sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Isabel Vaz


“Isabel Vaz aponta a vantagem da nova PPP de Loures: “o Dr. Vítor Gaspar inscreveu uma verba no Orçamento, que é exactamente quanto lhe vai custar”.
O novo Hospital de Loures – a primeira Parceria Público-Privada do grupo Espírito Santo Saúde – abre portas a 19 de Janeiro. Este foi o mote para uma conversa com a presidente do Espírito Santo Saúde, Isabel Vaz sobre a reorganização do parque hospitalar de Lisboa, sobre os riscos das PPP e sobre o contexto actual da Saúde, sem esquecer a invariável discussão sobre o papel dos privados: “É por essa mentalidade, do medo do lucro, quando o lucro é o que faz a sociedade andar, que continuamos um país atrasado”, defende.
Fala-se que anda a contratar médicos com propostas irrecusáveis e ordenados milionários, numa altura em que os médicos do SNS vão sofrer cortes nas remunerações. É verdade? 
Primeiro ponto: o hospital de Loures é público. Todos os médicos que vêm trabalhar para Loures vêm fazer serviço público. Segundo, nós comprometemo-nos com o Estado a fazer mais barato do que aquilo que o Estado consegue fazer. Não consigo perceber o que as pessoas querem dizer com propostas irrecusáveis. Estamos a pagar aquilo que no nosso país, com o contracto que temos, nos é permitido. Temos uma grande vantagem em relação aos nossos colegas, é que Loures é um hospital de raiz e como tal estamos a escolher as equipas. Ou seja, não tenho que subsidiar médicos, enfermeiros, auxiliares, que não querem trabalhar, e que não contribuem para o sucesso das organizações. Não tenho que conviver com funcionários que não produzem aquilo que deviam produzir, com a qualidade que deviam prestar.
O Hospital de Loures é a primeira PPP do Espírito Santo Saúde. Haverá diferenças na gestão entre os hospitais do grupo ESS e Loures? 
As diferenças vêm da estrutura de financiamento do hospital. Ou seja, as seguradoras, os financiadores privados trabalham hoje com uma estruturação completamente diferente daquilo que são os hospitais públicos. No terreno o que é importante é tratar os doentes exactamente da mesma forma.
Mas numa PPP o risco é maior?
É muito maior. Nas PPP o Estado passa para os privados uma quantidade total de riscos.Posso dizer-lhe que desde a nossa proposta o IVA aumentou de 19 para 23%. É um risco nosso. Quando fizemos a proposta ao Estado o mundo era um, agora é outro. Os ‘spreads’ tiveram aumentos violentíssimos e o acesso ao crédito na banca faz-se em condições completamente diferentes. E tudo isso foi assumido pelo sector privado. O Dr. Vítor Gaspar inscreveu uma verba no Orçamento, que é exactamente quanto lhe vai custar.
Mas nas PPP não há o risco da quebra da procura.
Nesse aspecto, dentro do Serviço Nacional de Saúde, não há o que é no fundo o risco-mor do sector privado que é o de os doentes não nos escolherem.”

Esta entrevista é um hino à meritocracia, e um atestado de disfuncionalidade e incompetência das instâncias públicas que regem o SNS.
A Dra Isabel Vaz propõe-se fazer aquilo que o governo faria por 100, cobrando ao Estado apenas 90. Cobrando 90 ao Estado, ela ainda vai dar 10 de lucro aos privados que serve. Ou seja, vai fazer por 80 aquilo que o Estado faria por 100, e vai fazê-lo melhor. Porque tem melhores condições físicas, estruturas melhor pensadas, produtividade optimizada. E, sobretudo, porque tem melhores profissionais ao seu serviço. Porque paga melhor, apesar de ter 80 ao invés dos 100 das entidades públicas homólogas para distribuir.
A Dra Isabel Vaz, sei-o de fontes que lhe dão serventia, só encontra paralelo à sua generosidade para com quem trabalha bem, na sua intolerância para as abéculas inúteis que por cá proliferam, e que pelos vistos nem ela consegue filtrar a 100%. E a generosidade traduz-se em flexibilidade nos horários de trabalho (os serviços existem para servir eficazmente o público, e são flexíveis, sempre em torno desse único objectivo, não havendo medidas autistas de "pôr dedos" e de horários rígidos onde o que se pretende é 100% de funcionalidade), em incentivos pela boa produtividade, adaptada a cada especialidade, e em bons salários base, em boas condições de trabalho, em boas condições de descanso e lazer sempre que esse é possível (sem haver "tabus" de estar alguém numa dada altura "sem fazer nada", desde que o seu serviço esteja bem assegurado e a disponibilidade seja total).
A Dra Isabel Vaz não corta a direito. A Dra Isabel Vaz discrimina! E a discriminação da Dra reflecte-se muito positivamente nos que trabalham bem, sendo desagradável a todos os outros.
Valha aos primeiros a Dra Isabel Vaz, esta ilhota de sanidade deste país esquizofrénico. Para os outros resta sempre o SNS....

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Fossa (s)Ética (com acordo ortográfico, porque fica bem no trocadilho...)


Não tem a ver com Filosofia Política, sou segura e convictamente mais Liberal (ou Ultra-Liberal, neste país tão amante das hipérboles e rótulos) que este pseudo-liberal governo que se nos afigura, antes cristalizador do status quo anti-meritocrático de sempre, por mais fragrâncias de mudança com que nos pretendem distrair as narinas que pulverizem.

Mas até para a estupidez e cretinice devia haver limites, e há lapsos demasiado graves para serem simplesmente esquecidos em desmentidos e explicações bacocas de aparelhistas auxiliares.

