quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Figuras de Estilo

Sempre interessado por figuras de estilo no liceu, distinguia-me por alguma qualidade nas composições/redacções livres, por sinal apreciadas pelos sucessivos professores de Português de então.
Eu era um "rei" das hipálages, metáforas e afins.
Com o tempo, malogradamente, veio a bruma conceptual sobre todas estas identificações semânticas, e não sei bem o que chamar a muitas delas nos dias que correm.
E é, apesar de tudo. um clássico do meu dia-a-dia (e de qualquer um?).
O português médio é colocado sob tensão por uma série de disfunções nos diferentes sistemas em que se desloca, e chega a mim muitas vezes prestes a descompensar.
Quando eu vejo um doente, muitas vezes, ele está farto de esperar na sala de espera, farto de esperar pela consulta do médico de família, farto de esperar pela resolução do seu problema pelos diferentes médicos a que foi, farto de ser reencaminhado para outros médicos, farto de esperar que o atendam na Saúde 24, tem familiares fartos disto tudo, tem familiares fartos de não verem o problema dele resolvido, fartos de não saberem o que se passa, ou fartos de não o verem institucionalizado num sítio qualquer, fartos de saberem que o prognóstico é fechado e que não se esperam melhorias, fartos de esperar por um doloroso desfecho, só ultrapassado pelo tempo que medeia até lá. Depois, o doente fica farto de esperar pelos exames, farto de esperar pela próxima consulta, farto de não ser o foco exclusivo de atenção do médico, farto de não ver o seu problema resolvido naquele momento, farto de ver que lhe estão a sugerir outro circuito, outros remédios, outras explicações, ou as mesmas....
O médico, esse, fica farto de assistir a este filme, sempre o mesmo, vezes sem conta.
Por isso é que gostava de saber como se chama à figura de estilo que começa por este clássico, ou algo muito parecido: "Não quero que se sinta ofendido, mas deixe-me dizer-lhe que...".

terça-feira, 25 de agosto de 2009

Diálogos VII

-O seu pai tem alta, está tudo bem com ele.
-Obrigado doutor. Onde é que ele está?
-Não é este senhor aqui?
-Não.
-Lamento, foi engano, eu chamei foi os familiares deste senhor....
-Está bem. Mas com o meu pai, está tudo bem?
-Quem é o seu pai?
-xxx
-Hummm, eu não sou o médico que o está a ver.
-É sim. Falei consigo quando chegámos há umas horas atrás.
-Ah... (clicando no computador de parede). Estou a ver.... Repita lá o nome do pai....
-xxx
-Pois é, ele ainda está a aguardar exames. Mas estava tudo bem com ele há bocado.
-Posso ficar com ele uns instantes?
-Sim senhora, se a Enfª o permitir.
-Onde é que ele está?
-Não o está a ver aqui no balcão?
-(...) Não.
-Então espreite lá no corredor....
-(...) Não. Não o vejo.
-Bom, há de estar nos exames então.
-Ainda?
-Acho que sim. Espere lá... Sr Auxiliar! Pode ajudar esta Sra a encontrar o pai dela?
-Concerteza Dr. Como é que ele é?
-85 anos, sexo masculino.
-É um senhor de óculos e bigode?
-(virando-me para a filha) Tem óculos e bigode, o seu pai?
-(a filha, descrente) Deixe lá, eu vou procurá-lo....

