sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Doutor, Vou Morrer?

Claro que vai....

terça-feira, 11 de novembro de 2008

1=1

Porque é que as pessoas, quando recorrem ao privado, têm um melhor "atendimento"?
Começaria por esclarecer o conceito, pois vou-me ficar apenas pelo comentário ao "atendimento", entendendo-se aqui por isso a simpatia/empatia e disponibilidade do médico, bem como a celeridade com que são resolvidos os problemas/expectativas do doente.
E o atendimento, entendido como tal, é importante e, basicamente, o único responsável pela má imagem do serviço público, já que aceita-se, por ser provavelmente verdade, que o serviço público encontra-se servido com os melhores profissionais no "mercado", e terá mais meios, ainda que alguns novos hospitais privados façam finalmente alguma concorrência musculada.
Dito isto, sublinho que os melhores profissionais do Hospital onde que me encontro fazem sobretudo serviço público em exclusividade. Ou seja, aquele médico que conheço bem, ao qual recorrerei um dia para mim, ou pedirei que veja a minha mãezinha quando essa adoecer, em geral, não faz "privada".
E que os piores, muitas vezes, têm uma perninha na "privada", com contraditório sucesso.
O que prova, coisa que já vou sabendo há muito tempo,  que qualidade no atendimento nada tem a ver com competência nesse mesmo atendimento (a competência "ajuda", mas é absolutamente secundária, na percepção de qualidade do doente).
Porquê?
Se os competentes e dedicados estão no público, e os outros até fazem "privada", porque é que a qualidade de atendimento não é entendida como inversa (boa no público e má no privado)?
O custo não explica tudo, já que o estado gasta eventualmente mais dinheiro do contribuinte com o sistema público do que o contribuinte gasta recorrendo à privada.
Os meios são importantes, mas não explicam tudo.
O facto do acesso ser universal, e de haver discriminação positiva no atendimento de certa patologia "onerosa" em exclusividade no público, já poderá adiantar algo mais....
Mas eu quero mesmo é falar da fórmula 1=1 no privado, e 2=1 no público.
Ou seja, enquanto que no privado 1 médico faz o trabalho de 1 médico, no público serão precisos 2 para o mesmo efeito: um indigente, nunca penalizado, perpetuando-se na indigência, na inação, na incapacidade, na preguiça, para um competente, desmotivado, sobrecarregado de trabalho, injustiçado perante o primeiro.
E assim faz-se com ambos precisamente aquilo que qualquer um deles "despacharia" com alegria na privada (ou também no público, no caso do segundo), se houvesse meritocracia, se as regras do mercado se aplicassem um pouco mais a este anquilosado sistema que é o nosso de saúde (e público em geral), se se liberalizassem mais as regras do jogo.
Eu, essencialmente Conservador em termos de costumes, Socialista em questões sociais (particularmente no acesso à saúde), vejo-me tornar entusiasta Liberal em questões laborais. Porque esta fórmula dos 2=1, meus senhores, é cara e não resulta. E não vejo outra alternativa de 1 passar a ser igual a 1.
Despeçam-se os incompetentes sem piedade, reabilitem-se os "aproveitáveis" (que NÃO serão a maioria), premei-se o mérito e a competência (factor essencial neste ramo). E faça-se isso tudo com celeridade, com ligeireza até.
Enterre-se de vez o carreirismo, o funcionalismo público, a promiscuidade interesseira cíclica politizada desta "clique" ridícula que todos conhecemos, aos bocados, e que se vai perpetuando sem nunca mais ser "decapitada" ou "defenestrada".
Aproveite-se essa maioria de profissionais, "silenciosa" e escondida do reconhecimento do público, que está desmotivada por esses hospitais públicos fora, cansada de ver o chico-espertismo levar sempre a dele avante neste jardinzinho, encantador é certo, mas desesperadamente estático no que toca a assassinar interesses instalados, que só servem aqueles que dos outros se servem, sem nunca servirem para nada nem ninguém.
Serviço "Público"? Hoje, tal como está? Deixem-me rir....
Ou então definam "Público".