E falo, evidentemente, da sugestão de orientação além-fronteiras que o nosso 1º decidiu fazer a uma determinada classe que este país um dia escolheu formar (sim, porque os numerus clausus não surgem de uma entidade abstrata). Agora percebe-se melhor qual a motivação do alargamento dos numerus clausus das Medicinas nacionais, mesmo em instituições com capacidade duvidosa, para aqueles que acreditavam noutra mais nobre, e a motivação afinal só pode ser mesmo aquela que agora foi revelada: precariedade para os que ficam e emigração para os outros todos.

Mas voltando ao tema, e explicando muito rapidamente, existe um diferença, caro 1º, entre emigrar para um determinado país, e passar lá 2 ou 3 semanas de férias ou alguns meses em estágio. Percebe-se a confusão, quando atentamos à sua profícua experiência de vida, mas não é por esse motivo que lhe deveremos perdoar as infames palavras.

Emigrar implica cortar laços criados desde a nascença com uma língua, com uma cultura, com uma geografia, com uma gastronomia, com amigos e com familiares. Implica deixar atrás de si tudo, ou pelo menos muito, do que nos identificava enquanto pessoas até à tomada e efectivação da decisão de emigrar. E o corte de laços é profundo, duradoiro e doloroso, são meses entrecortados por eventuais férias, assim o permita o novo status financeiro que se pretendia em primeiro lugar, com novo corte duradoiro de seguida, e assim repetidamente ao longo de uma vida de sucessivas recorrências desse enorme desgosto. E há a tal saudade, que esfaqueia a alegria do dia-a-dia. Há a tristeza de ser estrangeiro e cidadão de segunda num sítio estranho, a troco de comida, educação e bem-estar para os filhos. E temos por cá muitos exemplos disso, homens e mulheres bravos e doridos por um passado destes que agora recomenda, e S.Exª saberia isto tudo se, em vez de lhes invejar o carro, a casa ou a reforma, lhes tivesse alguma vez dirigido a palavra e conversado com eles....

Não são férias, caro 1º.
Não é como passar as semanas a estudar numa cidade "longe da terra" onde se nasceu.
Não é como fazer um doutoramento ou um estágio com prazo, ou até um curso, tudo isso tem prazo.

E mais do que constatar que o nosso "timoneiro" afinal é um cretino imaturo, secundado por uma abécula comensal ainda mais pueril ou carente de hormona tiroideia, desespera-se perante esta afinal total incapacidade de colocarmos alguém capaz a governar-nos, de uma vez por todas.

Os alemães e os franceses, que me perdoem os crentes, não podem fazer pior que isto....

domingo, 18 de dezembro de 2011

Corporativistas de Pacotilha


É o que somos, os médicos enquanto classe.

Um leitor, julgo que Enfermeiro, faz uns comentários ao post anterior que acabei por perceber serem uma crítica ao que ele julga ser uma "excesso" de rendimentos por parte de alguns médicos com as horas extraordinárias. E levanta a lebre de uma mudança nos horários para contornar esse "despesismo".

O pantanal é tal que se torna difícil delinear um caminho por onde iniciar a resposta....

Para começar, não discordo do que ele diz. O problema, repito, está na dependência, por cretinice de sindicatos e afins ao longo de décadas, dessas horas extraordinárias para o vencimento ser decente. Está no facto de se ter achado normal intergrar-se horas extraordinárias no horário normal de trabalho, camuflando assim uma base salarial insuficiente.

O salário já é excessivo para alguns? Meu caro, não é a mim que precisa de fazer essa pedagogia, estou cansado de o saber e de amargar com essa realidade, mas lamento informá-lo que isso não vai lá com cortes a direito através da classe. Com isso, só vai conseguir que os que trabalhavam afincadamente em prol das suas instituições e dos doentes, e que merecem muito mais do que alguma vez receberam, se desmotivem e revoltem contra essa perseguição cega, que pune quem merece e quem não merece, sendo que os primeiros acabam sempre por sair por cima na contabilidade (quanto mais não seja porque qualquer coisa é mais do que deveriam receber).

Então como é que, com Directores de Serviço incapazes, se melhoram as coisas? Responsabilizando-os pelos resultados dos Serviços que dirigem, exigindo qualidade e responsabilidade, exigindo poupança onde se pode poupar e parabenizando os que fazem um bom trabalho, substituindo higienicamente os outros até se acertar nas fórmulas para cada sítio, com critérios iguais para todos.

Então e não há já Directores de Serviço muito bons por esse país fora? Há sim senhor, só que ter bons Directores com as actuais leis laborais em vigor na função pública, aliadas à escassez de mão de obra médica e à total ausência de avaliação dos Serviços, é o mesmo que lá ter um trolha ou um sapateiro. Não adianta de nada, e de menos ainda adiantará a chamada "avaliação dos funcionários". O único que deve "avaliar" os seus funcionários é o respectivo Director, e não é com uma "nota", é pelo seu desempenho, devendo o Director deve ter total liberdade de fazer uma equipa por ele escolhida, à sua imagem e de acordo com as capacidades dos seus elementos, para depois, repito, SEREM OS DIRECTORES E APENAS ELES RESPONSABILIZADOS PELOS RESULTADOS OBTIDOS com a sua gestão! Mas enfim, isso vale para toda a administração pública, e não custa a perceber que não interessa nada implementar um sistema desses neste país dos cargos com rotação rosa-laranja, em que a competência das chefias é o que menos interessa avaliar pelo status quo que se auto-perpetua, e em que fazer bem ou não fazer nada vale o mesmo.