Mortalidade Directa

Antes que algum pasquim se apodere destes números que nos chegam do hemisfério Sul, esclareço.
As gripes têm mortalidade directa e indirecta:
-A directa é aquela cujo responsável é, "directamente", o vírus, isto é, o influenza a provocar, neste caso, sobretudo (para efeitos de mortalidade), pneumonites virais;
-A indirecta, que contribui praticamente em exclusivo para a mortalidade real das epidemias e pandemias de gripe, deve-se às sobre-infecções bacterianas de doentes com gripe, e às descompensações de doenças crónicas de que muitas pessoas são portadoras (insuficiências cardíacas, doenças pulmonares crónicas, doenças imunossupressoras ou que carecem de tratamento imunossupressor, e por aí fora...).
Por isso, quando ouvirem ou virem escrito que o vírus da gripe A tem 100 (!) vezes mais mortalidade directa que o vírus da gripe sazonal, não emigrem logo para as Desertas.
Não é que não seja verdade, mas....
Saiba antes que estamos a falar de uma mortalidade directa de 1 em cada 10.000 infectados (ou seja, se os 10.000.000 de portugueses forem infectados: 1000 mortos), em contraponto com a mortalidade directa de 1 para 1 milhão que a gripe sazonal ostenta (e que seria, por isso, e novamente caso todos os portugueses se infectassem anualmente com essa gripe, responsável por 10 mortos, dos vários milhares que acabam por falecer "indirectamente" devido às gripes). Mas é verdade matemática: 100 vezes mais.
E saiba ainda que os números a partir dos quais se inferem estas "taxas" são, necessariamente, pequenos. No caso da Nova Caledónia francesa, por exemplo, inferiu-se tal mortalidade porque morreram 7 doentes, presumivelmente sem comorbilidades ou outras infecções DETECTADAS, entre 70.000 INFECTADOS. Por outras palavras: fraca estatística.
Em suma, quando ouvirem estes números, não se esqueçam: continua a ser, apenas, uma gripe parecida às que nos assolam todos os anos.

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Ah, e de uma vez por todas...

A da Esquerda: pessoas doentes
A da Direita: pessoas sãs

sábado, 22 de agosto de 2009

Vá Lá, Pelo Menos Já Não Temos Que Os Contar...

Ponto de situação do vírus da gripe A - 20/08/2009 - 18h45

Selo da República

Portugal contabiliza, desde o início de Maio, um total cumulativo de 1870 casos confirmados de Gripe A (H1N1).

Portugal contabiliza, desde o início de Maio, um total cumulativo de 1870 casos confirmados de Gripe A (H1N1). A maioria das infecções pelo vírus H1N1 da Gripe A tem um quadro clínico benigno, pelo que se estima que mais de 90% da população portuguesa não necessite de internamento hospitalar e possa ser tratada na sua residência.

Aliás, é importante salientar que a maioria das pessoas que contraiu esta infecção já está curada e retomou a sua vida diária de forma absolutamente normal.

O número de casos positivos registados nas últimas semanas revela uma alteração na evolução da infecção que exige um novo conjunto de respostas.

A fase actual passa a estar centrada no tratamento dos doentes com sintomas gripais e, já não, na contenção da transmissão.

A partir de hoje o Ministério da Saúde realizará análises (apenas) aos doentes cujo quadro clínico o justifique. A vigilância epidemiológica da Gripe, que permite conhecer a forma como o vírus está a evoluir na população, vai passar a ser feita por metodologia Sentinela, que já é responsável por esta vigilância em relação à gripe sazonal.

Para garantir a proximidade do atendimento, todos os centros de saúde estarão preparados progressivamente, à medida das necessidades de cada região, para atender pessoas com suspeita de gripe. Este processo deve estar concluído até ao fim de Agosto e o encaminhamento dos doentes é também efectuado pela Linha Saúde 24.

Estes locais estão preparados para atender e tratar os sintomas gripais, independentemente do vírus em causa, e devem manter uma vigilância mais próxima destes sintomas em grupos de risco: grávidas, crianças com menos de um ano de idade, pessoas com asma, obesos e pessoas com o sistema imunitário diminuído.A partir de hoje, a realização de medicação preventiva passa a estar indicada para pessoas que integrem os grupos de risco referidos que sejam um contacto muito próximo de doente com gripe.

(...)

A administração de medicação específica, nomeadamente de antivirais, mantém-se sujeita a critérios exclusivamente clínicos, ou seja, por decisão dos médicos que vão avaliar os doentes.

A existência de situações clínicas graves é esperada numa minoria da população e todos os hospitais do Serviço Nacional de Saúde que prestam cuidados diferenciados - sejam ou não de referência para a Gripe A -, têm condições para acolher e tratar estes doentes.

(...)

O Ministério mantém o alerta aos cidadãos para, em caso de sintomas de gripe, contactarem de imediato a Linha de Saúde 24 (808 24 24 24) e seguirem as indicações que lhes são dadas.

(...)

O Ministério da Saúde faz, semanalmente, o ponto de situação da evolução da infecção da Gripe A no seu site (http://www.portaldasaude.pt/). A mesma informação pode também ser consultada no Microsite da Gripe, no site da Direcção‐Geral da Saúde (http://www.dgs.pt).

