segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

We (Don't) Want You


Vou contar uma pequena história da minha vida (bem sei que o interesse é relativo, mas o espaço é meu, por isso...).

Cresci no seio de uma bela família de classe média-baixa, quiçã mais abastada que a média, fruto de terem procurado os meus progenitores sustento por outras bandas que não este ingrato rectângulo onde vivemos agora.
Deram-me uma educação (na altura não era para todos essa possibilidade), e sem me ter apercebido de onde teria vindo a ideia, a minha mãe a partir do meio da minha adolescência começou a ventilar aos nossos próximos que eu "gostaria de ser médico".
Nunca fiz muito caso desse seu delírio, mas enfim, sempre fui bom aluno na escola, e à falta de melhor alternativa, chegada a altura, lá optei por enveredar por Medicina.

Vocação? Nem sei bem o que é isso ao certo, acho que as vocações que eu eventualmente tive era ser polícia para aí até aos 10 anos de idade, futebolista até ao 14 e jornalista desportivo depois disso. Medicina? Não, não me apetecia descobrir a cura para o cancro nem partir para África em missão humanitária aos 18 anos. Como disse, à falta de melhor "vocação", parecia-me engraçada a perspectiva, para um rapaz espertinho como eu, de atingir um estatuto que eu próprio dava aos médicos, que sempre vi como entidades estranhas que conseguiam saber coisas que me pareciam simplesmente fora do alcance do comum dos mortais, para além que me parecia que todos ganhavam a vida pelo menos de uma forma bem satisfatória, isto adicionado ao facto que nunca me pareceu que trabalhassem por aí além.

Ou seja, na minha doce ilusão, iria aprender a ser assim naqueles 6 anos de curso (depois descobri que eram mais 2 de Internato Geral e mais 5 de Internato Complementar), e que depois disso teria dinheiro e tempo para desfrutar da vida. Era a recompensa por ter sido bom naquilo que todos me pareciam pedir para fazer bem: estudar.

No 4º ano da faculdade, tinha eu uns 22 anos, entrei pela 1ª vez na minha vida num Hospital, e contactei pela 1ª vez com doentes internados, e até hoje, bem, aí não vos vou maçar mais com o desenvolvimento desta história.

Grosso modo não me enganei (ou a minha mãe, melhor dizendo, não se enganou). De facto, quase 20 anos volvidos, sinto-me bem com os meus conhecimentos na matéria, confortável no exercício da profissão, sinto-me realizado (muito à custa -e esta é uma característica da "Classe" em geral- de um ego que se alimenta a si próprio), ganho bem a vida (mesmo que isso não queira dizer que seja jogador de golf, que passe as minhas férias no estrangeiro ou que me deleite em SPA's no fim-de-semana), e só a parte do volume de trabalho é que me saiu um pouco furada, relativamente às minhas expectativas.
E, sorte suprema, até gosto muito do que faço, ou seja, desenvolvi a tal "vocação", que me parece improvável que possa existir honestamente aos 18 anos (ainda que não exclua a hipótese de haver por aí muito adolescente borbulhento muito mais maduro do que aquilo que eu era...).

E esta historieta para dizer o quê, perguntam os pacientes leitores que chegaram a este parágrafo?

Para dizer que caso tenham uma progenia semelhante à que eu tive, não se deixem enganar, porque as coisas mudaram.
Não enveredem, jovens pré-universitários, na sequência da excelência no desempenho do que vos pedem no liceu, por este ramo. Invistam noutras áreas, porque aqui em Medicina, o objectivo desta sociedade em que nos encontramos parece ser apenas e só um: desvalorizar tudo aquilo que vocês fizerem ao longo da vida, para vos nivelar pelo mais baixo que conseguirem, e têm-no conseguido muito bem.

Vão-vos começar por chamar "privilegiados", como se alguém vos tivesse oferecido o curso e ele não tivesse sido alcançado fruto do vosso esforço, do vosso trabalho e de privações. Estão a fazer proliferar Universidades e médicos com o único intuito de provocar desemprego, para, dizem, tornar mais "competitivo" o sector, quando na realidade têm por único objectivo poderem-vos pagar o que quiserem, com a alternativa de vocês não conseguirem ganhar nada. E dir-vos-ão, se não estiverem satisfeitos, ou se não comerem e calarem, que podem sempre emigrar (o que, vá lá, não será muito difícil, caso se mantenham por cá os actuais padrões de qualidade na formação). Vão-vos dizer que vocês são "técnicos de saúde", e não médicos. Vão-vos tratar, fazendo publicamente gala disso, como se trata "qualquer funcionário público". Vão insinuar que aquilo que fazem pode ser feito com a mesma eficácia por diversos outros profissionais, que não tiveram que trabalhar metade do que vocês trabalharam para depois reivindicar competências equivalentes às vossas.
E o povo, esse que tanto vos admirou por serem trabalhadores, atinadinhos e dedicados aos estudos, é o mesmo que vai deixar de gostar de vós a partir do momento em que lerem o juramento de Hipócrates, passando a aplaudir e a votar naquele que mais vos achincalhar com voz grossa.

