quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Tamiflu (r), essa Miragem....

Morreu agora um menino infectado com o vírus da Gripe A.
Morrem todos os anos alguns, com os parentes desse vírus, infelizmente, e que ninguém se atreva a procurar justificação ou justiça nisso.
Mais que a natural não-conformação dos pais, em luto, talvez no pior que se pode conceber, importa realçar a irresponsabilidade jornalística, mas enfim, procurar responsabilidade no Jornalismo de Hoje faz o mesmo sentido que defender as florestas no Sahara.
Acima de tudo, o supremo engano, que alguns colegas meus desgraçadamente parecem insistir em promover: o de que o oseltamivir (vulgo, Tamiflu (r)) evita o que quer que seja, cura o que quer que seja, previne o que quer que seja, apesar da inexistente evidência de tais factos.
Há uma recomendação, e ela deve ser cumprida, mas baseada em duvidosos critérios de "probabilidade de eficácia", NÃO demonstrada nunca, ainda, em estudos randomizados duplamente cegos, contra placebos (e por placebo importa salientar a importância de comparar essa molécula a tratamento sintomático com anti-inflamatórios e anti-piréticos!), ao mesmo tempo de um confortável grau presumido de "boa tolerância".
Presunções, e quem se dedica a esta profissão deveria ter tento na língua antes de insinuar que fulano infectado com H1N1 "devia" ter tomado essa molécula, e que essa molécula "teria" evitado o que quer que fosse.
Para os pais, que não conseguem (porque não) filtrar essa informação, obviamente que tal notícia tem o condão de dirigir indignação e raiva contra aqueles que, desprotegidos nesta palhaçada mediática em que vivemos quanto a este tema, acabam depois por ver manchada uma actuação em princípio sem mácula (pelo menos quanto à não administração da molécula, ou das consequências que isso teve no prognóstico verificado).
Por outras palavras, morreu uma criança, e a criança estava infectada com o H1N1.
O que sabemos mais?
-Não sabemos porque morreu;
-Não sabemos o que poderia ter sido feito para evitar a morte (seguramente que não oseltamivir, mas essa é uma pedagogia que, de tão embrionária, me parece condenada ao aborto...);
-Não sabemos se teria sido razoável ter outra atitude na fase em que foi inicialmente observada pelo Serviço de Pediatria do HSFX (e por razoável entende-se: reprodutível a todos os casos no futuro).
Sabemos que morreu, e que isso foi dramático.
Devem-se procurar respostas, as causas, para se melhorar no futuro, se possível, e esclarecer a população.
O que não se devia fazer, seguramente, era aproveitar de forma rapina este drama para vender papel. Mas a vergonha na cara, infelizmente, não queima.
Os meus pêsames a quem está de luto.
Mas também a minha solidariedade aos profissionais que estão enredados nesta polémica, pelo menos até que se apurem eventuais culpas, de má prática (que NÃO o não ter prescrito aquele placebo!) ou de negligência.
Mas isso vai ser bem investigado, podemos estar descansados quanto a esse ponto, resta saber se vamos conhecer as conclusões. Arriscar-me-ia a dizer que não, já que essas, provavelmente, não deverão ser nada mediáticas.
Mas cansa-me, esse remake insano dos nossos tempos....

terça-feira, 27 de outubro de 2009

Nota Editorial

Para que conste, apesar deste blog por intermédio do autor ser manifestamente contra a "paranóia gripal A" que se instalou, desde o seu surgimento, pelo burgo (este e os do restante habitat global), urge esclarecer que:
-Não se defendem aqui posições de putativas manobras intoxicadoras das altas elites norte-americanas ou outras, com a criação e/ou incubação e posterior disseminação do vírus (pelo simples facto que são... mera especulação);
-Não se dá o menor crédito à insana tentativa de se comparar os ínfimos efeitos secundários da vacina "anti-gripe A", em termos de doenças desmielinizantes do sistema nervoso central e periférico, com a maior (ainda que pequena) morbi-mortalidade de qualquer "gripe";
-E logo, defende-se que, tal como sucedia com a gripe sazonal, e de acordo com critérios "meramente" científicos, os grupos de risco se devem vacinar, por motivos não apenas de saúde pública (já não se falando aqui em termos de controlo da disseminação do vírus, obviamente impossível desde o início, mas sim de controlo da mortalidade acrescida que se verifica nesses grupos), mas também (sobretudo?) de evicção do colapso social de certas instituições fulcrais em qualquer época de gripe, seja ela sazonal ou "pandémica".
Ou seja, toda esta troupe de teóricos bacocos da "conspiração mundial" e dos empoladores dos "efeitos adversos infinitamente mais inócuos que os males que se evitam" não encontram aqui, lamentavelmente, um elemento da tribo.
Para que conste, clarifica-se.
Finalmente, o Bastonário da minha Ordem falou muito tarde (da histeria que entretanto já estava gerada em torno da gripe), e ainda por cima rematou mal ao deixar azo a dúvidas quanto à inocuidade da vacina (não respondendo à pergunta acerca da sua intenção de se vacinar).
Ele pertence a um grupo de risco enquanto médico (o risco aqui é de ficar incapaz para ajudar os doentes), ainda que enquanto Oftalmologista não seja evidentemente necessário ao normal funcionamento de qualquer elo da cadeia de atendimento a doentes descompensados pelas gripes, nas instituições nacionais que, como já se sabe há muitos anos, carecem de meios físicos e humanos para estes surtos recorrentes anualmente.
Ou seja, devia-se ter explicado antes, e melhor. Infelizmente, receio bem que a explicação não fosse aquela, racional, que eu esperaria à partida dele. Sabe-se lá porquê....
Enfim.

