terça-feira, 9 de outubro de 2012

Os Números, esses Desmancha-Prazeres dos Propagandeiros...



Ver o que se passa nas Unidades de Cuidados Intensivos por essa Europa fora.

Em Portugal, há menos camas por habitante que em qualquer outro local na Europa. E há menos gasto (também por esse motivo) que na esmagadora maioria deles.

Gorduras? Aqui não, obrigado!

terça-feira, 2 de outubro de 2012

Abandonar o Barco


...enquanto é tempo.

Lamento, meus caros, mas esta afigura-se-me como a única opção inteligente nesta altura, neste país patético.

Patético porque uns quantos patetas julgaram que alguém haveria de solidariamente financiar pacificamente os nossos vícios, como se de filhos mandriões que não querem sair da casa dos pais nos tratássemos. Patético porque ao invés de estarmos hoje a discutir para o que deve servir o Estado, e tentarmos fazer com que este seja sustentável com qualidade para o essencial, ainda estamos a discutir se devemos gerir empresas e todo o tipo de devaneios com os impostos que nos asfixiam, se devemos subsidiar "cultura" e foguetório ao ritmo imposto por um qualquer autarca sebento quando falta dinheiro para aquecer as nossas casas e, até, para pôr comida nos pratos dos nossos filhos, ou se devemos optar pelo jota-boy do lado ao invés do jota-boy do momento para gerir a nossa desgraça....

Não há saída possível, este país é intelectualmente e moralmente insolvente.
Ou melhor, há!
Países a sério por esse mundo fora não faltam, e muitos de nós, tradicionalmente, sempre foram lestos a percebê-lo. Por isso, portugueses competentes e sérios, não temam, e rumem para paragens mais meritocráticas. Nada pode correr mal, ou pior que neste antro condenado à miséria. O valor é melhor apreciado onde existam olhos interessados em discriminá-lo do resto.

Isto dito por um privilegiado funcionário público com contrato "vitalício" com o Estado (ainda que os contratos com o Estado valham o que se tem visto...), ansioso por vislumbrar um oportunidade para libertar o seu privilegiado poiso a algum "afortunado" sucessor, enquanto se vai esforçar para oferecer uma vida melhor aos seus filhos, noutro país que não seja de "faz de conta".

Darei mais novidades quando estiver a salvo disto tudo....

terça-feira, 17 de julho de 2012

Impressões a Sério


Eu gosto de Enfermeiros. Melhor dizendo, gosto MESMO do papel que os enfermeiros desempenham, no exercício da sua profissão, complementar da minha, e essencial aos bons resultados que poderei (ou não) ter na minha prática ao serviço dos doentes.

Custa-me por isso ver alguns desgastarem-se em preocupações de procurar novas "competências" que os tornam mais parecidos comigo, ficando menos parecidos com eles próprios. E isso é um problema que poderá minar a profissão por dentro, graças a alguns populistas/oportunistas acicatadores de ódios que, infelizmente, se vão aproximando dos cargos de poder e decisão nessa classe.

Isso acontece por causa de dois flagelos: desemprego e emprego precário, ambos resultantes do sobredimensionamento da classe para as possibilidades ou vontades (o que é diferente de "necessidades") do país. E nenhum dos flagelos é combatido com a "solução" da multiplicação de competências, pois continuarão a ser demasiados, por mais competências que venham a ter no futuro (passariam apenas a ser muitos, com muitas competências, e no desemprego ou emprego precário, tal como agora).

A falácia advém do facto da classe ao lado, a tal que parece ter algumas das apetecíveis competências que requerem, não ter ainda nem desemprego, nem estar de todo precária, sobretudo em comparação com a deles. E é uma falácia porque isso não se deve de todo às "nossas" competências, mas tão só ao facto de poucos as estarem a exercer. Haja sobredimensionamento de recursos humanos médicos (como se prevê, se não for travado), e o problema vai-se repetir, tal e qual se vive hoje na classe de Enfermagem. Dito vendo por outro prisma, não é por serem menores as actuais competências dos Enfermeiros que existem os problemas.

Não seria este um tema problemático se ao somatório de competências, algumas das quais já agora me parecem ser do mais puro bom-senso, existindo até já na prática em muitos serviços que se conseguem organizar de forma inteligente e descomplexada, não se descurassem as actuais, essas sim a meu ver fundamentais e que urge manter e até aperfeiçoar: a proximidade ao doente, a intimidade desse relacionamento com o que sofre, o papel de advogado de quem padece junto do médico, necessariamente mais ausente, o confessor de angústias (e dados clinicamente relevantes) por vezes só com ele partilhadas, a delicadeza dos contactos de intimidade, o bem-estar psicológico que proporcionam, é algo que não tem paralelo nem preço. E é uma competência única, e fundamental, além de todas as outras de natureza mais "prática".
Acresce a isto o bom ambiente que geram no trabalho, a capacidade de trabalho de equipa que podem proporcionar, e que me leva a acordar todos os dias com vontade de me dirigir para o trabalho, para tratar dos nossos doentes, na fundamental companhia deles (e, já agora, dos também excelentes AAM com os quais tenho a honra de poder trabalhar).

É por isso com alguma preocupação que assisto à não-valorização de alguns daqueles excelentes profissionais, numa Unidade diferenciada como é aquela em que exerçemos as nossas profissões. Que raio de corporação (Ordem, sindicatos...) permite que Enfermeiros com quase duas décadas de experiência praticamente exclusiva numa Unidade destas, sejam depois ultrapassados hierarquicamente por outros, muitíssimo mais novos e forçosamente inexperientes, só porque após a curta licenciatura de 4 anos fizeram mais um e tal de especialização fútil no contexto daquela Unidade? Como é que se permite, ou que pressões haverá, e estou à vontade para o dizer porque a Chefia de Enfermagem na minha Unidade é exemplar e com legitimidade pouco menos que imaculada, para que a chefia dos turnos (aquela que depois no dia-a-dia é relevante) seja entregue a quem ainda mal aprendeu a virar frangos, e quem é chefiado nada tem a aprender, antes pelo contrário, com aquele que supostamente o está a chefiar?
Maior fica a preocupação quando não reconheço nestas novas fornadas a capacidade destes mais velhos (mas não velhos!), remetidos para o segundo plano. E quando não lhes vejo a vontade (quando não a capacidade) de desenvolver as faculdades que tanto admiro nos seus antecessores.
E ainda maior fica quando constato a tensão gerada, e que apenas aumenta o fosso comunicacional, entre os valorosos excluídos e os novos e impreparados promovidos.

Isto é um quadro geral, havendo evidentemente muitos novos e bons ("à antiga"), e concerteza alguns velhos e maus. Felizmente que, apesar de tudo, na realidade que é a minha, estes problemas sejam ainda algo marginais, ainda que existam (e que raio, são tão escusados...), sabendo porém que noutros serviços atinjam proporções mais preocupantes.

Ou seja, mesmo que com mais competências (mas de preferência sem obsessões, porque são desnecessárias, nem exageros, para depois não acabarem por acumular antes "incompetências"), por favor não se esqueçam de dar a equivalência dessas competências a quem realmente as tem. Para não serem injustos para os portadores de uma fundamental herança, materializada naqueles que são o melhor exemplo do que deve ser a Enfermagem, com toda a nobreza que a caracteriza! Sem a qual, acreditem, a vossa profissão se torna bem mais escusada do que a ilusão de um somatório de competências possa deixar antever....

quarta-feira, 11 de julho de 2012

Boquinhas Espremidinhas pela Doutorice


Muitas vezes usei esta expressão "Garretiana" para criticar gente com a minha profissão, num problema transversal a esta sociedade provinciana e complexada, e que leva a tristes traduções como no "caso-Relvas", ou como no um pouco mais antigo "caso-Sócrates".

Patetas, é o que são estas pessoas, que não conseguem conceber ser bons no que fazem sem terem uma espécie de canudo decorativo a apoiar, por mais distanciados que estejam da utilidade do mesmo (e, logo, sem a noção que o que interessaria no "canudo" seria a mais valia que a sua obtensão traria), e por mais ilícita que a sua atribuição seja, à luz de todos os que precisam de se esforçar para adquirir as reais competências que o canudo supostamente traduz (já agora: essas pseudo-universidades ainda funcionam? Os reitores, outros responsáveis entre os quais os "professores" coniventes com a palhaçada, onde andarão todos?).

Para além destes, há evidentemente gente com canudo (dos "bons") e que não se distingue profissionalmente, pois apesar de devidamente munido com as "armas", não tem depois o brio, a honestidade, a moralidade ou outro atributo qualquer para o correcto desempenho da mesma.
E há ainda outros, que sem canudo algum conseguem distinguir-se até à estratosfera (porque não pegar no exemplo extremo de Cristiano Ronaldo, que não precisa ser doutor em Universidade da treta alguma, para ser um português singularmente distinto no que faz a nível mundial).

