quarta-feira, 21 de maio de 2008

A Pele de Cordeiro

Desconfiem do Cordeiro. Não é tão fácil quanto parece, o cordeiro é simpático, o cordeiro é agradável, o cordeiro é tranquilizador. Alguns médicos são cordeiros. Uma virtude, se à "imagem" juntarem igual competência. Mas não é desses virtuosos que eu quero falar aqui (os verdadeiros cordeiros), nem nos cordeiros que parecem lobos (esses poderei abordar, só porque são interessantes, noutros "post"). É nos lobos disfarçados de cordeiro. Irritam, pela negligência ou dolo de que se reveste a sua prática, pela hipocrisia que materializam. Esses são capazes de ver morrer um desgraçado à sua frente, sentenciar uma decisão duvidosa de não-reanimar, ou pior ainda, de nem sequer tratar aquilo que é tratável, e depois com a maior desfaçatez, de fácies grave, anunciar à família que se fez tudo e mais nenhuma opção restava. São aqueles que quando chega o doente complicado desaparecem, atarefam-se subitamente com outra coisa, deixando a fava para quem tiver algum brio e/ou vergonha na cara. São aqueles que perante o sofrimento alheio ignoram, desvalorizam, olham para o lado ou transferem para longe da vista. São aqueles que não fazem (porque nunca "calha", estando sempre "potencialmente" disponíveis), mas estão sempre dispostos a criticar aqueles que acabam por fazer muito mais do que deveriam, pior do que fariam se fizessem apenas aquilo a que são obrigados. Em suma, são aqueles que descobriram que a melhor maneira de não errar é não fazer, e deixar para outro resolver. E quando ninguém mais existe para desculpabilização própria, continuam ainda assim a não fazer, e profissionalizam-se na arte da consolação e da ilusão de todos aqueles que podem representar uma ameaça às suas ridículas máscaras de médicos de primeira água. Todos: os próprios doentes, os familiares, os colegas e as chefias. Isto seria um fait divers se, em Medicina, não significasse um comportamento criminoso, uma tortura para os desgraçados que, fragilizados, caem nas mãos de tais torcionários por omissão, cumplices da doença e do sofrimento. Gostava de dar uma fórmula para se detectarem essas criaturas. Mas é difícil. Confrontem aquilo que vos é dito com informação científica, hoje em dia todos sabem usar minimamente o google. Questionem o que vos é apresentado como inequívoco ou dado adquirido, esperem pela resposta e confirmem-na. Ou, à falta de melhor, desconfiem menos daquele que tem olheiras, que está mais cansado e se calhar com menor paciência para ser simpático. E desconfiem mais dos sorridentes, dos bons conversadores, dos que posam a figura do "imaginário médico" que há em cada um de nós em todos os seus actos. Pensando melhor, conheço exemplos de ambos os lados da barricada para cada um desses fenótipos. Em última análise, boa sorte!

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