Para poupar, e poupar a sério, não esta merda que querem fazer com as horas extraordinárias sem consideração pelo facto de terem sido sempre "ordinárias" (e fazer de conta que se desconhece o facto é o melhor remédio para o "povo" não perceber as razões que se possam invocar neste conflito):
-Porque não olhar para os "SIGIC's", o tal "combate às listas de espera", que não são mais que um prémio a quem não trabalha quando devia para depois "resolver" o que não fez no seu horário de trabalho a preço de ouro nas horas livres?
-Ou porque não olhar às "prevenções" que abundam por esse país fora, porque não escrutinar quantas vezes são necessárias, e se vale mesmo a pena continuar a pagá-las?
-Porque não averiguar se é mesmo necessária a presença de todas as sub-especialidadezecas em qualquer chafarica provincial, quantas vezes pagas a peso de ouro, quando a 100 ou a 200 quilómetros (ou infinitamente menos nas grandes cidades) existem os grandes centros para onde poderiam perfeitamente ser encaminhados os poucos casos que delas precisem (chama-se: racionalização de meios)? Ou averiguar da real necessidade de "Urgências" de todas as especialidades "centrais", essas sim horas não raras vezes inúteis, quando desenquadradas de grandes Serviços com real capacidade interventiva?

Pequenos exemplos: adianta-me alguma coisa ter um cardiologista de Urgência sem uma Unidade de Hemodinâmica aberta? Serve para quê, para fazer trombólise (que hoje em dia é eficazmente administrada por qualquer enfermeiro numa qualquer SIV)? Para pôr pacemakers provisórios (que qualquer Unidade de Cuidados Intensivos digna do nome é capaz de assegurar)?
Adianta-me alguma coisa ter um neuro-cirurgião de Urgência? Quando a poucos quilómetros existe uma Unidade com uns poucos?
Adianta-me alguma coisa ter um Neurologista de Urgência? Quando qualquer Hospital com uma boa articulação informática com neuro-imagiologistas faz trombólise sem a sua presença física? E os casos clínicos mais complicados da Especialidade podem facilmentre ser encaminhados para um Centro, ou se não for emergente ser vistos algumas horas depois no horário regular desses especialistas, sem prejuízo para o doente?
Adianta-me alguma coisa ter Unidades diferenciadíssimas, para tratar algumas dúzias de doentes por ano que poderiam perfeitamente ser encaminhados para outras instituições (assim se ARTICULEM as coisas), em todos os hospitais desta praia onde vivemos?

E porque não observar e analisar, para depois poupar, porque é que Serviços semelhantes gastam montantes brutalmente diferentes no seu dia-a-dia? Porque é que uns justificam os antibióticos que prescrevem e outros não? Porque é que nuns sítios se monitoriza os doentes com 500 euros e noutros com metade? E por aí fora....

Mas não, vai ser nas horas extraordinárias a eito. Em muitas ilícitas, bem o sabemos, como ilícito é o próprio salário base de muita gente que chula o Estado com a sua mera presença nos seus quadros, tolerada pelas infames leis laborais que nos "protegem" de nos vermos livres dos incapazes, de podermos repartir o trabalho com gente válida em vez de sermos parasitados no nosso dia-a-dia por aqueles, mas não interessa, no essencial é importante não mexer, e o essencial seria alguma promoção da meritocracia, do trabalho com qualidade, da discriminação positiva (bem como da negativa).

O problema, meus caros, é que também há muita boa gente que vai ver o seu salário reduzido, não de 10% (há um ano), nem de mais 15% sobre o restante (os subsídios de Natal e de Férias), nem de mais não-sei-quantos % de subidas de IVA e outros impostos, mas ainda de uma fatia ainda mais significativa dessas todas no seu salário "base", que incluía as tais "horas ordinárias".

E aí vai incidir sobre toda uma franja de profissionais com a qual seria prudente não mexer muito, porque andam calados e a fazer um trabalho demasiado penoso e ingrato a troco de demasiado pouco, e que menos ainda pretendem que agora seja. Falo de Especialistas nucleares, de Medicina Interna, de Pediatria, de Cirurgia Geral, as grandes especialidades generalistas sem as quais nenhum hospital consegue sobreviver.
Se quer a minha opinião, salvo equívoco total acerca de como se sente esta boa gente, este governo e este ministro, por mais fundamentais que estejam a ser as medidas que vão tomando, não sabem no que se estão a meter.

Estão a liquidar a pouca vontade que às vezes restava para trabalhar em condições que nunca foram boas, e a pouca motivação que havia em nome de um "mal menor".

E eu acho que este imposto discriminatório sobre os nossos rendimentos (que são "trocos" para quem se alimenta das privadas), desta feita, vão ser retribuídos. E vão ser retribuídos em tempo livre, para passar em casa ou a fazer outra coisa qualquer.
E que seja, maneira de dizer, "o que Deus quiser"....

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Horas Ordinárias



Pois o prefixo "extra" só pode ser uma anedota, na realidade actual e passada das ditas horas....

A realidade, para os desconhecedores do meio, e para a generalidade dos incautos que ingressam na profissão entre os quais eu me incluía, é que os horários de "35 horas" ou de "42 horas" eram, na realidade, respectivamente de 47 e 54 horas semanais de trabalho, pois se assumia (e é obrigatório por lei) a prestação de mais 12 horas extra de Urgência (a somar às 12 incluídas no horário de trabalho "regular").

Ou seja, todo o médico podia ser obrigado, e era-o com a excepção dos raros grandes centros hospitalares que vivem na abundância de médicos, a fazer o seu horário + 12 horas "extra" de trabalho de Urgência.

Essa pérola legislativa, exclusiva da profissão, remonta a 1979, altura em que terá havido negociação dessa cláusula, e em que, por carência de médicos, se admitiu essa ímpar imposição no panorama laboral português, a troco de serem horas extra "mais bem pagas" do que seriam noutras circunstâncias.
Isto é, obrigava-se a trabalhar mais, mas também se pagava melhor.

E esse facto foi catastrófico para a negociação salarial futura da classe. Como o salário médico passou a incluir rotineiramente o "basal" somado ao que advinha das "horas extra", aquele basal foi negligenciado nas sucessivas negociações, desde que tudo somado desse (e dava) uma boa quantia. De extraordinárias como se vê só tinham a formalidade, uma vez que na prática pertenciam à regular folha salarial de todos os meses. E tratando-se de uma quantia que, note-se, nunca permitiu melhor reforma (porque era rendimento "extraordinário", ainda que praticado com regularidade semanal), autoriza até que agora, hipocritamente, se insinuem ilegitimidades na sua atribuição por parte de governantes que de burros não têm nada na manipulação da opinião pública, espremida até ao tutano pela austeridade.