Lisboa, 20 de Agosto de 2009

Ou seja:

-Atrasados, mas lá nos convencemos institucionalmente que isto de fingir contenções de vírus não passíveis de ser contidos, para mais sendo altamente benignos (como todos os indicadores sempre pareceram apontar), não faz lá grande sentido;

-Lá vamos nós então começar a tratar a gripe como... uma gripe;

-Só falta mesmo riscar de vez essa coisa do Tamiflu, mas já aparece com discrição a meio deste longo texto;

-Os desejos de uma boa gripe, bem controlada com anti-inflamatórios, anti-piréticos e analgésicos, com poucas mialgias e outros sintomas incomodativos que tal, são os meus sinceros votos;

-E, acreditem que falo por experiência própria, o pior mesmo que podem fazer por vocês próprios nessa altura é juntar aos incómodos gripais os de uma longa espera num qualquer estabelecimento de saúde apinhado de gente pateta, desde utentes (neste caso como vós) a alguns colegas meus mais histriónicos com estas coisas de microorganismos, que não tardarão em olhar-vos como leprosos, pretendendo esconder-se e esconder-vos atrás de máscaras e batas, na continuação desta triste encenação carnavalesca que temos vivido....

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Pérolas sobre Porcos

Situaçãozinha, no dia 19/Agosto/2009:
Casos de gripe confirmada até hoje (EUA+EFTA): 40.156
Mortes: 63
Mortalidade: 0,15% (3 doentes em cada 2000 infectados CONFIRMADOS)
Em Portugal e Allgarve: 1634 casos confirmados
Mortes: 0

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Diálogos VI

-(um colega meu, Interno da Especialidade) Dr., queria que viesse avaliar um doente sff, que tem estado sob vigilância na enfermaria, um pouco na "corda bamba", e que agora está pior. É um doente séptico, e que parece não estar a responder à antibioterapia. Já falei com os Cuidados Intensivos, e disseram-me para lhe pedir para reavaliá-lo.
-(aproximando-me do doente, tentando vislumbrar o processo enquanto falava, apressado por estar a adiar o início da minha Consulta) Bom dia!
-(o familiar, na hora da visita, junto do enfermo) Bom dia Dr., não sei o que se passa com o meu irmão, ele está completamente confuso. Imagine que já nem se lembra de quando esteve em França comigo, nem dos sobrinhos. E vivemos lá mais de quinze anos!
-Hummm (olhando para o doente, apesar de tudo vígil). Amigo, diga-me lá uma coisa, então quem é este senhor aqui ao seu lado?
-...
-(o irmão) Está a ver? Às vezes parece que nem me reconhece!
-O senhor é do Sporting ou do Benfica?
-Benfica!
-(irmão) Meu Deus.... Ele é sportinguista ferrenho!
-Bem, colega, ele está obviamente delirante, não dá uma para a caixa, o que face à sépsis dele indicia agravamento do estado de consciência, pelo que é de facto melhor passar a estar mais monitorizado e vigiado numa UCI. Isto pode descambar, vem aí o fim-de-semana, e mais vale pecar por excesso. E já que têm lá vaga....
-(um enfermeiro, várias horas depois do doente ter sido transferido, já depois de concluída a minha Consulta) Dr., lembra-se daquele doente de há bocado?
-O da sépsis?
-Sim. Sabe uma coisa engraçada, o senhor que estava ao lado dele era, afinal, irmão do doente da cama do lado....
-....
(o doente teve alta da UCI bem poucos dias depois, de volta à enfermaria, e depois para casa)

Diálogos V (e pensamentos...)