Mas depois há esta espécie de gente pelo meio, que julga que com canudo sobe algum degrau na consideração social, como se o canudo quisesse dizer, por si só, alguma coisa. Quando nem trata o problema mais importante desses indivíduos à partida, e que é este defeito de personalidade que os inferioriza perante outros que nem se deviam preocupar em imitar. As consultas de Psiquiatria (ou, vá lá, de Psicologia Clínica) são assim tão mais caras que um curso imaginário de trazer por casa? O preço dos remédios que pudessem ser necessários são assim tão exagerados, quando comparados com a permanente ameaça deste frágil e patético telhado de vidro se estilhaçar? Sobretudo quando se trata de figuras públicas?

O que me leva a este blogger, uma espécie de enfermeiro (os com letra grande são outros, como tantos meus conhecidos, alguns amigos, que não vou inferiorizar comparando-os com esta alma perturbada) com muitas destas doenças "complexas" que refiro mais acima genericamente. Não complexas por serem raras, ou difíceis de diagnosticar, ou sequer (necessariamente) de tratar (ainda que a maior dificuldade nestes casos costume ser que o doente admita que tem doença, como em certos distúrbios aditivos). São complexas tão só porque dizem respeito a estes "complexos" de inferioridade (definição minha), que no caso dele depois se reflectem nesse blog, por sinal muito popular, e que é o espelho do que o anonimato pode fazer à falta de vergonha na cara. E o resultado é o ambiente malsão que se pode ler por lá, escrito por ele (sobretudo) mas também  abundantemente nas caixas de comentários. Um antro de desvirtude, incentivado pelo anfitrião, como só num blog se poderia admitir.

Duvido que alguém identificado ou identificável escrevesse isto, entre tantas outras coisas pelas quais passei os olhos no "histórico", após um amigo meu pouco amigo da minha paciência ter achado que o exercício me iria divertir, dando-me o link que eu desgraçadamente segui. Melhor dizendo, que o escrevesse e depois conseguisse sair à rua no dia seguinte, encarar colegas de trabalho, nomeadamente a massa de gente que acabou de insultar, neste vómito de calúnias e de processos de intenção que confunde com opinião ou "acusação" (não confundir este senhor com um whistleblower, que como disse já há algum tempo atrás, é uma espécie à parte, útil e que deveria ser melhor tratada pelo sistema judicial e institucional em geral).

Bem sei que agora estão a pensar: mas SExa também é anónima! Pois sou, mas ao contrário da criatura referida, assumo tudo o que aqui escrevo, repito-o no meu dia-a-dia, não insulto gratuitamente"classes profissionais" no seu todo com base em casos pontuais derivados de conversas próprias de uma tasca, tendo antes aqui e ali um ou outro alvo bem definido (como este agora), e vários dos meus amigos (médicos, enfermeiros e outros) sabem bem quem é o homem que assina pelo heterónimo "Placebo". Ou seja, a qualquer altura se poderá saber quem sou realmente, e não tenho medo algum desse dia (que provavelmente, diga-se já agora, há de chegar).

Porque o que aqui digo não me envergonha: define-me. O que aquele blogger cheio de recalcamentos pútridos não poderá concerteza dizer, salvo psico-patologia complexa (definição literal desta feita) que seja do meu desconhecimento.

Em dia de greve, gostava de sublinhar para o mentecapto que não foi por auferirem aqueles vencimentos que os médicos fizeram greve. Nem houve médico algum que "furou" greves de enfermeiros, pelo simples facto que só enfermeiros furam greves de enfermeiros, e vice-versa. E que ninguém lhe pede solidariedade, a sua ou a do "povo" (o que na sua concepção prepotente-complexada, deve ser a mesma coisa): há reivindicações (justas ou não), que podem ser compreendidas (mais ou menos) por parte do MS e das outras pessoas, e ponto final. Qual solidariedade? De quem pensa dessa forma inquinada que demonstra em cada linha que escreve por aquele blog abaixo? De tantos outros parecidos com ele? Solidariedade vinda "daí" é que seria motivo de preocupação.

Ninguém tem que calçar os "seus" sapatos. Temos que calçar os nossos, dos médicos, porque é de uma greve de médicos que se trata, pelos seus interesses, que são em muitos pontos (acredite-se, ou não) os do SNS, e da qualidade futura da Medicina no seu seio. Os problemas de enfermagem são outros, concerteza mais graves (resultado do laxismo e incompetência de Sindicatos e Ordem respectivos durante anos, que espero não se repita com os médicos), para os quais espero que existam solucionadores bem mais sãos, realistas e capazes que o referido blogger anónimo. Ou seja, o cu nada tem a ver com as calças (metaforicamente: uma greve nada tem a ver com os problemas de todos os outros).

Quanto à moralidade e à decência, deve existir em Medicina (e é um dos temas preferenciais por aqui, e aos quais mais me dedico por ter algum conhecimento de causa, e onde houve e continua a haver muito a fazer) como em todas as profissões, por mais que esse senhor goste de fazer crer que é problema exclusivo da minha classe profissional (que belo planeta ele habita, tão diferente do meu em que os problemas estão bem mais generalizados, tornando-os muito mais difíceis de resolver). Se ele ao menos falasse do que sabe (ou devia saber).

Por fim, terminava dizendo apenas que, às vezes, o facto de haver cheiro a merda (julgo ser este um calão tolerável, mas desculpem-me desde já os leitores mais sensíveis) não quer dizer necessariamente que ele provenha de algo que nos rodeia. E resolve-se facilmente, com um lenço e uma boa assoadela. Pode também ser preciso lavar os dentes e bochechar com elixir a seguir. Acho que ele devia experimentar....

sábado, 7 de julho de 2012

O Palhaço


Repare-se no belo texto que certo indivíduo sem vergonha na cara decidiu pincelar (publico tudo, mas para quem não gosta e perder tempo, fique-se pelo meu bold/sublinhado):

"Meu Caro José Antunes, 


No artigo de Opinião do Prof. Miguel Guimarães publicado no número desta semana (Tempo Medicina datado de 2 de Julho de 2012, número 1488), que acaba de me enviar, é-me atribuída uma afirmação que eu nunca fiz, que ele nunca ouviu e que não sei de onde surgiu [os médicos são uns privilegiados e não querem trabalhar]. Sobre a “minha” frase constrói a ideia de que eu estaria contra os Médicos e contra o Direito à Greve o que, obviamente, não é verdade. Como eu tenho o Prof. Miguel Guimarães na conta de ser uma pessoa de bem, ficarei grato se lhe fizer chegar esta minha nota com um pedido de desmentido. Muito se tem dito, opinado, inventado e construído sobre afirmações minhas. Não temo corporações, nem grupos de interesses e não me desmotivarei por ataques pessoais que apenas me são dirigidos por quem sabe da minha inabalável fé na convicção da luta pela verdade. Os Médicos são muito mais do que quem os diz representar e, enquanto Médico, não preciso de, nem aceito, lições de ética e responsabilidade de ninguém, em particular de dirigentes que olham mais para os seus interesses egoístas. Não respondo a ataques feitos por gente menos educada ou manifestamente maldosa, nalguns casos pouco inteligente, e quase sempre muito despeitada. Reagirei às mentiras e serei incansável na defesa do interesse público. Sobre serviço público, capacidade de sacrifício e mau salário sei tudo o que há para saber e tanto mais quanto nunca exerci outra forma de prestação de serviços médicos que não fosse através do SNS ou do Estado. Como tenho consideração e estima pessoal pelo Prof. Miguel Guimarães, que nunca confundi com dirigentes de fraco gabarito intelectual e ético,será importante que esta minha nota seja publicada. Não o misturo com aqueles que transmitem uma imagem errada dos Médicos e estou certo que o Prof. Miguel Guimarães também sabe que o meu pensamento e comportamentos são transparentes, deontologicamente inatacáveis e que estou bem mais preocupado com os Doentes, a Medicina em Portugal e a sustentabilidade do SNS, do que alguns agentes políticos e dirigentes de organismos profissionais que apenas fazem demagogia e alimentam confusões junto dos Médicos e da população. Os Médicos não merecem que se lhes minta, nem se deixarão instrumentalizar. Em Portugal, infelizmente, tem-se assistido a uma diminuição progressiva do nível da discussão sobre a Nossa profissão e isso é lamentável. Perdem os Médicos e perdem os Portugueses. O Prof. Miguel Guimarães terá, se o quiser, um papel importante e muito relevante na defesa dos interesses dos Médicos e, por isso mesmo, lhe peço que medite no que aqui escrevi e tenha a gentileza de me perguntar o que eu disse, antes de escrever sobre confabulações ou construções de frases que não são verdadeiras ou correspondem a interpretações fora de contexto. Para si, Senhor Professor, terei sempre a mesma atenção que dou a todos os Colegas que pretendem ter conversas sérias e construtivas. Como sabe, o meu gabinete está sempre aberto a quem me procura.