É claro que, após 3 décadas de rotineira prática de 12 horas extraordinárias obrigatórias (praticadas em serviços de Urgência) somadas às 35 ou 42 horas de trabalho semanal (incluindo-se nestas últimas, repito, 12 horas de Urgência), as 47 ou 54 horas de trabalho semanais foram sendo consideradas por quem as praticava as horas "basais" das quais resultava um determinado salário, com o qual se passou a contar no final do mês. E passou-se também, na classe, a só contar como realmente "extraordinárias" as horas que efectivamente eram praticadas voluntariamente para além dessas (e que acresciam à "base" que já incluía as 12 horas obrigatórias).

É de uma desonestidade sem limites insinuar-se que há excesso de médicos num contexto em que os mesmos são obrigados à prática dessas horas "extraordinárias" de trabalho.
É de uma falta de vergonha colossal (pois é, eu também sou de modas...) pretender-se que os médicos continuem a ser obrigados a fazer essas horas "extraordinárias", pagando-lhes metade pelas mesmas por decisão unilateral do ministério respectivo.

E por isso julgo ser DEVER de todo e qualquer médico neste país, pelo menos aqueles que pugnam pelo seu bom nome (e não de forma lata no "bom nome" da classe), o qual é posto em causa nestas atitudes grotescas da tutela do momento, de NÃO FAZER GREVE NENHUMA, mas sim de, simplesmente, cumprir religiosamente o seu horário regular de trabalho, deixando, como é da vontade destes senhores, de fazer uma única hora extraordinária que seja no SNS, sendo meramente coerente que deixe de ser obrigatório fazê-las.

Vai custar? Vai pois, o dinheiro do "salário base que nunca o foi" é pouco, comparativamente ao que estávamos habituados incluindo as "horas extraordinárias que nunca o foram", para mais privados de dois dos nosso 14 salários anuais e de 10% do seu total, como sucedeu com a restante administração pública. Mas é vital, nem que seja por uma questão de honra (o que por seu lado não está nada na moda, mas que fica sempre bem invocar de quando em vez...).

Eu cá, que não tenho actividade privada e que vivo exclusivamente das funções públicas que desempenho (e já agora bem, modéstia à parte), não irei fazer nem mais uma hora "extraordinária", como aliás é anseio deste orçamento, a partir do momento em que se esclareça legalmente essa questão da obrigatoriedade das 12 horas, que passa a ser infame no contexto actual em que nos pretendem obrigar a fazer mais que a nossa obrigação por metade do preço, sem sequer nos pedir licença, e com insultos pelo caminho.

E vou viver, com menos meios, mas com mais tempo para a minha família e outras coisas às quais nunca me habituei mas não me importo de experimentar, como por exemplo não passar sistematicamente uma ou duas noites acampado fora de casa a atender Urgências, por períodos de 24 horas consecutivas, ou viver sem a sensação de cansaço ao ter que assegurar um dia normal de trabalho exausto depois daquelas Urgências de 24 horas, ou viver sem passar sistematicamente fim-de-semana sim, fim-de-semana não no Hospital.

E sabem que mais? Sou bem capaz de passar a viver melhor, muito melhor....

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Carlos Martins, Gustavo e a Leucemia


Uma criança está doente, corre risco de vida e precisa de um transplante com uma medula o mais compatível possível, é filha de uma estrela de futebol e, como tal, o seu drama comoveu o nosso pequeno mundo rectangular à beira-mar plantado.

Somos muito hipócritas, todos, quando nos julgamos bons samaritanos ao mobilizarmo-nos neste caso, como se não existissem outros semelhantes, todos os dias de todos os meses, há muitos anos a esta parte.

Por isso não se iludam: os que doarem a sua medula por terem sido chamados à atenção neste caso particular (nunca tendo sido sensibilizados para esta questão), e mantiverem disponibilidade futura para casos sobreponíveis, bem como os que já antes doavam, esses sim, mas só estes, são verdadeiros e dignos altruistas, merecedores da nossa admiração e respeito. Porque são maiores, e tão maiores, ainda que anónimos, que a esmagadora maioria miudinha que os rodeia.

Todos os outros são patéticos indivíduos que se vão incomodar apenas e só para fazer o frete da moda, por se tratar do filho de um futebolista famoso, imbuindo-se de uma moralidade que não têm nem passarão a ter.

Ou seja, não são altruistas, não são melhores que os outros, aliás não valem mesmo um chavelho, numa perspectiva social e global de cuidados de saúde, e estão-se a marimbar para todas as crianças e adultos que, desde sempre e para sempre, se depararam, deparam e depararão com este e outros problemas semelhantes, em que o seu destino vital passa por haver uma dádiva orgânica de alguém a troco de nada (seja sangue, um rim, medula, e por aí fora...).

E isto é um sintoma nauseante de hipocrisia, esse exercício travestido de benevolência, que não deixa de me revoltar as entranhas.

Posto isto, que Gustavo viva muitos e bons anos com saúde e sem leucemia, e que os seus pais tenham a possibilidade de lhe dar todo o amor que ele merece, e que este sofrimento de ter um filho em risco de vida, que ninguém devia ter que padecer, tenha fim a curto prazo. Assim dito, com a sinceridade de um Pai, e com a empatia de quem espera nunca ter que passar por calvário sequer parecido.

O Gustavo, MAS TAMBÉM o Miguel, o Pedro, o João, o Paulo, o Gonçalo, o André, o Nuno, o Diogo, o Fábio, o Tiago, o Abel, e todos os (muitos) outros que existem e de quem não se fala, e todos os seus sofredores pais, que não têm a bênção mediática de Carlos Martins.