-Bom dia.
-(jovem de 17 anos, num dia de semana) Bom dia!
-Então, o que o traz cá ao Serviço de Urgência?
-Apareceram-me estas manchas no punho....
-(olhando para 3 "pintas" ligeiramente acima do nível do carpo direito)...
-...
-... mas... essas manchas incomodam-no muito?
-Não sei o que são....
-Dão-lhe comichão, tem outras manchas no corpo?
-Não.
-Tem febre, outros sintomas além das manchas?
-Dão-me alguma comichão, mais nada....
-...
-... apareceram anteontem.
-(após uma pausa a tentar recolocar a minha bem ensaiada postura de profissional empático) Diga-me lá uma coisa, então o que é que realmente o incomoda nessas manchas? Há algum motivo, que me está a esconder, que fizeram com que viesse hoje ao Serviço de Urgência do Hospital?
-Não....
-(1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, ...) Bem, nesse caso, sugiro que regresse a sua casa tranquilamente, e vamos a ver no que dão essas manchas, que em princípio são meras picadas de um insecto qualquer.... Caso surjam novos desenvolvimentos, como febre ou outros sintomas, dirija-se ao seu médico de família, já que isso não é propriamente uma Urgência, e afinal de contas ele, melhor que ninguém, saberá como tratar ou encaminhar.
-Então, e vou assim? Não se vai fazer nada quanto a estas manchas?
-(fugindo apressadamente...) Não.

terça-feira, 18 de agosto de 2009

Diálogos IV

(Senhora aos gritos a entrar pelo Serviço de Urgência, com uma jovem pela mão, interrompendo a minha observação de outro doente)
-Cambada de assassinos! A minha filha está com uma dor de cabeça horrível, à espera lá fora há 3 horas para ser chamada, até já vomitou e tudo!!! Não passam todos de uns assassinos, vão deixá-la morrer, como acontece a tantos outros por essas porcarias de hospitais fora!!!
-A jovem foi triada à entrada?
-Foi! Há 3 horas!!
-Como é que ela se chama?
-(...)
-Ah, já vi, olhe, foi triada de verde, e ainda não chegou a vez dela ser atendida, a afluência tem sido muita...
-(Interrompendo-me) Não interessa!! Não se admite estar à espera tanto tempo!!! Agora tem que ser atendida, não admito mais esperas!!!
-Mas repare, o que estou a tentar dizer é que, para alguém observar a sua filha, terá que deixar de observar outro doente, triado como sendo mais prioritário pelo sistema de triagem.
-Quero lá saber, não se admitem 3 horas!!! Não saímos daqui até ela ser observada!
-Bem, terei que chamar os seguranças para a acompanharem à saída, está a impedir o normal funcionamento...
-(Interrompendo-me novamente, com gestos ameaçadores) Como é que você se chama?! Sim, como se chama, exijo que se identifique!! Vai ser o responsável pelo que acontecer à minha filha, vou chamar a TVi, e vou dizer tudo o que aqui aconteceu, e como fui insultada por todos que deviam trabalhar e não trabalham aqui!!
-Assim que sair, volto a trabalhar. E vejo os doentes pela ordem.
-(Virando-se para o corredor) Ai a minha filha!! Alguém a acuda!!
-Por favor, não grite, se quiser pode sempre pedir ao Enfermeiro da triagem para re-triar...
-(Chegam os seguranças, que convidam a senhora a sair, pegando-a pelo braço) Ai, acudam-me!!! Estou a ser agredida!!! Fui operada ao "peito", e os pontos soltaram-se!!! Aiiiiiii!!! (gera-se uma confusão com outros acompanhantes, que insultam tudo e todos, com várias ameaças, partem-se vidros da porta de acesso)
(1 hora depois, outro colega meu)
-A senhora (a da cefaleia) tem alta. Olhe que o remédio que lhe dei dá sono, por isso não conduza. E tente não se enervar novamente com o seu marido desta maneira. Vá lá descansar....
(2 horas depois, a secretária de piso)
-Dr, tem aqui uma reclamação. Diz que insultou e agrediu uma senhora e a sua filha.