Cumprimentos, Fernando Leal da Costa, Médico, exercendo o cargo de Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Saúde"


Agora, recordem lá a afirmação aqui.


Parece mentira, e eu não tirei apontamentos enquanto ouvia (e voltava a ouvir), mas podia jurar que ele diz qualquer coisa como "(...) enquanto há outro grupo, bem mais privilegiado e bem melhor, que não quer trabalhar (...)", salvo anomalia otorrinolaringológica grave que me assole.
A única explicação, portanto, é que esse outro "grupo" privilegiado a que ele se referia, e que não quer trabalhar, fosse, afinal, outro que não os médicos que, estúpidos, enfiaram logo a carapuça (-risadinha icontida-).


Enfim, assim anda a caravana, neste país com governantes de faz-de-conta, com um nível tão rasteiro que já parece roçar a esquizofrenia.
O que se pode portanto esperar distorealisticamente, meus senhores?

quarta-feira, 4 de julho de 2012

Sobre o Ovo e a Galinha


Relativamente à excelência selectiva que (ainda) existe para o curso de Medicina hoje em dia, para o qual como sabem só acabam por ter acesso uns poucos dos muitos candidatos ao mesmo, já ouvi diversas confabulações nestes muitos dias que já conto.
A mais repetida das quais, com que muitos contam fechar o assunto nas conversas sobre o tema, é a que postula que "nem sempre os que têm melhor nota são os mais aptos a serem médicos".

Isto abre portas depois às mais diversas ficções dentro da ficção, ao nível da complexidade de uma "Terra Média" do senhor dos aneis, do império galáctico da saga "Guerra das Estrelas" ou do mundo de Harry Potter!

A saber: "muitos alunos que dariam excelentes médicos vêem-se remetidos para outros cursos" e "há alunos que apesar de terem boas notas nunca darão bons médicos". Vai um passinho até se achar, finalmente, que qualquer alminha que fica com vontade de puxar de um penso quando vê uma ferida sangrante deve poder exercer Medicina, e frequentar uma das Universidades que lecciona o respectivo curso (feita à medida das suas capacidades, por menores que sejam). E outro passinho até se ter a certeza que toda e qualquer alma com média acima do percentil 95 é um perigoso criminoso, ganancioso e outros "-osos" em potência, à espera de desabrochar aquando do Juramento de Hipócrates.

Temendo desiludir os iludidos, dois pontos:
-Ponto Um: a meu ver, o numerus clausus num sistema de saúde quase exclusivamente público como o nosso, deve servir, não apenas para o fim óbvio de satisfazer as necessidades com médicos suficientes para dar assistência universal (não gratuita, porque sabemos bem que é cara) à população nas diversas especialidades (o que já sabemos não foi, irresponsavelmente, acautelado há uns anos atrás, abrindo portas à palhaçada da importação de médicos de segunda que não tinham lugar nos sistemas de saúde dos respectivos países de formação), MAS TAMBÉM para evitar o sobredimensionamento em profissionais médicos, que por sua vez retire uma das coisas que esta profissão tem de mais apetecível aos olhos de um jovem de 18 anos candidato ao ensino superior, e que é uma certa garantia de estabilidade de emprego, bem como de uma remuneração que lhe permita ter pelo menos tranquilidade no exercício da sua profissão. Sem estes dois factores, não tenham a mais pequena dúvida que muitos vão-se afastar do pouco apetecível sacerdócio do curso e subsequente vidinha de estudo que o correcto desempenho da profissão exige. E dessa forma, os melhores candidatos afastar-se-ão deste exigente curso, e deixarão de ser os melhores (como acontece hoje, e vem acontecendo nos últimos 20-30 anos) a concorrer para amanhã serem nossos médicos.
-O que me leva ao Ponto Dois: se se considera que um sistema de ensino não estratifica da melhor forma os que o frequentam, e logo os candidatos, por exemplo, ao curso de Medicina, então alguma coisa está mal... COM O SISTEMA DE ENSINO!! Por outras palavras, se os que conseguem aceder ao curso de Medicina, sendo os que têm melhores notas no ensino secundário, não são os mais bem preparados que o ensino secundário produz, então alguma coisa está mal nessa estratificação do ensino secundário, e este deve ser reformado por forma a que os melhores e mais capazes (à partida) tenham as melhores notas.

Parece simples? Então para quê complicar? Para quê continuar a fingir que os melhores alunos deste país ao longo de várias gerações, de acordo com os critérios do nosso sistema de ensino (bons ou maus), são uma cambada de mafiosos a quem calhou uma espécie de lotaria entre mãos, que foi a de se tornarem médicos? Gostariam de "melhorar a triagem" de alunos com critérios subjectivos, como uma entrevistazinha a convidar à cunha? Acham que precarizando esta profissão (e seus profissionais), deixando de a tornar atractiva, vão ter melhores médicos no futuro? Mesmo a granel? Qual vai ser a triagem pós-graduada (já que se pugna em tentar destruir a pré-graduada) entre bons e maus médicos? Aquele que é contratado pelo Serviço Nacional de Saúde "pelo menor preço" é que vai ser bom?

Ganhem juízo.... E deixem-se lá de procurar nos maus exemplos da classe um retrato de todos.
A maioria de nós são apenas isso (como já o eram enquanto alunos de liceu): esforçados, dedicados e capazes!
Quanto aos corruptos, preguiçosos e caloteiros (que, pasme-se, também existem!), façam-nos só um favor: persigam-nos e afastem-nos das nossas narinas, que também não gostamos deles (e somos os que mais sofremos com a sua presença, depois dos doentes). Para isso espera-se um maior papel da OM, com maior capacidade de intervenção (nomeadamente em meios para o apuramento dos factos, que é um dos seus principais problemas, ficando actualmente quase sempre à espera das decisões judiciais para emitir pareceres), e mais investigação e dureza por parte da justiça perante os prevaricadores. Uma maior capacidade de punição laboral também faz falta (aumentar a flexibilização para DESPEDIR as ervas daninhas), aumentando assim a capacidade de intervenção dos directores dos serviços, desde que se alie a isso uma efectiva responsabilização dos mesmos pelo que se passa nos seus serviços. Também passa por se abrir portas às denúncias, e à sua efectiva investigação (aquilo a que tenho assistido nesse campo é desesperante, silenciando-se quem denuncia, fechando os olhos às evidências e arquivando-se os processos que justamente se levantam, mesmo em sede de Justiça).

Mas façam um favor a quem tem neurónios, e deixem-se lá de uma vez por todas das teoria que o mal está na selecção dos futuros médicos pelo critério dos que têm melhores notas no liceu, ou no seu número adequado às necessidades do país. Porque estarão a tratar um problema com outro muito maior, e de mais difícil resolução.

Por mim falo: aos 18 anos parecia-me bem vir a encarnar aquela figura sentada atrás de uma secretária (não parecia trabalho cansativo...), com aquele poder do conhecimento acerca do que se passava com as minhas entranhas (como descobri depois, altamente sobrevalorizado, diga-se de passagem...), e que me parecia ter vida relativamente desafogada (enfim, o meu médico de família foi um péssimo exemplo...). Vocação? Só entrei num Hospital no 4º ano do curso e nunca me apeteceu ir acampar num campo de refugiados em África, se é por aí que os caros leitores avaliam "vocações". Aliás diga-se que duvido que tivesse passado numa entrevista vaga sobre os meus sentimentos pela espécie humana em geral, que são desde esse tempo bastante semelhantes aos actuais. E, até para minha surpresa (porque ninguém, apesar de tudo, está imune a esta pressão da "vocação"), e contra as minhas melhores expectativas, acabei por me tornar naquilo que considero ser um excelente profissional de saúde, daqueles que conseguem fazer tudo o que é humanamente preciso para tratar, segundo as melhores orientações internacionais, os doentes que lhe aparecem pela frente.

Não posso pedir mais em termos de realização profissional. Mas já que dou tudo o que tenho, e que espero que seja tudo o que há para dar, espero no mínimo por algum reconhecimento pela justeza do meu trajecto de vida.

sábado, 16 de junho de 2012

Mas Que Raio...


Só há uma explicação possível para isto. O homem diverte-se com o seu novo papel de mete-nojo oficial do Ministério da Saúde!

