrícia e Pediatria.
Claro que muitos doentes fugiam a este "roteiro", e adulteravam o sistema através dos mais diversos estratagemas, no sentido de se dirigirem preferencialmente ao Hospital, onde existem meios humanos e complementares de diagnóstico mais abundantes.
Mas muitos eram mesmo atendidos nos SAP's, e viam lá resolvidos os seus problemas.
Nos dias que correm, desapareceram os SAP's, e a estrutura hospitalar suporta tudo. Aqueles que dantes se dedicavam a atender casos urgentes passaram a fazer consultas "banais". Muitas. A acrescer aos casos urgentes, que como é óbvio não desapareceram. Criaram-se esquemas de triagem, mas que são naturalmente falíveis, e compromete-se, aqui e ali, a saúde e por vezes a vida de alguém.
Ao brutal aumento do afluxo de doentes, não houve, evidentemente, aumento concomitante dos profissionais ou melhoramento das estruturas físicas existentes, que já não eram propriamente abundantes e boas, respectivamente, antes desta engenhosa "reforma".
E os profissionais existentes estão, como é óbvio, descontentes.
Passaram a executar maioritariamente actos para os quais não estão vocacionados (atendimento de "patologia não-urgente" a granel). Passaram a estar sempre pressionados pelos doentes descontentes, que estão à espera de ser atendidos. Muitos sem doença urgente, mas também sem terem para onde ir resolver o seu problema, que carece, obviamente, de atenção médica. Passaram a ter menos tempo e disponibilidade para o atendimento aos doentes realmente urgentes (pois existem aqueles todos ainda por observar "além", que podem ser urgentes ou não). Passaram a estar mais cansados. Passaram a estar mais insensíveis ("eles que esperem, eu só vejo um de cada vez") e intolerantes com a pessoa-doente ou os seus acompanhantes ansiosos. Surgem conflitos irracionais, com doentes a culpar médicos e médicos a desdenhar as queixas da pessoa-doente.
Numa palavra: estes serviços de Urgência, agora mistos de SAP-Urgência, tornaram-se antros de descontentamento. Só lá está a trabalhar quem não tem como fugir àquilo (a não ser os "patos-bravos", vulgo tarefeiros, que ganham principescamente por hora de trabalho para efectuar aquele serviço, geralmente indiferenciadamente, e que não resolvem problemas nenhuns, apenas encaminhando-os ao pessoal "da casa", que tem essa capacidade). E só para lá vai aquele que não tem capacidade para recorrer a outro sítio mais humanizado para resolver o seu problema.
Mas poupa-se, sim senhor.