Diálogos III

-O seu Pai tem alta.
-Alta? Mas o que é que ele teve?
-Mais um AVC, provavelmente.
-Mas então... como é que o levo para casa assim??
-Ele não estava já acamado, demenciado, sem vida de relação e escariado?
-Sim, mas ainda dirigia o olhar, parecia reconhecer-nos de vez em quando, e engolia.
-Tem uma sonda naso-gástrica para alimentação, o Sr Enfermeiro vai ensiná-la a usá-la.
-Assim não o levo!
-Mas porquê, se me permite a pergunta?
-Porque está muito pior, e só um ser muito desumano poderia enviar outro neste estado para casa! Como é que eu haveria de tratar dele?!
-Da mesma maneira que fazia. Só que alimentando-o pela sonda... passando a comida....
-Nem pensar!
-A situação do pai não era já muito má? Chegou alguma vez a contactar os serviços sociais para resolverem o problema, talvez enviando ajudas lá para casa, ou internando o senhor numa instituição?
-Ajudas já tem, umas enfermeiras que vão lá fazer os pensos nas escaras, e levantá-lo da cama para o cadeirão, e nem é todos os dias! Às vezes tenho que ser eu a deitá-lo novamente! E é meu sogro, não é meu Pai! Nem pensar, não o levo neste estado! Tem que ficar internado!
-Olhe, o internamento nestes casos de AVC visa uma reabilitação, e uma estratégia preventiva e de estadiamento. Pelo que me conta, não há reabilitação possível no sogro, a situação basal é irreversível, e as profilaxias inúteis. Acho que precisa mesmo é de resolver o assunto com os Serviços Sociais da sua área. Entende? Parece-me tratar-se de um problema Social, aquele que a aflige, e não um problema médico.
-Então resolva você o problema social, eu cá não o levo assim! (virando as costas e regressando a sua casa)

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Diálogos II

-Tem gripe. Leva este anti-inflamatório e paracetamol 1g, que pode tomar até 3 vezes por dia se tiver febre.
-Então e não pode ser gripe A?
-Pode.
-Então..., e não me dá Tamiflu?
-Não.
-Mas não se deve dar Tamiflu na gripe A?
-Não.
-Mas dizem que é o melhor remédio, nas notícias todas!
-Mas não, não é....
-Então, e assim não posso contagiar os outros?
-Claro que pode, deve resguardar-se até estar tratado. Como com qualquer gripe. Mas se apesar dos cuidados contagiar alguém, não há crise, trata-se também essa pessoa.
-E os outros, que contactam comigo, não devem tomar Tamiflu se eu tiver gripe A?
-Nem os outros, nem ninguém. Não faz diferença. Deve fazer estes remédios que lhe disse. Se quiser.
-Então, quer dizer que não me vai fazer o teste!
-Não.
-Pfff. (Saindo de Serviço de Urgência) Vou mas é ligar a alguém da Saúde 24!

Diálogos da Minha Vida

-A sua mãe tem alta.
-Então, o que foi que ela teve?
-Não sei.
-Não sabe?! Então, mas ela desmaiou!
-Sim, isso eu sei, mas não consegui perceber porquê, está tudo aparentemente bem com ela.
-Aparentemente?
-Sim.
-Então é normal desmaiar assim!!?
-Não, normal não é, terá que fazer mais exames, em ambulatório, com o seu médico assistente.
-Médico assistente? Ele não quer saber, não pede exames, só serve para passar receitas! Não é melhor ela ficar internada?
-Porque é que havia de ficar internada? Não, não vejo nisso qualquer benefício.
-Porque desmaiou, e você não sabe porquê!
-Isso não é motivo para internamento.
-Então o que poderá ter sido que lhe deu?
-Uma situação paroxística, que acontece e depois passa.
-E isso pode ser grave?
-Pode ser, ou não, terá que ser investigado.
-Então, tem a certeza que não é nada de grave!
-Não, como disse, pode ser grave ou não, mas ela agora está bem.
-E ela não tem mesmo nada de errado agora?
-Tanto quanto eu consigo avaliar, com as minhas qualidades e limitações....
-Bom, então vai mesmo dar-lhe alta?
-Sim
-Está bem, então levo-a para casa, mas é à sua responsabilidade!
-Obviamente.
-Boa noite!
-Boa noite.

domingo, 16 de agosto de 2009

Ponto da Situaçãozinha....

1061 infecções confirmadas (14/Agosto)
10 pessoashospitalizadas
3, internadas nos Hospitais de Curry Cabral e de Leiria, "apresentam um quadro clínico que inspira preocupação".
Ou seja, incidência normal para uma gripe (contando que, obviamente, estas 1061 infecções são a "ponta do icebergue").
Necessidade de hospitalização de 0,9% dos casos (confirmados).
Alguma "gravidade" em 0,2%.
Mortalidade: 0%.