Poderia aqui dissertar sobre o "grande grupo de portugueses privilegiados que não querem trabalhar", e explicar, para o caso de algum demente aqui passar para ler estas linhas, que não, ninguém me "privilegiou" com este curso, esta especialidade e este emprego que tenho, que tive que estar entre os melhores do liceu nas diversas provas requeridas para entrar na Universidade onde fiz o curso, que tive que trabalhar dias, noites e supostas férias para concluir com sucesso os seis anos do mesmo, sustentado a custo pelos meus pais, que tive que estudar dias, noites e aproveitar bem o tempo que medeia entre os dois para fazer o exame de acesso à Especialidade e escolher a que queria onde queria, que tive que trabalhar nunca menos de 54 horas semanais OBRIGADO por lei (porque nunca quis fazer estas horas que, afinal, agora me dizem sempre foram "extraordinárias") e pelas minhas chefias durante os 7 anos de internato (somados os dois), e que sim senhor, tenho um emprego e um contrato com o meu Hospital, mas cujo salário já foi unilateralmente revisto para -10% há um ano e outros -15% neste, mas que infelizmente me obrigam a cumprir um determinado horário e um conjunto de obrigações, e que, salvo distração extrema da minha parte, desempenho um papel relevante a salvar vidas na chafarica onde me arrasto diariamente.

Mas não quero dissertar sobre isso, porque isso não é concerteza o objectivo da ameba. A ameba, a pronunciar-se desta forma na comunicação social, pretende, única e exclusivamente, despertar nos muitos portugueses que não são "privilegiados" e que até "queriam trabalhar" um sentimento de empatia com as várias medidas atentatórias contra a classe médica, como se a situação de menor privilégio destes não fosse o resultado do trabalho de uma manada numerosa e mais ou menos organizada de bovinos partidocratas aparentados a ele, e aos quais ele tão boa sucessão oferece, contribuindo decisivamente para fazer ruir o que ainda se ia sustentando em matéria de Serviço Público com qualidade à população. Ou seja, ele no fundo não apenas pretende engrossar o grupo de menos privilegiados e de aspirantes a emprego precário, como ainda o quer fazer com as invejosas palmas dos que já pertencem ao clube.

Ele não diz honestamente que os "privilegiados que não querem trabalhar" até aceitaram, fazendo eventualmente demasiado poucas ondas, a revisão dos seus salários na proporção que referi (e que corresponde, sem contar com os impostos "menos directos", aos tais -25% em 12 meses), sem que os encargos com os quais aqueles se tinham comprometido nas suas vidas (sim, porque eles também têm vidas) fossem revistos nas mesmas proporções (os pobres coitados se calhar acreditaram ingenuamente que os contratos de trabalho celebrados com o Estado eram vinculativos...). Ele não diz honestamente que quer acabar (já acabou?) com a hierarquização dos profissionais de saúde em causa, e assim com toda e qualquer veleidade de estratificação meritocrática no sector, bem como da possibilidade de responsabilização directa pela melhoria dos cuidados (chamem-lhe "carreira", ou outra coisa qualquer menos ideologicamente cristalizada), iniciando pela primeira vez no sector um mega-processo de contratação "pelo menor preço", sem qualquer outro critério de qualidade. Ele não diz honestamente que fomenta um política de sobredimensionamento dos profissionais do sector, através da muito populista defesa do acesso "de todos os jovens que o queiram" ao curso de Medicina, tendo por objectivo único, já que não oferece actualmente trabalho aos especialistas que já existem (não se cansando de dizer que não há falta de médicos, mas sim de organização), o de proporcionar uma forma de desemprego certo a milhares de jovens, que assim andam entretidos durante uns bons tempos entre faculdade e internatos, para acabarem num desemprego ou emprego precário "de sonho", ou atirados para o estrageiro para não darem por desperdiçada a primeira metade das suas vidas úteis.

Ele no fundo não diz, e neste país do jornalismo do faz de conta ninguém lhe pergunta também, aquilo que só poderia dizer se não tivesse a preocupação permanente de lavrar este campo à sua maneira, fingindo perante os eleitores que o está a semear: que quer mudar o paradigma do SNS, mantendo-o público em versão low-cost para aqueles que não puderem pagar para ter acesso aos melhores profissionais nos privados, passando estes últimos a ser beneficiários de todos os que podem investir em alguma qualidade de atendimento, em sítios onde vão contratar com base em competência; claro que que ele também serve estes últimos proporcionando-lhes, com estas políticas, um número enorme de profissionais no desemprego, tornando-os "mais baratos". Não lhe faltam enfermeiros nessas condições, com os resultados que tão bem se podem contemplar nos dias que correm (propostas de trabalho a 3 euros/h), e a médio prazo não lhe faltarão médicos também. Menos reivindicativos, menos exigentes, mais submetidos ao patrão (Estado ou privado) e menos ao doente.

Isto faz deste homenzinho um hipócrita, um reles e cínico demagogo.
Que se intitula "médico", o que só confirma a propriedade das premissas inaugurais deste blog, que sempre pugnou pela separação entre o título ostentado e a prática exercida. E que se mantém.


Conto com o acaso, apenas por (infeliz) total ausência de fé no divino, para proporcionar a este senhor o que merece ainda em vida. Porque ele até mereceria. Bem sabendo que o acaso, infelizmente, joga contra mim e meus semelhantes, e a favor destes espécimens políticos e os que gravitam à volta deles (e que são tantos...), nestas sociedades moral e ideologicamente doentes como a nossa, e que teimam em não recriar um autoclismo para tudo isto que se vai acumulando até à estratosfera das nossas paciências.

sexta-feira, 15 de junho de 2012

Fernando Leal da Costa


Não me vou alargar sobre considerações pessoais sobre este senhor, que conheço de vista dos tempos em que fazia Hemato-Oncologia no IPO de Lisboa, e do qual não me ficou nenhuma impressão particular.

Vou falar antes sobre coisas concretas, como por exemplo algumas declarações da criatura política (que podem ser lidas aqui). Por exemplo: "A Ordem dos Médicos não deve ser corporativa e tentar diminuir o acesso dos jovens ao ensino da Medicina e dos jovens médicos às especialidades"; e ainda esta: "Queremos é que não haja nenhum corporativismo que encerre a profissão ao exterior", disse, sublinhando que, nesse sentido, o Governo tem vindo a aumentar os ‘numeros clausus’. "Não vamos consentir que eles sejam artificialmente encerrados", acrescentando que "o interesse nacional está acima do interesse corporativo".

Costuma-se dizer que o povo não se deixa enganar por políticos, e estou certo que a "guerra" mediática entre médicos e Ministério da Saúde (e derivados) não está a ser perdida pelos primeiros por mérito dos segundos. O problema é que também poucos acreditam, resultado de anos de propaganda negativa e de variadíssimos tiros nos próprios pés, em médicos, no sentido lato.

A imagem ficou, o preconceito está enraizado e vai ser difícil de apagar: as pessoas consideram os médicos uma classe priviligiada, corporativa, abastada, quando não desonesta, cínica, pedante e mercenária. Vários posts antigos versam sobre diversos aspectos destes. Poucos, hoje em dia, classificariam a profissão com adjectivos como "de excelência", "nobre", "altruista", e os médicos de "distintamente inteligentes e esforçados". O corporativismo é porém uma miragem, numa classe essencialmente desunida e clivada por regimes de trabalho diferentes (que resultam em remunerações díspares por trabalho semelhante, e que variam do oito ao oitenta), interesses diversos (público, privado, misto) e pensamento maioritariamente individual ou individualista, e só muito raramente colectivo.

O resultado disso é uma satisfação popular generalizada sempre que se "bate nos médicos". Um governante que o faça (como este, calculo, ainda que seja "médico") é tido como "corajoso", um governo (como quase todos neste século) que faça apanágio disso é considerado uma variante de Maria da Fonte de pá em mãos, contra uma espécie de máfia organizada e pérfida. De nada interessa ao povo que disso resulte que a sua saúde esteja cada mais nas mãos do "Pai Estado", e cada vez menos na pessoa que está à frente dela no consultório. Há quem lhe chame mesquinhez e inveja, por várias ilusões de bem-estar que nós não temos, e também com algumas bem reais vantagens que se vão deixando de verificar, estando à cabeça uma suposta "garantia de emprego".

E porque é que essa "garantia" é importante, neste sector em particular, no modelo actual estatizado de prestação de cuidados de saúde? Porque, entre outras coisas, não é crível que existam muitos interessados em passar os melhores anos da vida a marrar em suas casas, a concorrer com os melhores para aceder a uma vaga na Universidade, a marrar durante 6 anos de um curso extremamente exigente e desgastante, a trabalhar depois outros 6-8 anos a tirar especialidades no mesmo regime de exigência, a fazer depois sub-especializações e pós-graduações diversas, numa profissão cuja responsabilidade é enorme, se não for tendo por objectivo algum conforto remuneratório e alguma tranquilidade em termos de garantia de trabalho (ou vá lá, que exista pelo menos a possibilidade de "Mercado").
Isto sob pena de se tornar numa profissão muito pouco aliciante, por ser demasiado trabalhosa e custosa de concluir, em troca de muito pouco ou nada comparativamente com outras. O que a prazo se vai repercutir invariavelmente na qualidade dos serviços prestados. Quando deixam de ser os melhores a procurar um sector para nele trabalharem (e os melhores vão deixar, seguramente, de estar interessados nessas condições que se estão a proporcionar à classe), a qualidade desse sector descresce, sem apelo nem agravo.