Estes sofrem, e às vezes morrem, na sombra onde sempre me encontrei.
Talvez seja só por isso que me ofusca tanto, nestes dias, este tão iluminado tema da nossa praceta....

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Coisas de que se fala pouco


... e nas quais bem se podia poupar uns trocos:

-Para quê fingir que se previne a aterosclerose procurando avaliar, e depois atingir metas de LDL-colesterol ou de pressão arterial sisto-distólica com fármacos muitas vezes caríssimos, quando o doente não deixa de fumar, de ser sedentário ou de ter uma dieta desregulada?

-Para quê continuar a "tratar" doentes suicidários após as suas tentativas de autólise, ao invés de abordar o suicídio atempadamente e descomplexadamente em toda a sua componente sócio-psicológica, proporcionando como parte integrante dessa abordagem, aos que o pretendem, a possibilidade do suicídio assistido?

-Para quê tratar neoplasias em estádio terminal, sem possibilidade curativa, em doentes com má qualidade de vida (devidamente avaliada), gastando rios de dinheiro em esquemas de quimioterapia tão inovadores quanto fúteis, ao invés de instituir muitas vezes uma paliação eficaz e, já agora, não apenas atenuar o sofrimento, como ainda encurtar o mesmo, sempre que o doente o deseje?

-Doentes sem vida de relação devem ver as suas doenças agudas intercorrentes abordadas até que nível de investimento, em meios e recursos médicos? E doentes portadores de doenças crónicas em estádio terminal?

O mais fácil é dizer que é mais "humano" fazer-se tudo o que se pode por todo o ser em status de "vida cerebral". É fácil, mas não é sério, nem inócuo. E vai-se sabendo cada vez melhor que, afinal, isto do SNS é caro, muito caro, e que os recursos e orçamentos são finitos, pelo que haverá futuramente a necessidade de se orientarem verbas mais num ou noutro sentido (e nunca em "todos" os sentidos...).

A grande questão é: serão os médicos e outros profissionais de saúde capazes de, como seria em princípio lógico pensar, gerir esse processo de racionalização e redistribuição dos meios, proporcionando-lhes uma sensata lógica, ou será necessário vir um burocrata qualquer sem conhecimentos no meio impôr metas a partir das quais todos comem na mesma medida?

Julgo que a resposta é, e continuará a ser, a mais triste das duas....

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

RTP: um Exemplo

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***Canais de cabo: conjunto de canais que têm uma determinada oferta de programação aos quais, caso o consumidor julgue haver uma relação custo-benefício para o seu dia-a-dia, e de acordo com o seu próprio juízo, adere e paga pelo seu usufruto.

***RTP: canais com uma determinada oferta de programação aos quais, independentemente do juízo do consumidor, este é forçado "aderir" e a financiar.

É engraçado chamarem passar-se a gastar 180 milhões/ano ao invés dos actuais 240 milhões/ano, num prazo de 6 anos, uma "poupança". A não ser que se entenda por isso "poupança na despesa forçada", ou ainda "abrandamento da extorsão".

E que tal um esquema em que passa a pagar pela RTP quem a quer ver?
E que tal convencerem-se, de uma vez por todas, que os portugueses, em época de apertar os cintos, gostariam de só gastar o seu dinheiro naquilo que entendem como essencial para as suas vidas, e não nos desmandos dos entendimentos dos governantes?

A percepção deste conceito, já agora estendido a tantas outras coisas da "despesa pública", será assim tão problemática?

Que tal este governo passar a só gastar aquilo que tem (que também já é meu, e que já agora é demais), sem me roubar ainda mais no salário para pagar aquilo que pelos vistos nunca teve capacidade para financiar?

...

domingo, 23 de outubro de 2011

Interpretação da Crise (de um Homem Simples)


Durante anos a fio o Estado gastou, digamos, 100.

Ele recebia (dos nossos variados impostos) 80, e pedia emprestado outros 20.

Hoje já não nos emprestam mais, e temos que pagar o empréstimo do passado, o que dá uma despesa de 120 (20 do empréstimo que devemos).

A solução é, ou pedir-nos para aumentar os nossos impostos (e dos 80 que pagávamos passaremos a pagar 120, ou seja, mais 50%), ou então reduzir a despesa do Estado, digamos de 100 para 60, por forma a termos que pagar 80 (com os 20 de juros), o que não implicaria aumento dos impostos, mas mantendo apenas e só os serviços que considerámos básicos, abdicando de tudo o resto, fosse desperdício ou luxo que deixámos de conseguir fingir ser capazes de poder pagar.

A questão, a grande questão, é que não se está a ver discussão acerca do que deveremos manter e do que deveremos abdicar no futuro.
Parece estar-se a querer manter tudo, fazendo de conta que é tudo essencial, e manter tudo à custa da extorsão da classe média, alinhando pelo diapasão do menor múltiplo comum. Isso só pode levar à mediocratização dos serviços essenciais, daqueles que realmente continuamos a precisar (e com qualidade), para além da infame manutenção de outros, ou completamente supérfluos (os "tachos"), ou irrealistas no nosso contexto (e condenados ao fracasso).

Por outro lado, associado ao discurso de "coitadinho do contribuinte" que muitos têm (e com razão nesse ponto), não se vê a necessária proposta alternativa, aquela de que falei, e que passa por largar mão dos excessos (das tais ainda não-identificadas verdadeiras "gorduras"), encerrar serviços, acabar com a maior parte dos subsídios e donativos que se foram instituindo ao longo dos anos, e por aí fora. É o discurso do "queremos continuar a gastar 80 e a ter 100!", e não do queremos gastar 80 e passar a ter 80.