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Insanidades - Parte II

Parece que anda para aí o povo a clamar justiça perante alguns contagiadores dolosos de "Gripe A", ministra da Saúde incluída, e até parece que já andam a chatear os bons dos nossos tribunais com estas questões.
Acho bem.
Quando foi o HIV a questão era diferente. Aí estávamos a falar de uma doença realmente e invariavelmente letal (na época), e avisar a esposa da seropositividade do marido era crime. Ou a namorada. Mesmo que ele/ela declaradamente partissem numa jornada de sexo desprotegido com a sociedade rodeante, ai de quem declarasse que fulana ou beltrano eram portadores do vírus.
Esta gripe é diferente, claro está. É menos letal, e passa depois de alguns dias.
Já não falo das tuberculoses multi-resistentes que abandonam os higiénicos isolamentos dos hospitais para injectarem uma dose de um qualquer opiáceo (vocês costumam apanhar aqueles autocarros com paragem em frente ao Egas Moniz?).
Esses ninguém persegue, afinal são geralmente drogados, e a tuberculose multi-resistente caracteriza-se por... ser resistente a todos os antibióticos e, adivinharam, geralmente fatal.
Mas a gripe A, a desse vírus malandreco, fugaz, que geralmente não mata, esse sim, ai de quem andar para aí a partilhá-lo. É corrê-los a todos a tiro de caçadeira, que haviam de ver como esta gripe se pode tornar letal!

Doar, eu?

Só em Portugal se consegue aprovar uma legislação em que, solidariamente, o governo decide dispôr dos nossos órgãos por defeito.
Ou seja, se o cidadão não se inscrever activamente na lista de "não-doadores" (o que poderia ser entendido como discriminativo pela sociedade "civilizada", mas pelos vistos apenas e só se os não-doadores dessem o cu, ou fossem portadores de uma qualquer doença grave infecto-contagiosa que pusesse em risco a saúde pública, ou outro motivo gloriosamente mediático que tal...), habilita-se a que lhe saquem as vísceras viáveis após a sua morte.
E qual é o problema? Então não é bonito, e fácil, salvarmos vidas depois da morte?
Em 1º lugar, há a questão filosófica da individualidade (ou se quiserem, a parte do "não é importante mas faz-me nervos"): gostava de, activamente, ser solidário e disponibilizar os meus órgãos para a saciedade, ao invés de os mesmos estarem disponíveis por defeito, só me restanto o ónus de não me marginalizar "indisponibilizando-os", por real desejo (a ínfima minoria) ou preguiça/ignorância (quase todos). Onde está a "solidariedade" aqui? É o estado que é solidário com os meus órgãos? E se eu for solidário, como me distingo dessa massa de desconhecedores e/ou preguiçosos que apenas não querem saber destas questiúnculas pós-mortem? Até hoje, não tratei um único doador em que os familiares todos não se encontrassem claramente surpreendidos com esse facto, denotando nunca terem sequer abordado essa questão nas suas casas, uns com os outros (os tais "solidários por defeito") .
Em 2º lugar, o real problema. Mais ou menos à socapa da populaça a quem vamos sacar os órgãos, definimos depois critérios de elegibilidade para "candidatos a doador solidário". Ninguém duvida da pertinência e da inocuidade de se seleccionar um doador quando, após termos tentado fazer tudo para salvar um indivíduo viável, COM O INTUITO do mesmo recuperar para uma vida activa, com coração E CÉREBRO funcionantes, as coisas correm mal e ele acaba por ficar em morte cerebral (e note-se, coma/estado vegetativo persistente NÃO É morte cerebral!). Tirem-me, pois, os órgãos nestas circunstâncias. O problema está na cada vez maior tendência, que é real e vai acontecendo por esses hospitais fora, com o incentivo dos organismos ligados aos transplantes (apelando geralmente ao "bem maior", e que é o potencial receptor, face ao desprezado e moribundo doador) e do Estado (através do pagamento de chorudas comissões aos hospitais, por cada "doação"), após o vastíssimo debate público que se sabe (e que se assemelha ao que levou à aprovação da "solidariedade por defeito"), em REANIMAREM-SE ÓRGÃOS, e não as pessoas que os contêm.
E isso, meus caros, aos meus olhos é dramático. Uma coisa é iniciar uma reanimação com o objectivo de recuperar a pessoa que se encontra em paragem, parando-se as manobras assim que a viabilidade neurológica potencial é nula (isto é, sempre a pensar no doente que temos à frente). Outra coisa é manter-se a reanimação muito para além do tempo aceitável para qualquer potencial reabilitação neurológica, com o intuito de se deixar um coração a bater apenas e só para se manterem (potenciais) órgãos em doentes com (potencial) morte cerebral; e isto A TROCO de muitos corações a bater em doentes em coma/estado vegetativo persistente, com todo o sofrimento que isso traz aos familiares dos doentes, e com toda a carga que isso traz às instituições de saúde (isto é, a pensar num eventual doente que não está ali, e sem estar a pensar de todo naquele que temos debaixo dos nossos olhos).
E isso, meus caros, acontece levianamente, à margem de qualquer debate, nos corredores das instituições de saúde, e segundo o critérios e sensibilidade de cada um que se encontre perante estas situações.
Acabo com uma nota de intenção pessoal: a mim, só me reanimam (uma manobra que tem tanto de popular quanto de mal-sucedida e efémera) até aos 60 anos; depois disso só quero correr o risco de morrer uma única vez; mesmo nestas condições, se me reanimarem, não o farão nunca durante mais de 15 minutos (e se não recuperar entretanto circulação espontânea, cessam-se manobras); só me renimam se presenciarem a paragem; em caso de dúvida, ainda que ligeira, quanto ao tempo de paragem: não iniciam a reanimação em circunstância alguma.
Essa é a minha declaração de intenções, que de pouco me vale, já que naquelas circunstâncias terei obviamente pouca capacidade reivindicativa.
Ou seja, e em suma, aterroriza-me o facto de pensar que, em circunstâncias de paragem cárdio-respiratória, ficar à mercê de um qualquer "mecenas" que, mais ou menos levianamente, e a troco da eventualidade de poder aproveitar algum dos meus órgãos, joga com o prognóstico dos meus neurónios, habilitando-me com elevado grau de probabilidade a uma vida em coma ou estado vegetativo persistente, com toda a repercussão que isso teria para a minha família e, quem sabe, para mim próprio, sem se conseguirem afinal sequer aproveitar os tais órgãos, que a dada altura passaram a ser preocupação única de quem estava ali para me tratar A MIM (pois não estando em morte cerebral, não se podem retirar, obviamente, órgãos alguns).
E fica aqui a declaração última de execrabilidade deste menino: se nos próximos anos não houver um debate A SÉRIO sobre este tema, podem ter a certeza que contarão com a minha inscrição nos registos nacionais de NÃO-dadores (o RENNDA; conhecem?).
Boa sorte para vocês todos e vossas famílias, em vida e, cada vez mais, mesmo depois da "morte". Porque isto que aqui relato, meus caros, está a acontecer agora mesmo, em Portugal.
E é legal.