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Epílogo: Hoje, no "Le Monde"

Repórter do Le Monde (R): En juin, l'Organisation mondiale de la santé (OMS) élevait son niveau d'alerte à la pandémie de grippe de la phase 5 à la phase 6, entraînant une certaine fébrilité politico-médiatique à travers le monde. Quatre mois plus tard, faut-il toujours craindre la grippe H1N1 ?

Bruno Toussaint (BT: editor de revista médica): Au printemps, il y a eu une forte inquiétude sur l'éventuelle épidémie, voire la pandémie de grippe H1N1. C'était légitime. Il est parfaitement normal que les autorités sanitaires se préoccupent de l'hypothèse d'une situation grave, cela fait partie de leur métier. Manifestement, on voit aujourd'hui que cette grippe n'a pas de gravité particulière. Elle est au niveau des épidémies de grippe saisonnière, peut-être un peu plus intense que la moyenne, mais rien d'extraordinaire. On peut concevoir que si un tiers du pays est alité avec de la fièvre, cela désorganisera sérieusement la société. Si les autorités avaient exprimé plus clairement qu'il s'agissait moins d'éviter des problèmes sanitaires qu'une panne économique du pays, la perception de cette grippe eut été différente. Il faut rappeler que la grippe, c'est un arrêt de travail de quelques jours et puis c'est tout.hypothèses et préviennent des situations potentiellement graves. Mais une fois que l'on constate que c'est une épidémie sans gravité particulière, pourquoi maintenir des mesures très exceptionnelles ? Il y a là un décalage qui n'est pas compréhensible.

(R): Cette grippe n'est donc pas si grave...

(BT) : (...) Nous avons maintenant plusieurs mois de recul, dans plusieurs pays. Pour la plupart des personnes atteintes, la gravité est celle d'une grippe saisonnière ou un peu plus intense. Il demeure un doute pour les femmes enceintes, (...).

Ou seja, e de uma vez por todas, para os mais cépticos: é gripe. Trata-se como uma gripe, inspira os cuidados de uma gripe, e traz as chatices que sempre trouxeram as gripes....

terça-feira, 20 de outubro de 2009

Disco Sound

Ou modas passadas....
Onde pára a gripe A?
O frenesim pelos internamentos em UCI's, pelas afluências às Urgências ou SAG's, e pelas mortes desgraçadas que lhe são impingidas, quantas vezes ilicitamente, estão à espera de melhores dias (o mesmo será dizer, pela próxima época depauperada de notícias mais chamativas).
Os doentes, por seu lado, lá andam a aparecer em maior número, como seria de esperar pela época que se inicia, com as suas gripes mais ou menos severas.
E, pasme-se, não se passa nada de especial.
Lá há uma ou outra articulação imposta em época de campanha eleitoral que vai sobrevivendo, mas cada vez mais desfasada da realidade (ou "desarticulada", aproveitando a metáfora), essa coisa que teima em entrar-nos pelos olhos adentro, mesmo quando fazemos questão de os fechar numa cegueira colectiva histriónica, e a vida continua.
Mas lá ficaram os ventiladores "topo de gama", e os próprios SAG's, os aparelhos de detecção por PCR (do H1N1, mas sobretudo de muitas outras coisas bem mais interessantes)....
Bem haja por isso, os doentes, os outros, ou os do costume se quiserem, agradecem!