É preciso uma verdadeira discussão do que realmente querermos que o Estado assegure (e que pode significar uma pequena parte das actuais despesas), e daquilo que deverá ser deixado à regulação das universais leis do mercado (lazer, cultura, desporto, a esmagadora maioria dos serviços...), implacáveis mas justas, na perspectiva do consumidor (que somos nós).

Para já, só vislumbro a continuação do autismo, desta feita não da sub-orçamentação nacional da sua própria dívida (porque já não dá para disfarçar mais) e que foi regra transversal aos 2 partidos de poder em Portugal nas últimas décadas (e a nós, que os elegemos!), mas sim na recusa de olhar para dentro do Estado, e perceber o que é essencial e pode ser mantido, do que é dispensável e deve ser rapidamente finalizado (e nunca deveria ter sido iniciado).

E é esse autismo que leva alguns a ter este discurso para pacóvio aplaudir de ter que ser de fora que vem a salvação (entenda-se: o subsídio ou o perdão da dívida).
Das duas uma: revela ou pouco QI, ou pouca vergonha. O que faz com que não haja seguramente nenhuma razão para nos orgulharmos dos governantes que continuamos a eleger....

A preocupação maior de todas, porém, é parecer-me que nós, eleitores, ainda não termos percebido a vacuidade de certa forma de "fazer política". Continuamos a premiar esses discursos redondos, inconsequentes e irresponsáveis, não hesitamos em juntar-nos solidariamente a esses desocupados que agora fazem para aí barulho em assembleias de índole ditatorial a querer impor uma nova forma de vida, concordamos em fazer greves, quais danças da chuva no deserto, sem realmente manifestarmos vontade de mudar o estado actual de coisas.

Era essencial que surgisse uma voz clara no meio desta cacofonia toda, uma voz honesta e capaz, que pudéssemos seguir. Sem ela, estamos definitivamente perdidos, entregues à nossa triste sina.
Porque no essencial, somos todos madeirenses....

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Perguntas de um Homem Simples II (e agora com reflexões também...)


Se o Estado precisa de x milhões de euros para "equilibrar as suas contas" ou "honrar os seus compromissos" (ou, como alguns humoristas dizem, "as nossas" e "os meus", respectivamente...), e esse x equivale ao que vai roubar aos subsídios dos seus funcionários (sim, roubar, porque esses tinham um contrato que supostamente incluía esses subsídios, ainda que essa coisa de "contratos" seja algo entendido como "relativo", pelos vistos, e olhando para as supostamente mais altas instâncias deste país):

1) Como é que após 2012-2013 vai "equilibrar as suas contas" ou "honrar os seus compromissos"?
-Esse x vai deixar de ser necessário?
-Vai continuar a exigir o x (e a privar unilateralmente os subsídios aos seus funcionários)?

2) Porque não fazer cortes nas suas excessivas despesas? Não apenas em 2014, mas já? Sem ser, evidentemente, através da privação unilateral de um rendimento que fazia parte do acordado com as pessoas que para ele trabalham? É mais lícito faltar cobardemente ao acordado com todos, do que assumir que tem que abdicar justificadamente de alguns? Ainda que esses alguns sejam (desejavelmente) até muitos? É melhor desrespeitar todos os que são precisos e valiosos num conceito realístico e economicamente viável de "Deveres do Estado", só para não ofender uns quantos supérfluos ou excessivos do actual (que, como bem se vê, mesmo que tantos insistam desesperantemente no autismo, é insolvente)?

(PS/declaração de interesses: admito perfeitamente encontrar-me na lista destes últimos, numa perspectiva de privatização da saúde como alguns, com toda a legitimidade e as mais diversas razões, defendem, assim se assuma de uma vez por todas o que se entende como "papel do Estado", e se assegure a sua viabilidade em termos de preço que podemos pagar por ele)

Gostava finalmente de saber ainda quantas vezes x representa a despesa deste "Estado de alguns de nós" (que não eu). E quais são essas outras despesas (o tal múltiplo de x), das quais não se pode abdicar, que fazem com que seja imperioso que este Estado abusador tenha que retirar-nos o dito x.

Fugir aos impostos é crime (diz o Estado, em causa própria). Neste país, todos o sabemos, sempre foi bem tolerado. Mas dizem os ingénuos que está aí alguma espécie de raíz dos nossos males. Aos meus olhos, passa a ser definitivamente um dever cívico e um exercício de liberdade. Passarei a ver todo e qualquer cidadão (com "C" grande) que se propõe recusar passar-me uma factura como um herói solitário e contracorrente, cujos serviços passarei a frequentar assiduamente, sempre que deles precisar. E não apenas a frequentar, mas a elogiar, incentivar, defender e louvar!

Nem todos o podemos fazer? É bem verdade, mas paciência, lá pelo facto do  Real Madrid não estar interessado em contratar-me por vários milhões de euros para as suas fileiras, não quer dizer que não aprecie ver o Cristiano Ronaldo a jogar por lá, e muito menos que julgue dever ser proibido, quer a sua emigração, quer o seu salário.

Para quando um "Ron Paulo" a liderar a nossa revolução? Por caridade, haja alguém inteligente e capaz, e que nos faça o favor (a uns quantos de nós, pelo menos) de se dignar a usar uma linguagem de verdade, não travestida para agradar e enganar saloios à cata de frigoríficos e microondas em troca de tacho forever para boys e girls da casual Partidocracia rotativa vigente.

Até lá, recomendo exercícios de relaxamento e muita vaselina. Vai ser bem preciso....

sábado, 15 de outubro de 2011

Perguntas de um Homem Simples



Eu, homem simples, gostava de ter algumas respostas para poder, em consciência, decidir pelo meu futuro e, sobretudo, pelo dos meus filhos.

Gostava por exemplo de saber quanto gasta afinal este "Estado", que convém relembrar é o sorvedouro de assinalável parte do nosso salário, que mama ainda dos bens que consumimos através de IVA's e afins, e que taxa bens, serviços, heranças, prémios de jogo, enfim, tudo aquilo que meta dinheiro, para se auto-financiar, com uma legitimidade "histórica" que me parece bem mal parida, mas enfim, era assim quando nasci e assim continua.