Ou seja, nem reconhecimento (que eu ainda pude ter), nem dinheiro (que eu ainda pude ter), e muito menos qualidade de vida no trabalho (que, salvo raras excepções, de facto nunca existiu para a maioria).

Não desperdicem as vossas capacidades intelectuais, quando chegar a hora de escolher um caminho terminado o liceu, em Medicina. Dá trabalho, muito trabalho, e deixou de compensar por todos os motivos que referi.
Deixem que se vulgarize o que de qualquer forma vai sendo vulgarizado, pois aqui vocês deixam de ser "inteligentes" a partir do momento em que escolhem Medicina, e passam a ser "marrões" com motivações meramente mercenárias.

Mas gostam da área de "Saúde"? Não sejam parvos, há milhentos de alternativas à Medicina bem menos trabalhosas e bem mais compensadoras, mesmo em "Saúde", onde as probabilidades de brilharem com muito menos esforço são bem melhores. E com mais futuro.

Quem vos avisa....

sábado, 7 de janeiro de 2012

"O Amor à Camisola": Retrato de uma Insatisfação Colectiva


"O Serviço Nacional de Saúde funciona 24 sobre 24 horas, 7 dias por semana, semana após semana. Como é isso é feito?
Os enfermeiros e os auxiliares trabalham por turnos. Os médicos não.


Os médicos têm um horário “normal”, X horas por semana (35, 40 ou 42 horas, conforme o regime de trabalho), em que fazem tarefas “normais”: cuidam dos doentes internados nas enfermarias, fazem consultas, exames complementares, cirurgias.... Dentro dessas horas “normais”, estão incluídas 12 horas de “urgência”. São horas em que prestam serviço nos Serviços de Urgência, Unidades de Cuidados Intensivos, Urgências Internas de apoio aos serviços, etc...


Porém, as 12 horas semanais de “urgência” de todos os médicos não chegam para assegurar o funcionamento 24 sobre 24 horas, 7 dias por semana, semana após semana, de todos os serviços de saúde que não podem parar.
Por esse motivo, há mais de 30 anos que, por lei, os médicos podem ser obrigados, mesmo que não queiram, a fazerem até 12 horas extraordinárias de trabalho por semana.


O problema é que, mesmo essas 12 horas extraordinárias de todos os médicos não chegam para assegurar o funcionamento 24 sobre 24 horas, 7 dias por semana, semana após semana, de todos os serviços de saúde que não podem parar.

Então, já há muito tempo, os médicos trabalham o seu horário semanal habitual, trabalham as 12 horas extraordinárias a que são obrigados por semana, e, muitas vezes, trabalham ainda mais períodos de 12 ou 24 horas extraordinárias a que não são obrigados, mas a que se dispõem mesmo assim. Porquê? Por motivos de dois tipos:



1) motivos financeiros: as horas extraordinárias são pagas a um valor que permite aos médicos aumentarem o seu vencimento mensal.
2) “amor à camisola”: os médicos trabalham para instituições às quais sentem pertencer. O prestígio da instituição é o seu prestígio. O desprestígio da instituição é também o seu. Quando um colega lhes diz “tenho um buraco na escala de urgência da próxima semana, não me fazes um favor e fazes mais 12 horas?”, com frequência dizem que sim, por sentirem ser um pouco o seu “dever” assegurar o funcionamento sem falhas da “sua” instituição.


O problema é que este “amor à camisola” já há alguns anos que não existe, que é passado. Porquê?
Os médicos deixaram de pertencer ao “quadro” do hospital, passaram a ser contratados a Contratos Individuais de Trabalho. As vantagens não financeiras desapareceram (ADSE, apoio na doença, segurança no trabalho e nas regras de contratação, etc..). Deixou de haver impedimento às mudanças de médicos de um hospital para outro, o que passou a acontecer com frequência. Passaram a trabalhar nos hospitais, nomeadamente nas urgências, médicos “free-lance” que fazem 12 horas de urgência neste hospital, 12 horas no outro hospital, sem pertencerem propriamente a nenhum. Os médicos deixaram de “pertencer” a este ou àquele hospital, e passaram a existir no hospital muitos médicos que lá vão trabalhar só umas horas. E daqui a uns meses já são outros.
Desapareceu o “amor à camisola”.
Sobraram os motivos financeiros. Mesmo com estes, sempre foi difícil arranjar médicos para assegurarem todos os serviços, 24 sobre 24 horas.