Envelhecer

Envelhecer lúcido é desiludir-se das ilusões da adolescência, acomodar-se, perceber que esta vida não tem por fim último a felicidade, mas sim a morte, e que depois dela nada vem; que o conhecimento é uma satisfação pessoal, e não um privilégio ou uma bênção; que a memória, finita, é a única coisa que merece ser alimentada com alguns momentos de carinho, e com pessoas com significado (ou "amor", se quiserem...).
Envelhecer valorosamente é aceitar isso, acreditando poder mudar algumas coisas, percebendo que não se virá a mudar o essencial nunca; em nome de princípios de bem.
Envelhecer iludido é não aceitar isso, abraçar o efémero e a moda extraindo deles passageira felicidade, passar pelo essencial sem o perceber ou aperceber; confrontar-se com a morte com ridícula surpresa; aceitar o religioso e sobrenatural por não se conseguir conceber enquanto ser finito; nunca se aperceber da sua gigantesca irrelevância neste gigantesco tabuleiro de xadrez, onde não passamos de um milionésimo de grão de pó, poluente, aos pés de um qualquer peão.

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

O Estrangeiro

É o que me sinto de cada vez que me falam, mais ou menos dogmaticamente, nesta ou naquela atitude que se "deve ter" ou "deixar de ter" para viver mais, para morrer mais tarde, para morrer melhor.
A verdade é que quase nunca ouvi essas palavras sem que, para os meus botões, achasse que no fundo o declarante não estivesse algo esperançado numa imortalidade excepcional para o seu caso.
E o problema é, mesmo após estes anos todos a pensar qual seria a melhor forma de morrer, chegar à conclusão que, ou as boas mortes não têm tempo de ser contadas, ou que elas não existem. E o timing nunca é o correcto.
Em boa verdade, caro leitor, não existe tal coisa como "prevenção da doença". Quando se "previne" uma determinada doença, automaticamente nos estamos a predispor para outra, pois sem doença é que não se costuma morrer, sobretudo a partir de certa idade (sim, mesmo o avozinho que "acordou morto" e que "não sofreu nada" pode ter estado em longa agonia na sua caminha...). Pode-se morrer de doença "súbita" (uma benção rara). Mas com a idade as probabilidades vão diminuindo, e já não é mau quando não se morre de doença "muito prolongada". E candidatar-nos a "viver mais tempo" está longe de ser antónimo de habilitar-nos a "sofrer mais tempo", pelo que vejo nesta sociedade, não apenas pelo que acontece, mas sobretudo pela indiferença que suscita em quem poderia fazer algo para mudar as coisas no futuro.
Enfim, parece uma "lapalissada", mas vamos mesmo morrer todos, e em princípio por causa de uma doença. Quase de certeza má. Quase de certeza em má hora.
Se o percebêssemos, e racionalisássemos, teríamos mais adultos interessantes por aí, e menos fedelhos crescidos....

