domingo, 23 de outubro de 2011

Interpretação da Crise (de um Homem Simples)


Durante anos a fio o Estado gastou, digamos, 100.

Ele recebia (dos nossos variados impostos) 80, e pedia emprestado outros 20.

Hoje já não nos emprestam mais, e temos que pagar o empréstimo do passado, o que dá uma despesa de 120 (20 do empréstimo que devemos).

A solução é, ou pedir-nos para aumentar os nossos impostos (e dos 80 que pagávamos passaremos a pagar 120, ou seja, mais 50%), ou então reduzir a despesa do Estado, digamos de 100 para 60, por forma a termos que pagar 80 (com os 20 de juros), o que não implicaria aumento dos impostos, mas mantendo apenas e só os serviços que considerámos básicos, abdicando de tudo o resto, fosse desperdício ou luxo que deixámos de conseguir fingir ser capazes de poder pagar.

A questão, a grande questão, é que não se está a ver discussão acerca do que deveremos manter e do que deveremos abdicar no futuro.
Parece estar-se a querer manter tudo, fazendo de conta que é tudo essencial, e manter tudo à custa da extorsão da classe média, alinhando pelo diapasão do menor múltiplo comum. Isso só pode levar à mediocratização dos serviços essenciais, daqueles que realmente continuamos a precisar (e com qualidade), para além da infame manutenção de outros, ou completamente supérfluos (os "tachos"), ou irrealistas no nosso contexto (e condenados ao fracasso).

Por outro lado, associado ao discurso de "coitadinho do contribuinte" que muitos têm (e com razão nesse ponto), não se vê a necessária proposta alternativa, aquela de que falei, e que passa por largar mão dos excessos (das tais ainda não-identificadas verdadeiras "gorduras"), encerrar serviços, acabar com a maior parte dos subsídios e donativos que se foram instituindo ao longo dos anos, e por aí fora. É o discurso do "queremos continuar a gastar 80 e a ter 100!", e não do queremos gastar 80 e passar a ter 80.

É preciso uma verdadeira discussão do que realmente querermos que o Estado assegure (e que pode significar uma pequena parte das actuais despesas), e daquilo que deverá ser deixado à regulação das universais leis do mercado (lazer, cultura, desporto, a esmagadora maioria dos serviços...), implacáveis mas justas, na perspectiva do consumidor (que somos nós).

Para já, só vislumbro a continuação do autismo, desta feita não da sub-orçamentação nacional da sua própria dívida (porque já não dá para disfarçar mais) e que foi regra transversal aos 2 partidos de poder em Portugal nas últimas décadas (e a nós, que os elegemos!), mas sim na recusa de olhar para dentro do Estado, e perceber o que é essencial e pode ser mantido, do que é dispensável e deve ser rapidamente finalizado (e nunca deveria ter sido iniciado).

E é esse autismo que leva alguns a ter este discurso para pacóvio aplaudir de ter que ser de fora que vem a salvação (entenda-se: o subsídio ou o perdão da dívida).
Das duas uma: revela ou pouco QI, ou pouca vergonha. O que faz com que não haja seguramente nenhuma razão para nos orgulharmos dos governantes que continuamos a eleger....

A preocupação maior de todas, porém, é parecer-me que nós, eleitores, ainda não termos percebido a vacuidade de certa forma de "fazer política". Continuamos a premiar esses discursos redondos, inconsequentes e irresponsáveis, não hesitamos em juntar-nos solidariamente a esses desocupados que agora fazem para aí barulho em assembleias de índole ditatorial a querer impor uma nova forma de vida, concordamos em fazer greves, quais danças da chuva no deserto, sem realmente manifestarmos vontade de mudar o estado actual de coisas.

Era essencial que surgisse uma voz clara no meio desta cacofonia toda, uma voz honesta e capaz, que pudéssemos seguir. Sem ela, estamos definitivamente perdidos, entregues à nossa triste sina.
Porque no essencial, somos todos madeirenses....

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Perguntas de um Homem Simples II (e agora com reflexões também...)


Se o Estado precisa de x milhões de euros para "equilibrar as suas contas" ou "honrar os seus compromissos" (ou, como alguns humoristas dizem, "as nossas" e "os meus", respectivamente...), e esse x equivale ao que vai roubar aos subsídios dos seus funcionários (sim, roubar, porque esses tinham um contrato que supostamente incluía esses subsídios, ainda que essa coisa de "contratos" seja algo entendido como "relativo", pelos vistos, e olhando para as supostamente mais altas instâncias deste país):

1) Como é que após 2012-2013 vai "equilibrar as suas contas" ou "honrar os seus compromissos"?
-Esse x vai deixar de ser necessário?
-Vai continuar a exigir o x (e a privar unilateralmente os subsídios aos seus funcionários)?