Lamentavelmente, não se acautelou historicamente uma carência de médicos que se verificou entre 1995-2010. Foi má gestão do Estado, que deveria, depois da formação maciça de médicos nos anos peri-25 de Abril, gerir melhor as vagas no Ensino Superior, por forma a termos sempre médicos portugueses em número suficiente para assegurar os cuidados de saúde do país. Isto descambou na situação patética de termos que importar médicos estrangeiros para suprir necessidades essenciais dos serviços, enquanto estudantes portugueses emigravam para ser formarem em Medicina. Entretanto fez-se, tarde mas bem, um estudo para precaver futuras necessidades em recursos humanos no sector, por forma a não se repetir semelhante palhaçada. Cujas indicações, à boa maneira portuguesa (quanto terá custado o estudo?), não foram nunca seguidas, ultrapassando-se sistematicamente as reais necessidades de alunos, numa política cujo único objectivo é fragilizar a classe profissional através da geração de desemprego médico, permitindo desta forma negociar trabalho precário e salários infames com as gerações futuras (e que são as que actualmente estão nas Universidades).

O que me traz de volta à referida criatura careca, e que é tema deste post. É muito popular dizer-se que "os jovens" devem ter acesso a tudo o que querem, nomeadamente neste caso à sua pretendida "vaguinha" de Medicina, assim a modos que oferecida com os cumprimentos do Secretário de Estado, através de um esticar até onde ele conseguir dos "numerus clausus", sobretudo se se acrescentar como ele fez que se vai proporcionar isso "contra os interesses corporativos" dos malandros do costume. E "a bem do interesse Nacional", remata muito bem a coisa.
O que este cínico não diz é o que espera estes jovens, aos quais está a proporcionar este sonho, e que vai desembocar directamente para uma política que os pretende atirar a trabalho precário intra-muros ou à emigração.
O que este hipócrita não refere é que hoje, portanto com os numerus clausus de há doze anos atrás (pois quando se tomam medidas a nível da entrada para as Universidades, os resultados vêem-se na saída dos especialistas uma dúzia de anos depois), e que eram bastante mais parcos que os actuais, já não estão a fazer contratos aos especialistas que terminam os seus internatos da especialidade, propondo-lhes antes fazer horas contratualizadas a empresas para os quais os estão a empurrar, sem qualquer outro critério de elegibilidade que não seja a de contratarem aquele que fizer determinado trabalho pelo menor preço.
O que tem a dizer este careca hipócrita e cínico a estes jovens, agora sinceramente, relativamente ao que os espera? Com o superavit de saída de médicos que vai haver nos doze anos que vai durar a sua formação? Se hoje começam a ser especialistas demais para as necessidades, e todos os anos na próxima década vão continuar a sair cada vez mais das Universidades e internatos, quais são as perspectivas que ele tem para oferecer aos seus aparentemente tão acarinhados "jovens", a quem hoje promete a "vaguinha" contra os malandros que depois lhes vão ocupar os postos de trabalho que eles não vão ter à sua disposição? E que salário? Que emprego?

Já agora, excelentíssimo Senhor Secretário de Estado, onde é que sua Excelência vai estar nessa altura? Em que cargo de que empresa pública, ou subsidiária directa do Estado, ou de algum interesse que hoje está promiscua e cinicamente a defender?
Onde vai estar, só para esses jovens, que hoje tanto acarinha, saberem então onde o procurar?

quinta-feira, 7 de junho de 2012

O mais certo dos Aforismos


   






          "Isto vai acabar mal"

terça-feira, 5 de junho de 2012

A Bandalheira


Isto está a ficar bonito....

Uns teimavam obstinadamente em "adivinhar" quais as marcas de remédios cujos princípios activos funcionariam, deixando o manto da promiscuidade com a indústria farmacêutica assentar definitivamente na sua classe. Outros dizem agora que são farmacêuticos que se devem entregar aos exercícios de adivinhação (e sujeitar-se ao assédio da Indústria?). Ao mesmo tempo que acrescentam que, afinal, muitos destes remédios não prestam mesmo para nada, e que o Infarmed não consegue assegurar esse garante mínimo de qualidade do que nos podem vender nas farmácias.

Uns abandalharam as suas especialidades, admitindo tiques que o resto do mundo acha obviamente inadmissíveis, como o flagrante dersrespeito de horários, ou vícios de actuação impróprios da legis artis, como o inconcebível número de cesarianas que se verificam em Portugal. Outros agora põem em risco o funcionamento de serviços e a segurança de doentes, pretendendo cortar a direito com a necessária flexibilidade e disponibilidade de médicos através do uso de pontómetros, sem o necessário reforço hercúleo e provavelmente incomportável em meios humanos dos serviços. Ou ainda outros ousam ignorar o incremento de morbi-mortalidade perinatal e obstétrica associadas aos partos extra-hospitalares e sem os profissionais mais qualificados possíveis à disposição, num retrocesso digno daquelas criaturas que deixaram de acreditar na vacinação para protecção dos seus filhos de infecções evitáveis.

Uns abusaram da inconcebível penúria de médicos que se verificou por não se ter acautelado devidamente os numerus clausus em tempo devido, fazendo contratos milionários, que não eram precários porque imprescindíveis, ou aproveitaram infames medidas eleitoralistas para combates de listas de espera como os inomináveis SIGIC's, que demonstraram sobretudo que a ganância faz mover montanhas, e que a falta de pundonor e a preguiça grassam em sectores demasiados no seio da classe, sendo inclusive premiados. Outros agora, apesar da existência de estudos com qualidade para se precaver nova situação semelhante quanto às necessidades de meios humanos no sector para os próximos anos, não se fazem rogados e fazem tábua raza dos mesmos, admitindo overdose de licenciaturas no sector, tendo em vista a futura precarização do trabalho, que permitirá um dumping de salários a médio prazo, empurrando alguns dos melhores elementos das nossas escolas para o desemprego, para a classe média-baixa, para os privados ou para o exílio em países que optam por não desperdiçar meios em cursos caros sem saída, preferindo contratar os elementos que fazem funcionar os seus serviços de saúde a países como o nosso, onde é sabido que estimulamos a existência de porteiros com licenciatura e, pelo visto, treino em reanimação, capacidade diagnóstica e terapêutica.

Uns encostaram-se a leis laborais caducas, ideologicamente emperradas por ideários revolucionários que tudo pareciam justificar, e fizeram jus de passar os anos a chular o Estado arrastando as suas inúteis carcaças pelos hospitais sem nada fazerem de útil que justificasse os seus salários, protegidos por "Carreiras" pouco meritocráticas e "progressões automáticas" até à estratosfera dos limites da paciência (e dos bolsos) humana. Outros agora têm o descaramento de fazer concursos públicos, para contratação de profissionais médicos para o SNS, cujo principal critério é o "mais baixo preço/hora". Não a competência, o currículo, a experiência, os anos de serviço, a aptidão para o lugar pretendido. Nada disso. O critério, emanado de uma empresa de contratação, a mando do Ministério da Saúde, é a preferência por aquele que cobrar menos por cada hora de trabalho, ou aquele que se comprometer a ver "mais doentes" no espaço de tempo mais curto (um de 15 em 15 minutos, para ser mais preciso).

Anda tudo doido, e infelizmente não há imaculados nem inocentes nesta matéria. Facilitaria que houvesse, mas não há. Não se pode dizer que "dantes é que era bom", ainda que tal não justifique que se passe a ficar pior ainda, e a muito curto prazo.

É a segurança dos doentes e a universalidade de uma SNS COM QUALIDADE que está em risco. E sublinhei "com qualidade", porque estes governantes maliciosos, besuntados até ao tutano por interesses de quem quer lucrar com este sector, nunca vão dizer que querem acabar com o SNS. Vão dizer que querem "poupar". E que querem poupar "com médicos", o que nos dias que correm até dá votos. E estão de facto a fazê-lo, mas às custas da qualidade. Os hospitais públicos vão ficar progressivamente espremidos dos seus melhores profissionais, que migrarão naturalmente para locais (privados ou estrangeiro) onde premeiem a competência com salários condizentes, e irão secar, apesar de garantidamente bem cheios de uma horda de tarefeiros indiferenciados dispostos a trabalhar quase de borla, por não lhes ser reconhecida competência para os mais altos vôos. Para se ter um certo nível de Medicina vai começar a ser preciso pagar, e a recorrer aos privados. Quem não puder pagar contentar-se-á com o resultado a que esta política vai irremediavelmente conduzir o SNS. O que receio bem vá ser muito pouco, ou demasiado mau.