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Níveis de Cuidados

Um debate pouco popular, mas importante.
"Mas qual é a dúvida", perguntará o incauto leitor, "então não deve toda a gente ter acesso ao maior e melhor nível de cuidados"?
Não.
Não que não fosse bom, mas porque não há meios para tal.
E por isso sub-dividem-se as pessoas doentes em diferentes níveis de cuidados, que se devem interligar na perfeição, ser eficientes e estabelecer barreiras para evitar o colapso de qualquer Sistema de Saúde, por mais rico que este seja (e geralmente não são).
Ou seja, a constipação, a gripe e tantas outras coisas devem ser resolvidas no médico assistente, sob pena de se entupirem as Urgências por este país fora.
Os lares e as famílias, ou Unidades próprias em número suficiente, devem ter capacidade para cuidar e absorver doentes em reabilitação, doentes em cuidados paliativos ("terminais" ou não), sem entupirem as enfermarias que se deveriam destinar a "agudos", para os quais estão vocacionadas, e que demasiadas vezes se parecem com estes mesmos lares, com depósitos de moribundos isolados e abandonados pelo resto da humanidade, ou com ou hotéis onde se deslocam fisiatras e fisioterapeutas pela manhã para dar a voltinha aos doentes, para logo depois se limitarem a esperar pela voltinha do dia seguinte.
E, finalmente, doentes de enfermaria devem ser resolvidos nas enfermarias, e não em Unidades de Cuidados Intensivos, no fim da linha, devendo essas escassas camas ser reservadas a quem realmente precisa delas, e não usadas porque não se fez a decisão atempada de parar de escalar na agressividade dos tratamentos, e de se instituir alívio sintomático/paliação, naqueles casos onde não é lícito esperar-se que haja ganhos que superem os riscos de distanásia e do prolongamento do sofrimento, muitas vezes porque não se tem a segurança e coragem de comunicar um prognóstico fechado a familiares, preferindo-se o conforto de se chutar a bola para cima, e quem a tiver depois que se desenrasque.
Isto tudo, claro, nem sempre é fácil, e depende muito da qualidade dos executantes nos diferentes níveis.
Quem se esforça rentabiliza ao máximo a "sua" clientela, aliviando os serviços a montante. Claro que há algum risco (de não se encaminhar um caso de gravidade maior), mas com boa prática serão escassos, ainda que só erre quem faz (por definição), o que é relativamente injusto perante todos aqueles que nada fazem, e que por isso nunca erram....
Isto a propósito de, no outro dia, ter visto uma velhinha numa enfermaria com falta de ar, agónica, num quadro arrastado mas que estava pior naquela noite, encontrando-a eu tragicamente lúcida, agarrada a uma imagem de uma Santa qualquer, e a um terço (daqueles que se usam para rezar). Tive pena, o estado restante dela não era compatível com o grau de insuficiência respiratória, e o desespero e aflição eram patentes. Fiz as mesinhas possíveis, e decidi não ir além do razoável. Aliviei-lhe o sofrimento com fármacos, com pena de não ter conseguido convencer-me a mim próprio que ela beneficiaria com outro nível de cuidados (neste caso, Cuidados Intensivos, após entubação oro-traqueal e ventilação mecânica), por receio de lhe estar apenas a prolongar futilmente o sofrimento, para descarga da minha consciência que, dessa forma, não me estaria se calhar a pesar nesta hora.
Julgo que o que eu queria que se pudesse fazer foi diferente do que achei que se podia de facto fazer.
Espero não me ter enganado.
É a diferença entre a velhinha que agora já não sofre, e a velhinha que poderia estar viva, com mais uns dias de agonia em cima rumo ao inevitável exitus, ou eventualmente a mais uns tempos de qualidade após restitutio mais ou menos ad integrum.
A chatice, é que nunca o saberei.
A chatice, é que quando não nos damos ao trabalho de pensar nisso, e investimos cegamente em todos, é tudo tão mais fácil para nós, ainda que por vezes penoso para os doentes.
A chatice é que, a actuar assim, somos sempre tão passíveis de ser postos em causa, sem possibilidades inequívocas de defesa.
A chatice, é que estas coisas são mesmo chatas, e que pouco ou nada podemos fazer para evitar estas chatices no futuro. A não ser que passemos a não estar para nos chatear....

terça-feira, 6 de outubro de 2009

Gripe A no Hemisfério Sul

"Après coup, le docteur Frew Benson, directeur du département des maladies contagieuses du ministère de la santé sud-africain, reconnaît que les deux scanners thermiques, installés précipitamment en avril à l'aéroport international de Johannesburg, n'ont servi à rien. "Ils n'ont même pas repéré un cas...", explique-t-il. Mais, à l'époque, il fallait rassurer l'opinion publique face à la propagation mondiale de la grippe A. Aujourd'hui, l'hiver austral est terminé de ce côté du globe. Le dernier bilan, daté du 22 septembre, faisait état de 59 morts sur 11 500 cas recensés. "Le nombre réel de personnes infectées est en réalité trois à quatre fois supérieur car tous les malades ne sont pas testés", précise le docteur Adrian Puren, de l'Institut national des maladies contagieuses (NICD). La nation australe, qui a eu connaissance de son premier cas le 18 juin, concentre la grande majorité des victimes de l'Afrique subsaharienne." Mortalidade: entre 0,1 e 0,5% Podemos aprender alguma coisa com os invernos dos outros sítios do globo? Devíamos. Vamos lá então dedicar-nos outra vez aos assuntos médicos realmente importantes, e deixar-nos de histeria enquanto é tempo, se faz favor, antes que algum lunático do MS me cancele as férias. Tem gripe? Vai à farmácia, e não à Urgência (nem ao "SAG"...). O menino está com tosse, ou febre, há menos de 3 dias, e quando a febre baixa (COM anti-piréticos) anda bem disposto? Espere, que vai passar. Não a leve à Urgência. O vizinho, ou o menino do lado lá na escola, está a tossir, tem febre ou espirrou? Não, não é leproso, está apenas com uma gripe (qualquer). Quer mais uma vacina? A indústria agradece. E em caso de dúvidas, perguntem à avozinha, que sabe tratar estas gripadas muito bem, e há muitos anos....