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Viabilidade & Investimento

Dois termos caros no dia-a-dia da Medicina que se vai praticando por aí: viabilidade e investimento.
Num extremo temos a abordagem que tudo o que (não) respira é para ser "investido", ainda que a viabilidade seja nula. E por nula incluo os não-raros casos de doentes em paragem cárdio-respiratória durante mais de 15 minutos sem assistência, ou de 30 minutos sem recuperação da circulação espontânea, apesar de assistidos, salvo excepções (afogamentos, etc...). Dizem os livros que a "viabilidade" neurológica é, nestes casos, próxima de zero. Ou seja, na prática, estamos a reanimar um corpo sem alma, um trambolho para a família e para a sociedade, dados os elevados custos de manter o "corpo" vivo no pós-reanimação, no Hospital ou fora dele. Há brinquedos bons, e mais baratos.
Outro caso de viabilidade duvidosa, é aquele desgraçado acamado, demente, internado mês-sim, mês-não por infecções diversas, escariado, a sobreviver no limiar das reservas dos seus órgãos sucessivamente insuficientes, que às vezes até inicia diálise (substituição renal), que faz oxigénio no domicílio, e mais coisas tivéssemos para o auxiliar e só lhe sobrevam os olhos com vida independente de assistência médica.
Num e noutro caso, a abordagem desenfreadamente "curativa" (de aspas bem carregadas) é, a meu ver, crime. E devia-se ter a coragem de não prolongar o sofrimento do ser humano que está à nossa frente, no primeiro caso, dando-lhe o privilégio de não ter que voltar a morrer mais tarde, e no segundo de não ter que continuar a viver nas condições lamentáveis que já ninguém consegue reverter. E nós, médicos, somos os responsáveis por essa decisão, sempre que os familiares não têm o bom-senso (ou a coragem, ou a sensatez) de preservar os doentes de uma eventual calamidade médica, que consiste no prolongamento desumano do sofrimento.
Por outro lado, e pelo menos tão grave nos meios que tenho frequentado, é a outra face desta mesma moeda. Ou seja, a decição de não "investir" por putativa falta de "viabilidade".
E putativa porque não raras vezes, a viabilidade é aferida pelo "aspecto" da criatura. Ora sendo que o fácies de um doente agónico ou em paragem cárdio-respiratória parecer-me, a mim, invariavelmente mau, tornando-se difícil pronunciar-me por esse meio acerca da viabilidade ou falta dela, desconfio. E demasiadas vezes é apenas esse o critério, à falta de qualquer outro.
A idade não ajuda. Se tiver mais de 80 anos, é bom que dê entrada no serviço de Urgência, aquando de uma patologia crítica súbita, com um sorriso convincente nos lábios, caso contrário arrisca-se a entrar no clube dos "desinvestidos", por melhor que estivesse antes da doença.
A hora de chegada também é factor decisivo, bem como as vagas nas enfermarias, o horário da próxima refeição, a disposição momentânea do clínico, a sobrecarga de trabalho do momento, o "à vontade" com as nuances da Medicina de Emergência, e nenhum desses factores deve ser menosprezado na qualidade da decisão final relativa à intensidade do investimento.
Por último, o "mas" fatal, aquele que nos diz que o equilíbrio entre o pender para um ou outro dos exageros descritos não é fácil: é que não é fácil mesmo decidir.
Nos casos de paragem cárdio-respiratória, raras são as vezes em que se consegue uma descrição minimamente convincente da altura da PCR. Não raras vezes se chega à conclusão que aquele "minutinho" que o doente esteve parado teve o efeito devastador de cerca de meia hora de isquémia naquele cérebro. Não raras vezes se vão buscar cadáveres agónicos no domicílio, que devem parar completamente na ambulância à saída de casa, e que dão entrada nos serviços de Urgência sem que ninguém se disponibilize para explicar o que quer que seja acerca do sucedido. E para o médico, aquele senhor em PCR, até prova em contrário, deve ser abordado como tendo acabado de parar naquele preciso momento, salvo evidência de putrefacção em contrário (mas não é fácil ser decisivo, e o tempo joga a desfavor do bom-senso nestas situações).
Idem aspas quanto às situações de falta de viabilidade dos doente crónicos e sofredores, em domicílios familiares ou em lares. Devendo-se juntar, nestes casos, as questões éticas importantes, e que são tudo menos consensuais dentro da própria classe.
Ou seja, uma questão complicada, esta da Viabilidade (e da Qualidade do Investimento subsequente).

terça-feira, 4 de novembro de 2008

Reflexão do Dia

E se o seu Pai ou Mãe, esta noite...
-Tivesse um AVC?
-Que o deixasse hemiplégico (sem conseguir mobilizar metade do seu corpo)?
-Que o deixasse totalmente dependente de terceiros?
-Que o deixasse afásico (sem capacidade para comunicar)?
-Ou seja, que matasse aquela pessoa querida, tal como a conhece hoje?
-Se não tivesse dinheiro para o pôr numa instituição (vulgo "lar")?
-Se tivesse que passar o dia a trocar-lhe a fralda?
-A limpá-lo, a dar-lhe banho?
-A vesti-lo, a levantá-lo, a sentá-lo, a dar-lhe de comer, a deitá-lo?
-Se tivesse que ouvir os seus gritos durante a noite, regularmente?
-Se não tivesse com quem o deixar durante o dia enquanto trabalha?
-Ou pagar a alguém que tomasse conta dele nesse período?
-E tivesse por isso que deixar de trabalhar?
-O que acharia disso o seu cônjuge? E os seus filhos?
-De deixar de trabalhar, empobrecendo o agregado?
-Ou de trabalhar na mesma, deixando o idoso em condições deploráveis?
-E se esse cenário durasse anos?
-Intervalados com alguns internamentos, por intercorrências diversas da doença?
Se isso lhe acontecesse...
E acontece a alguém todos os dias...
E vai eventualmente acontecer-lhe a si, um dia, noutro dia...
O que seria da sua vida, tal como a concebe agora?
Até que ponto equacionaria a importância que tem, para si, a vida do seu progenitor?
Essa pessoa que hoje tanto adora?
Versus a sua própria vida, e a do seu agregado familiar?
Que hoje julga ser um dado tão adquirido? Tão estável?