Acredito, apesar das inúmeras vicissitudes que me levam tantas vezes a criticar de forma mais ou menos mordaz algumas facções da minha "Classe" (aquelas que, no fundo, têm muito pouca classe), e que são facções cínicas, incompetentes, e não merecedoras da profissão que exercem e do salário que ganham (uma vez que parte do bolso de todos nós, no actual sistema em agonia), acredito dizia eu que apesar de tudo isso, há uma maioria de médicos silenciosos, briosos, trabalhadores, competentes e geradores de uma saúde de excelente qualidade para a população portuguesa, como acabam por demonstrar diversos indicadores de saúde devidamente validados, e como poderão testemunhar aqueles que, infelizmente, mais acabam por precisar de cuidados de saúde (não tenho disso dúvida alguma). Não há serviços de excelência em todo o lado, mas há seguramente muitos serviços de excelência espalhados por esse país fora. Não estamos povoados em exclusividade com médicos dignos desse nome, mas há concerteza imensos médicos, uma maioria, que faz tudo pelos seus doentes, e que o faz bem, de acordo com o que de melhor se sabe a nível mundial nesta Ciência.

O futuro da Medicina em Portugal tem que passar por eles, pela sua valorização, para garante da Universalidade de cuidados com qualidade aos portugueses. E até precisa da sua indispensável contribuição directa nas decisões para racionalizar o que é possível em tempos de contenção, sem comprometer o essencial na saúde da população.

Só espero é que as pessoas consigam percebê-lo, antes que seja demasiado tarde. A começar pelos médicos.

terça-feira, 10 de abril de 2012

Responsabilidades


Estou a ficar mais velho, e por isso vou-me confrontando lentamente com algumas "pérolas" jurídicas do nosso país, que me permite nesta altura concluir pelo seguinte aforismo:
-Só quem faz é que pode ser acusado de fazer mal. Quem nunca faz nada, em Portugal, nunca é responsável por crime algum.

Parece lógico? O nosso sistema judicial também acha, e já me confrontei um par de vezes com calamidades de injustiça decorrentes desta anormalidade.

Longe vão os tempos em que eu pensava que alguns colegas meus eram completamente loucos, não viam os seus doentes decentemente, não escreviam nada nos processos, e quando as coisas davam para o torto, lá tinha que ir um de nós, os que vêem os doentes, os que escrevem nos processos dos doentes, os que tratam os doentes, para salvar a vida da criatura. E pensávamos: "como é possível que alguém seja irresponsável ao ponto de (não) fazer um trabalho destes"?
Que ingénuo que eu era.... Hoje já sei a resposta, e afinal "eles" são os espertos, e "nós" os burros.

De facto, quem não escreve, nem faz, na altura da verdade (a da investigação de uma queixa de algum doente, ou familiar de doente, acerca de um bem ou mal-fundada negligência), nunca é acusado de nada. Vão-se procurar os "suspeitos de crime" onde? Ao processo! E eles, os (ir)responsáveis, não constam do processo!

-"Então porque é que o Dr não viu ou não fez nada"?
-"Já não me lembro".
-"Mas o doente estava muito mal no dia x, porque não escreveu nem fez nada"?
-"Não me lembro desse caso, foi há muito tempo".
-"Mas o Dr y é que foi ver o doente no dia da sua morte, e ele escreveu que o estado era muito avançado, e já não conseguiu salvá-lo por se ter ultrapassado o timing de reversibilidade da doença, sugerindo que o doente tinha sido anteriormente mal abordado"!
-"Então vai ter que falar com o Dr y"....
-"Mas como é possível que o Dr é que era o Médico Responsável do doente, e que só haja registos da sua interna? Você não vê os doentes com a sua interna? Não é o tutor dela? Não está no Serviço a apoia-la todos os dias?"
-"Sou, mas ela é responsável pelo que escreve, é a ela que tem que fazer essas perguntas".
-"Mas apoiou-a, concordou com ela e subscreve o que ela escreveu no processo deste doente em concreto?"
-"Não me posso pronunciar sobre isso, não me lembro do caso concreto".

Quem vai a tribunal neste caso? É a desgraçadinha da interna! O "médico (ir)responsável" não escreveu, logo é ininputável. Em vez de trabalhar estava noutro sítio qualquer, ou simplesmente não ligou nenhuma aos doentes a seu cargo, deixa a interna sozinha e angustiada a dar o seu melhor, sem ela ter os conhecimentos muitas vezes necessários para resolver algumas situações mais complexas (e são essas que correm mal), ela fez o melhor que sabia, e escreveu no processo sempre sem comprometer o irresponsável que a devia tutelar, porque é de mau tom criticar por escrito quem nos vai depois avaliar o desempenho, e acabou a responder nos tribunais por uma negligência que não foi dela, enquanto o verdadeiro (ir)responsável alega falta de memória, remetendo a sua responsabilidade para os seus inexistentes registos. Quem registou lixou-se, quem não fez nenhum safou-se.

O mesmo acontece com os pedidos de observação dos doentes. Há um mesmo médico (ir)responsável pelo doente, e que pede um parecer à especialidade x. O médico da referida especialidade dá um determinado parecer por escrito. O doente não é depois devidamente avaliado, e a coisa corre mal, e acaba de alguma forma nos tribunais (inapelavelmente muito, muito tempo depois...).
O médico (ir)responsável só escreveu até pedir o parecer. Depois do parecer, o processo clínico é um deserto.
-"Então o Dr não observou mais o doente depois de ter pedido este parecer ao seu colega, nos 3 dias seguintes, até o doente ter morrido?"
-"Não me lembro"
-"Mas não escreveu no processo"
-"Escrevi, até pedi um parecer ao especialista x!"
-"Mas então o que é que aconteceu ao doente depois de ter sido observado pelo seu colega"
-"Isso será melhor pedir ao meu colega, eu pedi-lhe um parecer porque achava que ele tinha uma doença relativa à especialidade dele"
-"Mas tinha?"
-"Foi o que escrevi, por isso lhe pedi o parecer"
-"Mas então o que aconteceu ao doente depois?!"
-"Deve ter havido uma complicação no contexto da especialidade desse colega, por isso é que pedi o parecer"

Quem é que se vai sentar no banco dos réus?...

Como estes, tantos outros exemplos que haverá por esses hospitais fora....

O mundo é mesmo um local perigoso. E a "Justiça" é uma espécie de placebo das nossas consciências, quando não uma iatrogenia!

E os nossos antepassados, raios os partam, deixaram-nos uma sociedade de pantanas entre mãos. Escondem-nos isso até bem tarde nas nossas vidas, deixando-nos crescer com a impressão que há alguma arrumação social tendencialmente meritocrática.

Mal de quem se vê envolvido nas malhas destes processos.... Diz-me a experiência que os realmente maus não costumam ter problemas. São autênticos fantasmas. Os bons, aqueles que aparecem, que assumem, que escrevem, é que se lixam sempre.

É a vida....

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Patrões



As sociedades europeias fazem gala de terem legislação que protege o povo da "tirania intrínseca" dos "patrões", olhando com alguma sobranceria e nojo para sítios mais liberais ou libertários, sendo o exemplo mais comumente apontado o dos EUA, onde se admite que a sociedade é menos "solidária", menos sensível à pobreza dos desgraçados e às desigualdades sociais (que, como se sabe, e por nossa definição, é sempre culpa de circunstâncias alheias ao indivíduo, ou por outrras palavras, culpa dos outros, dos "mais abastados").

Há pois por cá essa cultura de culpabilização do sucesso, e de desculpabilização de tudo o resto. O mérito é sorte. O trabalho é privilégio. A inteligência é arrogância. Do outro lado, o demérito é azar, a preguiça é discriminação, a ignorância é condição natural da qual se é sempre inocente.

Enfim, de acordo com esta cultura que é a minha, tenho que confessar sentir-me violentado pelo meu "patrão". O meu patrão contratou-me por x, e retirou 10% ao meu salário sem apelo nem agravo. Depois, apesar de termos acordado 14 salários anuais aquando da minha contratação, decidiu unilateralmente passar a pagar-me apenas 12. Finalmente, depois de anos a obrigar-me a trabalhar mais horas que aos demais trabalhadores (o meu patrão legisla as leis que depois executa, não sendo passível de ser levado à justiça, que já agora convenientemente não funciona quando dá jeito que não o faça), pagando-me em função dessas horas que me obrigava a fazer, decidiu agora que me iria pagar metade pelas mesmas (e ainda que tenha recentemente voltado atrás, não interessa, fê-lo apenas por ter constatado que de facto não conseguia assegurar o meu trabalho de outra forma, ou seja, com a minha precaridade).

Este "patrão" é o sacro-santo Estado, que por esta Europa fora se endeusou como forma suprema de garante da justiça que falta aos outros modelos sociais.