E agora...
Com o novo Orçamento de Estado, o Ministro da Saúde acabou com este último incentivo às horas extraordinárias. E abriu uma Caixa de Pandora da qual não se apercebeu.


Após anos e anos a fazerem horas intermináveis extra nas urgências, os médicos já não têm agora nenhum motivo para as fazerem. Já não são obrigados por lei a fazerem horas extra. Já não lhes é financeiramente compensador fazerem horas extra. Já não sentem os problemas da instituição como “seus”.


Os serviços não funcionam sem as horas extra dos médicos. Mas estes estão fartos. Aceitaram o corte de 10% no vencimento em nome da crise (como todos os outros funcionários públicos). Aceitaram o corte de 2 ordenados em nome da crise: total 23% do vencimento (como todos os outros funcionários públicos).


E até aceitam o corte no preço pago pelas horas extra.
Só não aceitam é fazê-las."


Dr Tiago Tribolet Abreu "dixit", aqui reproduzido a partir das redes sociais onde foi originalmente publicado, com a sua autorização

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

"Ultra-Liberais"


Ventos de esperança sopram dos EUA, através da impressionante campanha do "republicano" Ron Paul, liberal convicto (o único?) da escola económica austríaca, que defende menor intervenção do Estado na Economia e na vida das pessoas em geral.
As aspas, para os que não são seguidores, devem-se ao facto dele estar encaixado no partido por razões meramente conjunturais, dado que naquele país não se faz política fora de um dos dois grandes (ele tentou no passado e não conseguiu). Razão pela qual, aliás, ele é odiado por uma facção maioritária do mesmo, só se verificando algum destaque da sua parte por ausência de alternativas realmente consensuais do verdadeiro senso da maioria daqueles eleitores. E ele lidera nos menores de 40 anos, e nos independentes que chegam ao partido (única e exclusivamente pela sua presença no mesmo).

Liberal deve advir de liberdade.

Como ele tão bem ensina, e demonstra, não há liberdade com muito Estado. O Estado retira liberdade expropriando o dinheiro dos contribuintes, para depois redistribuir uma pequena parcela pelos mesmos, arbitrariamente e sem sentido meritocrático, guardando uma significativa parte para os seus boys e girls, sob a forma de administradores de empresas públicas e tachos que tal. E o Estado perpetua-se, porque, lá como cá, dois partidos revezam-se sazonalmente, não estando por isso nada interessados em mudar um estado de coisas que tanto os favorece e aos seus enraizados lobbys.

Mas isto não é uma Democracia? O povo não pode optar diferentemente?
Não, não pode. Qualquer alternativa política, por mais séria que seja, é aniquilada por algumas tiradas mainstream dos media (controlados, evidentemente, pelo omniprsente Estado), pela desacreditação desavergonhadamente caluniosa, e pela cultura do medo. E esse medo resulta do simples facto do Estado estar em todo o lado, por tirar muito a todos (particulares, empresas...), para depois voltar a dar alguma coisa a alguns (que até podemos ser nós), mas esse "alguma coisa", de tanto que nos tiram, passou a ser quase imprescindível para a nossa sobrevivência, já não conseguimos viver sem esse "alguma coisa" que nos devolvem, e aqui estamos todos a embarcar na caravana para não morrermos de fome amanhã, ainda que estejamos a ficar gravemente desnutridos a médio-longo prazo.

Estamos reféns das migalhas que nos dão, após nos terem roubado o pão.
Mas como sempre nos roubaram parte significativa do pão, já não sabemos bem se o saberíamos gerir se, por milagre, ele ficasse inteiro para nós. E isso também assusta.
Saberíamos guardar o pão para a velhice? O Estado diz que consegue (ainda que as reformas sejam cada vez mais uma miragem, e cada vez mais insuficientes para aqueles que as têm).
Saberíamos poupar o pão para uma eventual doença intercorrente? O Estado é o"garante" da saúde "universal" (e, não se riam: "gratuita"!!), ainda que todos no meio saibamos, e até comecem a abundar exemplos, de como se consegue fazer melhor com menos.