Tamiflu

O Vastarel para as dores no peito (e vertigens, e "doenças do coração", ...); O Betaserc para as tonturas (e o que mais quiserem...); O Nozinan para "maleitas da cabeça" em geral. Abram, pois, alas para o placebo que se segue, desta feita para a constipação e/ou gripe: o Tamiflu. Fico incrédulo com a real capacidade evolutiva da espécie quando, nesta fase da filogenia, colocamos indicações avulsas para um fármaco que não mostrou qualquer benefício cientificamente consistente em termos de morbi-mortalidade, indicações essas que se justificam com argumentos tão arrebatadores quanto resignados como "não há alternativa", ou outros, do domínio para-científico/metafísico, do género "alguns melhoram mais com o remédio". Na minha forma básica e burgessa de encarar estas coisas, parece-me que, até prova em contrário, nos devemos concentrar no que sabemos que faz bem: anti-inflamatórios; tratamento sintomático; vigilância de parâmetros vitais que sugiram o surgimento de complicações; vigilância clínica mais apertada das populações de risco infectadas; sua vacinação, assim que a mesma for possível; encaminhamento (real) dos doentes para centros vocacionados, que informem, elucidem, eduquem, referenciem e encaminhem estes casos de suspeita de gripe, para evitar o colapso das estruturas destinadas ao tratamento das doenças "graves a sério" (entre as quais se incluem as complicações de todas as gripes). Isso é o que interessa na gripe, e é nisso que nos devíamos concentrar todos. Não em desencantar um qualquer placebo. Não em preocupar-nos em driblar o micróbio com pseudo-isolamentos ou pseudo-quarentenas que só alimentam a ilusão de quem gosta de fugir à realidade das coisas. Não em "inventar" letalidades ou contagiosidades que este vírus declaradamente não tem, cingindo-nos à já de si significativa letalidade de qualquer gripe, com a agravante desta não ser "atenuável" com imunização activa e/ou passiva (vulgo remédios e/ou vacinas, para já..). Ou seja, devíamos agir de forma pensada. Em alternativa, se a preguiça de pensar for muita, ou o tempo pouco, preocupar-nos em, simplesmente, não agir. Para me animar um pouco neste pantanal pandémico, constato a criação de "centros de gripe". Ora, se funcionarem melhor que a linha "saúde 24" (a que tão poucos privilegiados conseguem aceder em tempo útil), trata-se de uma boa medida, ainda que dramaticamente atrasada (para os distraídos, já há muita gripe, há muitos, muitos anos). Mas mais vale tarde.... E mantendo a vocação altamente educativa de toda e qualquer frase que se encontre escrita neste blog, gostava por fim que retivessem o seguinte lema: -"Tamiflu? Só se for para o meter no...".