Quanto gasta? Mas também quanto gasta, e em quê?

Na "redistribuição da riqueza", por exemplo. Quanto este Estado "redistribui", e até que ponto os mais pobres e desfavorecidos beneficiam dessa intervenção. E a que preço? Será que os pobres e desfavorecidos são bem tratados por este Estado? O Estado gasta bem o dinheiro em prol deles? Não haveria entidades privadas capazes de fazer melhor e por um menor custo? De chegar com a intervenção onde realmente se deve, e ajudar quem realmente precisa, com os meios necessários (e não paliativos que nada resolvem)?
O que nos leva à questão: quanto se desperdiça em nome da "redistribuição da riqueza"?

Quanto se gasta com "serviços de utilidade pública"? São mesmo úteis? Que funções têm, e qual a eficácia com que as desempenham? E a que preço?

E quanto se gasta com "empresas públicas"? São lucrativas? Se não o são, porque é que o Estado me tira dinheiro para as financiar? Alguém me pediu se eu estava disposto a desperdiçar parte do meu salário para manter o sustento de funcionários de empresas insolventes? Não há outras empresas, do sector privado, daquelas às quais só dou dinheiro se me apetecer, que fazem igual ou melhor serviço?

E quanto se gasta no financiamento de folclore diverso, vulgo cultura/desporto, seja directamente através do Estado ou através das mil e uma câmaras espalhadas por esse país fora? Porque não deixar a cultura ser financiada por quem disfruta dela, de acordo com o gosto de cada um? Eu não me importo de pagar (e pago) por lazer, desde que seja escolhido por mim, ao meu gosto. E eu e muitos com o mesmo gosto decidiremos se esta ou aquela actividade lúdica deve vingar, ou não (se formos poucos ou se a actividade não se revelar satisfatória). Ou esta e aquela actividade desportiva. O que é feito do associativismo? Do mecenato? Dos donativos? Porque é que há de ser essa entidade denominada Estado a decidir se há foguetes em Braga, sardinhas no Porto ou Carnaval na Madeira, e a gastar o dinheiro que me tirou nessas nobres actividades, com as quais não tenho nada a ver (ou talvez tenha)?

Porque é, ou com que direito é que este Estado decidiu gastar o meu dinheiro em Estádios de futebol aos quais nunca fui, em Exposições Universais que nunca me interessaram, em estradas por onde nunca passei, em canais de televisão que nunca vejo, em festas que nunca frequento, em companhias aéreas nas quais nunca voei, em empresas que nunca me foram de qualquer utilidade, em filmes ou peças de teatro que nunca vi, em eventos a que nunca fui?

Bem sei que o Estado, durante muito tempo (e ainda hoje), foi considerado uma espécie de impressora de dinheiro que depois dava ao desbarato para satisfazer uns tantos, e às vezes eventualmente nós próprios. O Estado não tinha nada a ver conosco. Sempre nos tirou dinheiro, mas o que nos sobrava chegava, e por isso não ligávamos.

Hoje descobrimos que, afinal, o Estado "é" o nosso dinheiro. E o nosso dinheiro foi, e continua a ser mal gasto. E que o Estado contraiu dívidas e empréstimos que nós (afinal somos nós, o Estado) teremos (já temos) que pagar. E que o que nos sobra, depois dele nos extorquir o seu quinhão, já não nos chega ou chega mal.

Com que despudor é que agora esta gente, que levou o país a esta situação, que se serviu do Estado e das suas propaladas únicas capacidades de resolver a má distribuição da riqueza e protecção dos pobres e desfavorecidos (mas que agora também deixa desamparados nesta espiral de descrédito e desgraça), reivindica a capacidade de regenerar um monstro que, afinal, apenas serviu para ajeitar a vida a uma elite partidocrata e aos seus amigos, enquanto distribuia (e distribui) migalhas pelos incautos e gastava (gasta) o dinheiro que não era seu?

Gostava que se definisse quais são os serviços essenciais, a serem assegurados pelo Estado. Há quem considere apenas a protecção da propriedade privada, ou seja a segurança (interna e externa) e a Justiça. Eu admito uma ou outra função, talvez a saúde (deformação profissional?), eventualmente o ensino (nas suas linhas mestras). Admitiria facilmente uma função meramente reguladora. Mas enfim, são miragens neste panorama esquizofrénico desta sociedade contemporânea, que ainda julga que o dinheiro nasce da tal impressora, e que um engravatado de Lisboa é que deve decidir quanto tira a uns para distribuir a outros.

Queria um Estado magro, muito magro, que à escala do actual seria praticamente inexistente. Não se trata pois de "cortar umas gorduras" ao Estado, já há muito tempo que isso não vai lá com lipo-aspirações.
O Estado é praticamente todo ele tecido adiposo, e o que é preciso é encontrar o pedacinho de carne lá no meio que vale a pena manter, que é pequeno, e usar o resto para sabonete, a ver se conseguimos limpar esta triste imagem de nós próprios que há de ficar para as gerações futuras, que com toda a razão não vão perceber como raio fomos tão cretinos ao ponto de lhes deixar um país na situação deste em que actualmente habitamos, e que eles um dia vão desgraçadamente herdar.

Somos uma triste página da história. E duvido que tenhamos capacidade para passar disso.

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Escravo das palavras


Um dos ditos mais engraçados (e bem sei que há para todos os gostos), é aquele que reza o seguinte:
-"Somos donos do nosso silêncio e escravos das nossas palavras".

Este aforismo é dramaticamente verdadeiro para o nosso simpático bastonário.