2) Porque não fazer cortes nas suas excessivas despesas? Não apenas em 2014, mas já? Sem ser, evidentemente, através da privação unilateral de um rendimento que fazia parte do acordado com as pessoas que para ele trabalham? É mais lícito faltar cobardemente ao acordado com todos, do que assumir que tem que abdicar justificadamente de alguns? Ainda que esses alguns sejam (desejavelmente) até muitos? É melhor desrespeitar todos os que são precisos e valiosos num conceito realístico e economicamente viável de "Deveres do Estado", só para não ofender uns quantos supérfluos ou excessivos do actual (que, como bem se vê, mesmo que tantos insistam desesperantemente no autismo, é insolvente)?

(PS/declaração de interesses: admito perfeitamente encontrar-me na lista destes últimos, numa perspectiva de privatização da saúde como alguns, com toda a legitimidade e as mais diversas razões, defendem, assim se assuma de uma vez por todas o que se entende como "papel do Estado", e se assegure a sua viabilidade em termos de preço que podemos pagar por ele)

Gostava finalmente de saber ainda quantas vezes x representa a despesa deste "Estado de alguns de nós" (que não eu). E quais são essas outras despesas (o tal múltiplo de x), das quais não se pode abdicar, que fazem com que seja imperioso que este Estado abusador tenha que retirar-nos o dito x.

Fugir aos impostos é crime (diz o Estado, em causa própria). Neste país, todos o sabemos, sempre foi bem tolerado. Mas dizem os ingénuos que está aí alguma espécie de raíz dos nossos males. Aos meus olhos, passa a ser definitivamente um dever cívico e um exercício de liberdade. Passarei a ver todo e qualquer cidadão (com "C" grande) que se propõe recusar passar-me uma factura como um herói solitário e contracorrente, cujos serviços passarei a frequentar assiduamente, sempre que deles precisar. E não apenas a frequentar, mas a elogiar, incentivar, defender e louvar!

Nem todos o podemos fazer? É bem verdade, mas paciência, lá pelo facto do  Real Madrid não estar interessado em contratar-me por vários milhões de euros para as suas fileiras, não quer dizer que não aprecie ver o Cristiano Ronaldo a jogar por lá, e muito menos que julgue dever ser proibido, quer a sua emigração, quer o seu salário.

Para quando um "Ron Paulo" a liderar a nossa revolução? Por caridade, haja alguém inteligente e capaz, e que nos faça o favor (a uns quantos de nós, pelo menos) de se dignar a usar uma linguagem de verdade, não travestida para agradar e enganar saloios à cata de frigoríficos e microondas em troca de tacho forever para boys e girls da casual Partidocracia rotativa vigente.

Até lá, recomendo exercícios de relaxamento e muita vaselina. Vai ser bem preciso....

sábado, 15 de outubro de 2011

Perguntas de um Homem Simples



Eu, homem simples, gostava de ter algumas respostas para poder, em consciência, decidir pelo meu futuro e, sobretudo, pelo dos meus filhos.

Gostava por exemplo de saber quanto gasta afinal este "Estado", que convém relembrar é o sorvedouro de assinalável parte do nosso salário, que mama ainda dos bens que consumimos através de IVA's e afins, e que taxa bens, serviços, heranças, prémios de jogo, enfim, tudo aquilo que meta dinheiro, para se auto-financiar, com uma legitimidade "histórica" que me parece bem mal parida, mas enfim, era assim quando nasci e assim continua.

Quanto gasta? Mas também quanto gasta, e em quê?

Na "redistribuição da riqueza", por exemplo. Quanto este Estado "redistribui", e até que ponto os mais pobres e desfavorecidos beneficiam dessa intervenção. E a que preço? Será que os pobres e desfavorecidos são bem tratados por este Estado? O Estado gasta bem o dinheiro em prol deles? Não haveria entidades privadas capazes de fazer melhor e por um menor custo? De chegar com a intervenção onde realmente se deve, e ajudar quem realmente precisa, com os meios necessários (e não paliativos que nada resolvem)?
O que nos leva à questão: quanto se desperdiça em nome da "redistribuição da riqueza"?

Quanto se gasta com "serviços de utilidade pública"? São mesmo úteis? Que funções têm, e qual a eficácia com que as desempenham? E a que preço?