terça-feira, 4 de agosto de 2009

What If...

As "estimativas" apontam para uma necessidade "eventual" de cerca de 500 doentes a precisarem de ventilação este semestre, na minha "zona" em consequência da gripe A.
A minha "zona" ventila menos de 100 doentes nesse período, habitualmente, no máximo da sua capacidade.
Se o vírus mutar, e se tornar mais letal.
Além de se continuar com a necessidade imposta de putativos "isolamentos", nas Urgências por este país fora, por imperativo da insana DGS e dos seus experts epidemiológicos de pacotilha, agora fazem-se "planos de contingência" para um eventual desastre biológico, de acordo com números vindos sabe-se lá de onde.
Tudo normal, não fosse continuar-se no registo da insanidade previamente referida.
Planeia-se encerrar enfermarias, suspender cirurgias para disponibilizar ventiladores nos blocos operatórios, suspender férias dos profissionais de saúde (a minoria que ainda não as terá gozado), vocacionar médicos para Cuidados Intensivos de uma forma apressada (o Intensivista "express"), enfim, uma série de coisas que estou certo transmitem à sociedade a sensação de se estar a trabalhar muito e bem em prol das putativas eventualidades dramáticas que não se hão de verificar, pelo menos para além dos arquivos do ministério da Saúde.
Claro que o problema, aquele de que ninguém fala, é que os Invernos cá pelo burgo já excedem em muito, e há muitos anos, as capacidades de resposta dos profissionais e dos insuficientes recursos físicos de que dispomos.
Os doentes já morrem habitualmente como tordos nesse período, desde sempre, com a gripe sazonal e as descompensações de patologias habituais da época.
Não há vagas nas enfermarias, não há médicos que cheguem, não há Serviço de Urgência que aguente, improvisam-se camas e macas em neo-acampamentos ciganos nos recantos desocupados dos hospitais.... Desde sempre, todos os anos, sem excepções.
Por isso dão-me vontade de rir quando me falam agora da súbita preocupação com a "eventual" razia pandémica, os mesmos que nunca se preocuparam com a endémica razia da época, por sua vez regular, previsível e mais facilmente (mas não facilmente) corrigível.
Então, pergunta-me o leitor desconhecedor destas realidades, incrédulo: "o que raio propõe o "blogueiro" que se faça perante este putativo cenário? Nada?"
Nada!
É esperar, ver, e se se verificar o pior dos cenários, aceitar a evidência que nenhuma hipócrita boa-vontade política do momento (eleitoral) conseguirá corrigir em meia dúzia de semanas o que se vem descurando há largos anos.
E o pior dos cenários vai ser mesmo a morte, como tordos, como habitualmente, só que em maior (muito maior?) quantidade.
Mas não se preocupem, isto é tudo muito, muito putativo, e o mais certo é não se passar do alarmismo, alimentado por meia dúzia de representativos epidemiologistas de nomeação política (George à cabeça) que, ao invés de políticas de saúde, estão sobretudo interessados em promover notícias de saúde que tragam votos aos partidos que lhes deram "tacho".
Ainda no pico de Verão, e a paciência já vai tão longe....