Mas eu estou farto deste patrão, que a mim parece cada vez mais um caloteiro hipócrita, na medida em que, tendo esse poder, não permite que eu tome as mesmas decisões para com os meus credores. E já tentei, dizer ao meu banco que passava a pagar menos 25% da prestação da casa, aos senhores da luz, do gás e da água a mesma coisa, aos senhores das gasolineiras, dos carros e dos bens de consumo em geral que não pagava mais os 23% do IVA. Tentei e não resultou....

Ou seja, apesar de toda esta aculturação, acho que aqui há gato. Começo a ficar curioso de saber como será ter um patrão que celebra comigo um contrato, e que o cumpre. Ou que, se não o cumprir, é levado à justiça e é punido de acordo com leis claras e que não mudam em função das suas conveniências. E esse patrão imaginário, desgraçadamente "liberal" ou "libertário", parece-me, curiosamente, muito atractivo à luz dos presentes dias.

Julgo que vou desde já é começar a procurá-lo, porque do outro começo a ficar farto....

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

We (Don't) Want You


Vou contar uma pequena história da minha vida (bem sei que o interesse é relativo, mas o espaço é meu, por isso...).

Cresci no seio de uma bela família de classe média-baixa, quiçã mais abastada que a média, fruto de terem procurado os meus progenitores sustento por outras bandas que não este ingrato rectângulo onde vivemos agora.
Deram-me uma educação (na altura não era para todos essa possibilidade), e sem me ter apercebido de onde teria vindo a ideia, a minha mãe a partir do meio da minha adolescência começou a ventilar aos nossos próximos que eu "gostaria de ser médico".
Nunca fiz muito caso desse seu delírio, mas enfim, sempre fui bom aluno na escola, e à falta de melhor alternativa, chegada a altura, lá optei por enveredar por Medicina.

Vocação? Nem sei bem o que é isso ao certo, acho que as vocações que eu eventualmente tive era ser polícia para aí até aos 10 anos de idade, futebolista até ao 14 e jornalista desportivo depois disso. Medicina? Não, não me apetecia descobrir a cura para o cancro nem partir para África em missão humanitária aos 18 anos. Como disse, à falta de melhor "vocação", parecia-me engraçada a perspectiva, para um rapaz espertinho como eu, de atingir um estatuto que eu próprio dava aos médicos, que sempre vi como entidades estranhas que conseguiam saber coisas que me pareciam simplesmente fora do alcance do comum dos mortais, para além que me parecia que todos ganhavam a vida pelo menos de uma forma bem satisfatória, isto adicionado ao facto que nunca me pareceu que trabalhassem por aí além.

Ou seja, na minha doce ilusão, iria aprender a ser assim naqueles 6 anos de curso (depois descobri que eram mais 2 de Internato Geral e mais 5 de Internato Complementar), e que depois disso teria dinheiro e tempo para desfrutar da vida. Era a recompensa por ter sido bom naquilo que todos me pareciam pedir para fazer bem: estudar.

No 4º ano da faculdade, tinha eu uns 22 anos, entrei pela 1ª vez na minha vida num Hospital, e contactei pela 1ª vez com doentes internados, e até hoje, bem, aí não vos vou maçar mais com o desenvolvimento desta história.

Grosso modo não me enganei (ou a minha mãe, melhor dizendo, não se enganou). De facto, quase 20 anos volvidos, sinto-me bem com os meus conhecimentos na matéria, confortável no exercício da profissão, sinto-me realizado (muito à custa -e esta é uma característica da "Classe" em geral- de um ego que se alimenta a si próprio), ganho bem a vida (mesmo que isso não queira dizer que seja jogador de golf, que passe as minhas férias no estrangeiro ou que me deleite em SPA's no fim-de-semana), e só a parte do volume de trabalho é que me saiu um pouco furada, relativamente às minhas expectativas.
E, sorte suprema, até gosto muito do que faço, ou seja, desenvolvi a tal "vocação", que me parece improvável que possa existir honestamente aos 18 anos (ainda que não exclua a hipótese de haver por aí muito adolescente borbulhento muito mais maduro do que aquilo que eu era...).

E esta historieta para dizer o quê, perguntam os pacientes leitores que chegaram a este parágrafo?

Para dizer que caso tenham uma progenia semelhante à que eu tive, não se deixem enganar, porque as coisas mudaram.
Não enveredem, jovens pré-universitários, na sequência da excelência no desempenho do que vos pedem no liceu, por este ramo. Invistam noutras áreas, porque aqui em Medicina, o objectivo desta sociedade em que nos encontramos parece ser apenas e só um: desvalorizar tudo aquilo que vocês fizerem ao longo da vida, para vos nivelar pelo mais baixo que conseguirem, e têm-no conseguido muito bem.

Vão-vos começar por chamar "privilegiados", como se alguém vos tivesse oferecido o curso e ele não tivesse sido alcançado fruto do vosso esforço, do vosso trabalho e de privações. Estão a fazer proliferar Universidades e médicos com o único intuito de provocar desemprego, para, dizem, tornar mais "competitivo" o sector, quando na realidade têm por único objectivo poderem-vos pagar o que quiserem, com a alternativa de vocês não conseguirem ganhar nada. E dir-vos-ão, se não estiverem satisfeitos, ou se não comerem e calarem, que podem sempre emigrar (o que, vá lá, não será muito difícil, caso se mantenham por cá os actuais padrões de qualidade na formação). Vão-vos dizer que vocês são "técnicos de saúde", e não médicos. Vão-vos tratar, fazendo publicamente gala disso, como se trata "qualquer funcionário público". Vão insinuar que aquilo que fazem pode ser feito com a mesma eficácia por diversos outros profissionais, que não tiveram que trabalhar metade do que vocês trabalharam para depois reivindicar competências equivalentes às vossas.
E o povo, esse que tanto vos admirou por serem trabalhadores, atinadinhos e dedicados aos estudos, é o mesmo que vai deixar de gostar de vós a partir do momento em que lerem o juramento de Hipócrates, passando a aplaudir e a votar naquele que mais vos achincalhar com voz grossa.

Ou seja, nem reconhecimento (que eu ainda pude ter), nem dinheiro (que eu ainda pude ter), e muito menos qualidade de vida no trabalho (que, salvo raras excepções, de facto nunca existiu para a maioria).

Não desperdicem as vossas capacidades intelectuais, quando chegar a hora de escolher um caminho terminado o liceu, em Medicina. Dá trabalho, muito trabalho, e deixou de compensar por todos os motivos que referi.
Deixem que se vulgarize o que de qualquer forma vai sendo vulgarizado, pois aqui vocês deixam de ser "inteligentes" a partir do momento em que escolhem Medicina, e passam a ser "marrões" com motivações meramente mercenárias.

Mas gostam da área de "Saúde"? Não sejam parvos, há milhentos de alternativas à Medicina bem menos trabalhosas e bem mais compensadoras, mesmo em "Saúde", onde as probabilidades de brilharem com muito menos esforço são bem melhores. E com mais futuro.

Quem vos avisa....

sábado, 7 de janeiro de 2012

"O Amor à Camisola": Retrato de uma Insatisfação Colectiva


"O Serviço Nacional de Saúde funciona 24 sobre 24 horas, 7 dias por semana, semana após semana. Como é isso é feito?
Os enfermeiros e os auxiliares trabalham por turnos. Os médicos não.


Os médicos têm um horário “normal”, X horas por semana (35, 40 ou 42 horas, conforme o regime de trabalho), em que fazem tarefas “normais”: cuidam dos doentes internados nas enfermarias, fazem consultas, exames complementares, cirurgias.... Dentro dessas horas “normais”, estão incluídas 12 horas de “urgência”. São horas em que prestam serviço nos Serviços de Urgência, Unidades de Cuidados Intensivos, Urgências Internas de apoio aos serviços, etc...


Porém, as 12 horas semanais de “urgência” de todos os médicos não chegam para assegurar o funcionamento 24 sobre 24 horas, 7 dias por semana, semana após semana, de todos os serviços de saúde que não podem parar.
Por esse motivo, há mais de 30 anos que, por lei, os médicos podem ser obrigados, mesmo que não queiram, a fazerem até 12 horas extraordinárias de trabalho por semana.


O problema é que, mesmo essas 12 horas extraordinárias de todos os médicos não chegam para assegurar o funcionamento 24 sobre 24 horas, 7 dias por semana, semana após semana, de todos os serviços de saúde que não podem parar.