A inveja que tenho deste empresário que agora desertou, deslocando-se para local mais civilizado, onde não lhe roubam tanto do fruto do seu trabalho e da sua boa gestão, para depois desperdiçarem o saque com uma corja de rotativos mamões. Eles, os mamões, esperneiam, mas sabem bem que são a causa dessa fuga, e só cá fica quem, como eu, não tem tanta certeza que o abandono do conforto do "país Natal" compense. No lugar dele teria seguramente feito o mesmo, só que há mais tempo, prometendo não voltar enquanto fossem os mesmos símios a mandar nisto (o que se arrisca a significar muito, muito tempo).

Somos ingleses em Nottingham, o xerife tira-nos tudo e não há Robin dos Bosques à vista, nem qualquer floresta de Sherwood a acalentar no seu seio alguma esperança de mudança futura.

Não há? Talvez haja. Talvez Robin seja Ron Paul, e talvez Sherwood seja esse país de boa inspiração no passado (que foram os EUA pré-colonialistas). Gosto de imaginar isto nestes tempos deprimentes, de ideias esclerosadas e sem ideais viáveis à vista.

Pouco Estado nas nossas vidas, ou Estado mínimo para garantia da propriedade privada, da segurança Interna e Externa, e da Justiça. E que resulta num regime de "Imposto Mínimo", a ser usado rigorosamente para aqueles fins (e, conceda-se, numas quantas alíneas sociais que importa assegurar, nem que seja para não dificultar ainda mais o desmame da "subsidio-dependência"), acabando-se as mamas para "decisores públicos" para tudo e mais alguma coisa, de "gestores públicos" de empresas insolventes, inviáveis e falidas, e dessa tacharia toda sem fim.

Não queremos Estado a dizer-nos o que podemos comer, o que podemos fazer nas nossas horas livres, o que devemos ver na televisão, nas ruas, nas salas de cinema ou no teatro.

Não queremos Estado a obrigar o nosso filho a estudar acolá, pelo simples facto de morarmos ali. Queremos pôr o nosso filho a estudar no sítio onde lhe proporcionam melhor educação, onde eles se sinta melhor e onde existam melhores condições de apoio aos pais na função educativa, de acordo com o NOSSO critério. E também não queremos que o Estado condicione professores e gestores escolares, nem que obriguem ao ensino disto ou daquilo porque assim alguém de duvidosa capacidade arbitrariamente decidiu, eles têm que poder orientar-se autonomamente, para depois nós decidirmos se optamos ou não pelo modelo que nos estão livremente a oferecer.

And so on, and so on....

Este post não tem fim à vista mas tem mesmo que acabar, e Ron Paul não será presidente dos EUA, já sou demasiado velho para começar agora a acreditar no sobrenatural que seria tanta evolução no espaço de uma única geração. Mas a semente está aí, já tem raízes e vai crescer, até secar secar definitivamente o Keynesianismo reinante de uma vez por todas. Vai levar é algum tempo....

Mesmo que o senador chegasse a tornar-se numa ameaça, ele seria seguramente liquidado, pelo simples facto de haver demasiados interesses, e demasiado grandes e poderosos, na manutenção do status quo.

Talvez num amanhã se cante.
Bem haja Ron Paul!

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Coisas Numeradas


A OCDE volta a visitar a saúde dos seus países membros, e publica um relatório interessante, que se pode consultar na totalidade aqui.

Da leitura transversal, algumas "surpresas":
-Os indicadores principais de saúde não nos envergonham no panorama global, bem pelo contrário, e a evolução ao longo dos anos é positiva;
-Não se gasta muito em saúde, quando comparados com outros países (e face aos resultados);
-Tratam-se muito mal os dentes por cá;
-Não há assim tão poucos médicos, e estão mal distribuídos;
-Há relativamente poucos de enfermeiros no activo, para demasiados formados;
-A Nefrologia (incluindo os transplantes renais) tem números impressionantes à escala mundial;
-Não há cuidados continuados em Portugal, e o investimento é praticamente nulo;
-Parece haver ainda algo a melhorar quanto à produtividade médica, mas os números são confusos;
-Consomem-se demasiados remédios, ainda que no capítulo dos "antibióticos" não estejamos tão mal quanto eu pensava;
-Há demasiadas cesarianas;
-Há cada vez mais gordos, e demasiada diabetes "do adulto";
-Morre-se muito menos "acidentalmente".

Isto é um cheirinho do documento que poderá e deverá ser esmiuçado de formas muito mais diversas.
Mas lá que este sector parece não merecer a espremidela financeira que se avizinha, proporcionalmente semelhante (ou até superior) à de outros neste país cujos méritos estão muito menos bem definidos, lá isso não.

Enfim, não é nada que me parece que vá sensibilizar muito os nossos gestores de mercearia....