E quanto se gasta com "empresas públicas"? São lucrativas? Se não o são, porque é que o Estado me tira dinheiro para as financiar? Alguém me pediu se eu estava disposto a desperdiçar parte do meu salário para manter o sustento de funcionários de empresas insolventes? Não há outras empresas, do sector privado, daquelas às quais só dou dinheiro se me apetecer, que fazem igual ou melhor serviço?

E quanto se gasta no financiamento de folclore diverso, vulgo cultura/desporto, seja directamente através do Estado ou através das mil e uma câmaras espalhadas por esse país fora? Porque não deixar a cultura ser financiada por quem disfruta dela, de acordo com o gosto de cada um? Eu não me importo de pagar (e pago) por lazer, desde que seja escolhido por mim, ao meu gosto. E eu e muitos com o mesmo gosto decidiremos se esta ou aquela actividade lúdica deve vingar, ou não (se formos poucos ou se a actividade não se revelar satisfatória). Ou esta e aquela actividade desportiva. O que é feito do associativismo? Do mecenato? Dos donativos? Porque é que há de ser essa entidade denominada Estado a decidir se há foguetes em Braga, sardinhas no Porto ou Carnaval na Madeira, e a gastar o dinheiro que me tirou nessas nobres actividades, com as quais não tenho nada a ver (ou talvez tenha)?

Porque é, ou com que direito é que este Estado decidiu gastar o meu dinheiro em Estádios de futebol aos quais nunca fui, em Exposições Universais que nunca me interessaram, em estradas por onde nunca passei, em canais de televisão que nunca vejo, em festas que nunca frequento, em companhias aéreas nas quais nunca voei, em empresas que nunca me foram de qualquer utilidade, em filmes ou peças de teatro que nunca vi, em eventos a que nunca fui?

Bem sei que o Estado, durante muito tempo (e ainda hoje), foi considerado uma espécie de impressora de dinheiro que depois dava ao desbarato para satisfazer uns tantos, e às vezes eventualmente nós próprios. O Estado não tinha nada a ver conosco. Sempre nos tirou dinheiro, mas o que nos sobrava chegava, e por isso não ligávamos.

Hoje descobrimos que, afinal, o Estado "é" o nosso dinheiro. E o nosso dinheiro foi, e continua a ser mal gasto. E que o Estado contraiu dívidas e empréstimos que nós (afinal somos nós, o Estado) teremos (já temos) que pagar. E que o que nos sobra, depois dele nos extorquir o seu quinhão, já não nos chega ou chega mal.

Com que despudor é que agora esta gente, que levou o país a esta situação, que se serviu do Estado e das suas propaladas únicas capacidades de resolver a má distribuição da riqueza e protecção dos pobres e desfavorecidos (mas que agora também deixa desamparados nesta espiral de descrédito e desgraça), reivindica a capacidade de regenerar um monstro que, afinal, apenas serviu para ajeitar a vida a uma elite partidocrata e aos seus amigos, enquanto distribuia (e distribui) migalhas pelos incautos e gastava (gasta) o dinheiro que não era seu?

Gostava que se definisse quais são os serviços essenciais, a serem assegurados pelo Estado. Há quem considere apenas a protecção da propriedade privada, ou seja a segurança (interna e externa) e a Justiça. Eu admito uma ou outra função, talvez a saúde (deformação profissional?), eventualmente o ensino (nas suas linhas mestras). Admitiria facilmente uma função meramente reguladora. Mas enfim, são miragens neste panorama esquizofrénico desta sociedade contemporânea, que ainda julga que o dinheiro nasce da tal impressora, e que um engravatado de Lisboa é que deve decidir quanto tira a uns para distribuir a outros.

Queria um Estado magro, muito magro, que à escala do actual seria praticamente inexistente. Não se trata pois de "cortar umas gorduras" ao Estado, já há muito tempo que isso não vai lá com lipo-aspirações.
O Estado é praticamente todo ele tecido adiposo, e o que é preciso é encontrar o pedacinho de carne lá no meio que vale a pena manter, que é pequeno, e usar o resto para sabonete, a ver se conseguimos limpar esta triste imagem de nós próprios que há de ficar para as gerações futuras, que com toda a razão não vão perceber como raio fomos tão cretinos ao ponto de lhes deixar um país na situação deste em que actualmente habitamos, e que eles um dia vão desgraçadamente herdar.

Somos uma triste página da história. E duvido que tenhamos capacidade para passar disso.