Então, já há muito tempo, os médicos trabalham o seu horário semanal habitual, trabalham as 12 horas extraordinárias a que são obrigados por semana, e, muitas vezes, trabalham ainda mais períodos de 12 ou 24 horas extraordinárias a que não são obrigados, mas a que se dispõem mesmo assim. Porquê? Por motivos de dois tipos:



1) motivos financeiros: as horas extraordinárias são pagas a um valor que permite aos médicos aumentarem o seu vencimento mensal.
2) “amor à camisola”: os médicos trabalham para instituições às quais sentem pertencer. O prestígio da instituição é o seu prestígio. O desprestígio da instituição é também o seu. Quando um colega lhes diz “tenho um buraco na escala de urgência da próxima semana, não me fazes um favor e fazes mais 12 horas?”, com frequência dizem que sim, por sentirem ser um pouco o seu “dever” assegurar o funcionamento sem falhas da “sua” instituição.


O problema é que este “amor à camisola” já há alguns anos que não existe, que é passado. Porquê?
Os médicos deixaram de pertencer ao “quadro” do hospital, passaram a ser contratados a Contratos Individuais de Trabalho. As vantagens não financeiras desapareceram (ADSE, apoio na doença, segurança no trabalho e nas regras de contratação, etc..). Deixou de haver impedimento às mudanças de médicos de um hospital para outro, o que passou a acontecer com frequência. Passaram a trabalhar nos hospitais, nomeadamente nas urgências, médicos “free-lance” que fazem 12 horas de urgência neste hospital, 12 horas no outro hospital, sem pertencerem propriamente a nenhum. Os médicos deixaram de “pertencer” a este ou àquele hospital, e passaram a existir no hospital muitos médicos que lá vão trabalhar só umas horas. E daqui a uns meses já são outros.
Desapareceu o “amor à camisola”.
Sobraram os motivos financeiros. Mesmo com estes, sempre foi difícil arranjar médicos para assegurarem todos os serviços, 24 sobre 24 horas.


E agora...
Com o novo Orçamento de Estado, o Ministro da Saúde acabou com este último incentivo às horas extraordinárias. E abriu uma Caixa de Pandora da qual não se apercebeu.


Após anos e anos a fazerem horas intermináveis extra nas urgências, os médicos já não têm agora nenhum motivo para as fazerem. Já não são obrigados por lei a fazerem horas extra. Já não lhes é financeiramente compensador fazerem horas extra. Já não sentem os problemas da instituição como “seus”.


Os serviços não funcionam sem as horas extra dos médicos. Mas estes estão fartos. Aceitaram o corte de 10% no vencimento em nome da crise (como todos os outros funcionários públicos). Aceitaram o corte de 2 ordenados em nome da crise: total 23% do vencimento (como todos os outros funcionários públicos).


E até aceitam o corte no preço pago pelas horas extra.
Só não aceitam é fazê-las."


Dr Tiago Tribolet Abreu "dixit", aqui reproduzido a partir das redes sociais onde foi originalmente publicado, com a sua autorização

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

"Ultra-Liberais"


Ventos de esperança sopram dos EUA, através da impressionante campanha do "republicano" Ron Paul, liberal convicto (o único?) da escola económica austríaca, que defende menor intervenção do Estado na Economia e na vida das pessoas em geral.
As aspas, para os que não são seguidores, devem-se ao facto dele estar encaixado no partido por razões meramente conjunturais, dado que naquele país não se faz política fora de um dos dois grandes (ele tentou no passado e não conseguiu). Razão pela qual, aliás, ele é odiado por uma facção maioritária do mesmo, só se verificando algum destaque da sua parte por ausência de alternativas realmente consensuais do verdadeiro senso da maioria daqueles eleitores. E ele lidera nos menores de 40 anos, e nos independentes que chegam ao partido (única e exclusivamente pela sua presença no mesmo).

Liberal deve advir de liberdade.

Como ele tão bem ensina, e demonstra, não há liberdade com muito Estado. O Estado retira liberdade expropriando o dinheiro dos contribuintes, para depois redistribuir uma pequena parcela pelos mesmos, arbitrariamente e sem sentido meritocrático, guardando uma significativa parte para os seus boys e girls, sob a forma de administradores de empresas públicas e tachos que tal. E o Estado perpetua-se, porque, lá como cá, dois partidos revezam-se sazonalmente, não estando por isso nada interessados em mudar um estado de coisas que tanto os favorece e aos seus enraizados lobbys.

Mas isto não é uma Democracia? O povo não pode optar diferentemente?
Não, não pode. Qualquer alternativa política, por mais séria que seja, é aniquilada por algumas tiradas mainstream dos media (controlados, evidentemente, pelo omniprsente Estado), pela desacreditação desavergonhadamente caluniosa, e pela cultura do medo. E esse medo resulta do simples facto do Estado estar em todo o lado, por tirar muito a todos (particulares, empresas...), para depois voltar a dar alguma coisa a alguns (que até podemos ser nós), mas esse "alguma coisa", de tanto que nos tiram, passou a ser quase imprescindível para a nossa sobrevivência, já não conseguimos viver sem esse "alguma coisa" que nos devolvem, e aqui estamos todos a embarcar na caravana para não morrermos de fome amanhã, ainda que estejamos a ficar gravemente desnutridos a médio-longo prazo.

Estamos reféns das migalhas que nos dão, após nos terem roubado o pão.
Mas como sempre nos roubaram parte significativa do pão, já não sabemos bem se o saberíamos gerir se, por milagre, ele ficasse inteiro para nós. E isso também assusta.
Saberíamos guardar o pão para a velhice? O Estado diz que consegue (ainda que as reformas sejam cada vez mais uma miragem, e cada vez mais insuficientes para aqueles que as têm).
Saberíamos poupar o pão para uma eventual doença intercorrente? O Estado é o"garante" da saúde "universal" (e, não se riam: "gratuita"!!), ainda que todos no meio saibamos, e até comecem a abundar exemplos, de como se consegue fazer melhor com menos.

A inveja que tenho deste empresário que agora desertou, deslocando-se para local mais civilizado, onde não lhe roubam tanto do fruto do seu trabalho e da sua boa gestão, para depois desperdiçarem o saque com uma corja de rotativos mamões. Eles, os mamões, esperneiam, mas sabem bem que são a causa dessa fuga, e só cá fica quem, como eu, não tem tanta certeza que o abandono do conforto do "país Natal" compense. No lugar dele teria seguramente feito o mesmo, só que há mais tempo, prometendo não voltar enquanto fossem os mesmos símios a mandar nisto (o que se arrisca a significar muito, muito tempo).

Somos ingleses em Nottingham, o xerife tira-nos tudo e não há Robin dos Bosques à vista, nem qualquer floresta de Sherwood a acalentar no seu seio alguma esperança de mudança futura.

Não há? Talvez haja. Talvez Robin seja Ron Paul, e talvez Sherwood seja esse país de boa inspiração no passado (que foram os EUA pré-colonialistas). Gosto de imaginar isto nestes tempos deprimentes, de ideias esclerosadas e sem ideais viáveis à vista.

Pouco Estado nas nossas vidas, ou Estado mínimo para garantia da propriedade privada, da segurança Interna e Externa, e da Justiça. E que resulta num regime de "Imposto Mínimo", a ser usado rigorosamente para aqueles fins (e, conceda-se, numas quantas alíneas sociais que importa assegurar, nem que seja para não dificultar ainda mais o desmame da "subsidio-dependência"), acabando-se as mamas para "decisores públicos" para tudo e mais alguma coisa, de "gestores públicos" de empresas insolventes, inviáveis e falidas, e dessa tacharia toda sem fim.

Não queremos Estado a dizer-nos o que podemos comer, o que podemos fazer nas nossas horas livres, o que devemos ver na televisão, nas ruas, nas salas de cinema ou no teatro.

Não queremos Estado a obrigar o nosso filho a estudar acolá, pelo simples facto de morarmos ali. Queremos pôr o nosso filho a estudar no sítio onde lhe proporcionam melhor educação, onde eles se sinta melhor e onde existam melhores condições de apoio aos pais na função educativa, de acordo com o NOSSO critério. E também não queremos que o Estado condicione professores e gestores escolares, nem que obriguem ao ensino disto ou daquilo porque assim alguém de duvidosa capacidade arbitrariamente decidiu, eles têm que poder orientar-se autonomamente, para depois nós decidirmos se optamos ou não pelo modelo que nos estão livremente a oferecer.

And so on, and so on....

Este post não tem fim à vista mas tem mesmo que acabar, e Ron Paul não será presidente dos EUA, já sou demasiado velho para começar agora a acreditar no sobrenatural que seria tanta evolução no espaço de uma única geração. Mas a semente está aí, já tem raízes e vai crescer, até secar secar definitivamente o Keynesianismo reinante de uma vez por todas. Vai levar é algum tempo....

Mesmo que o senador chegasse a tornar-se numa ameaça, ele seria seguramente liquidado, pelo simples facto de haver demasiados interesses, e demasiado grandes e poderosos, na manutenção do status quo.

Talvez num amanhã se cante.
Bem haja Ron Paul!