Podia ter ficado calado, ou até podia só ter dito algumas das coisas eventualmente interessantes que tinha para transmitir. Mas não, esticou-se, guloso, e lá vai de falar de uma espécie de "taxa para comida de gordos". Para "pagar a saúde" em Portugal. Como se lhe dissesse respeito o comportamento que alguns, com a autoridade que lhes confere a sua  individualidade (essa coisa que nos é tão estranha...), decidem ter. Como se o papel dele nesses comportamentos fosse para além do aconselhamento e da informação científica válida e actualizada (e não a proibição dos mesmos, nem a sua "taxação"), quando requerida. Como se o papel dele fosse sugerir qual o imposto que se segue, e logo numa altura tão fértil de ideias para a criação dos mesmos.

O ridículo eu não estranho de todo (relembro aos meus poucos leitores que sou um mártir fumador do século XXI...). Mas também não percebo a admiração do povo. A fazer de conta que o comportamento lhes parece original.

Não tenham por outro lado dúvidas que o que hoje parece ridículo, amanhã (e talvez mesmo literalmente) parecerá justificável, nesta corrida assanhada para a atribuição da paternidade de todos nós a esta "entidade de bem", que é o Estado. Vão surgir outras doutas vozes a convencer-nos brevemente, após a reacção indignada e estupefacta da actualidade, que ele (bastonário) tem toda a razão, e que esta patetice faz todo o sentido. E como depois da fúria, nesta terra, segue-se invariavelmente a apatia e o estupor, não me admirarei mesmo nada se passar a pagar mais, um dia desses, pelas batatas fritas do McDonald's.

Não se cultiva por cá o saudável exercício de, em vez de se sentir na obrigação de dizer disparates (à falta de conseguir dizer coisas realmente interessantes, que em boa verdade rareiam e não dão para soundbites diários), ficar simplesmente... calado. Não é fácil manter a regularidade, mas com treino é possível, para a maioria de nós.

Enfim, e só para deixar claro que também tenho ideias quando me esforço, e que tal a "taxa da poltrona"? Esse objecto de ócio e sedentarismo?
Haja pachorra....

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Um bom Testemunho sobre Eutanásia


Que se pode ler aqui na versão original.

Tradução tosca do post desse blog:



Le sourire de l’ange (o sorriso do anjo)

Habitualmente, não colocámos coisas pessoais neste blog. Mas isto faz parte de uma batalha pela liberdade. O meu pai morreu. Fiz um pequeno texto para o seu enterro, e aqui está ele, as palavras são as minhas armas. Que aqueles que puderem comover-se com elas meçam a sua importância.
(...) 
Auvers-sur-Oise, 27 de Junho.
Em primeiro lugar, obrigado pela vossa presença, nesta igreja de Auvers, que ele amou, pintou e copiou, na sombra inquieta de Van Gogh, do qual não tinha, e provavelmente ainda bem para nós, o génio, mas certamente uma parte da doçura e da ansiedade.
Morou durante muito tempo na casa aqui em baixo, cujo jardim subia quase até aos degraus da igreja, e foi a sua verdadeira última casa: um dia, há um mês atrás, ele esperava por um taxi para regressar. Ele via do seu jardim o sino, quadrado, imóvel, sereno, que acalmava a sua necessidade de linhas simples, calmas e ordenadas. Ele sempre preferiu pintar ruas ao invés de paisagens, e paisagens ao invés de pessoas. Talvez porque precisava de eternidade, ou talvez apenas porque mexia menos....
O papá era crente, mas não propriamente católico. Ia à missa para fazer prazer a Marie-Pierre, a minha mãe, porque ele dizia que se podia bem perder uma hora por Deus, e porque pensava in petto que nunca se sabe, é sempre importante ter dois ferros no fogo. Guy guardava da sua juventude, quando era pastor, uma grande ternura pela a noite. Dizia-nos que não devíamos ter medo da noite, que a sua estrela, a estrela do Pastor, a primeira a aparecer, estava lá para nos proteger. A lição perdura, eu espreito-a pela noite, quando saímos das luzes da vila, e falo dela aos meus filhos.
Com a doença veio o medo. Ele passou a temer a chegada da noite, já não contava o tempo em dias, mas sim em noites, aterrorisado pela chegada dos pesadelos, das recordações de mortos, da guerra, dos mil pequenos sofrimentos e dos terrores de infância que enterramos na nossa vida adulta, e que voltam para nos assustar no final. Ele nunca tinha falado disso, foi preciso esperarmos por estas últimas semanas para o descobrirmos, incoerentemente, com ele a falar desses fantasmas do passado enquanto tremia, fora de si, aterrorisado.
É uma das grandes lições  que retiro destes últimos dias, e que temos que perceber, nós e os seus netos: não se deve guardar no fundo de si próprio os nossos terrores minúsculos, eles devem ser falados, dominados, para nos podermos eventualmente livrar deles, ou pelo menos para podermos viver com eles. O papá não soube, e elas vieram à superfície quando ele já não podia lutar, e asseguro-vos que o medo que ele ressentiu foi horrível.
Não são coisas que se digam, mas quem o dirá então? A sua agonia foi terrível. Após 16 anos de doença de Parkinson, o seu corpo fechou-se sobre ele próprio, foi morto e enterrado num envólucro que já não era o seu. Temos que medir esta descida ao inferno degrau a degrau. A primeira vez que ele não conseguiu pintar. A primeira vez que ele perdeu o equilíbrio num escadote. A primeira vez que ele entornou o seu copo sem o conseguir apanhar. A primeira vez que ele não teve tempo de chegar à casa de banho para fazer as suas necessidades. A primeira vez que ele mexia demasiado para conseguir falar ao telefone. Doença horrível, que num mesmo dia faz com que se mexa ora demais, ora de menos.
Mas ele ainda não tinha visto nada. Depois teve que suportar a humilhação de usar fraldas, de ser despido pelos seus filhos, de se fazer limpar as partes íntimas por desconhecidos, de ouvir enfermeiras dizer-lhe ao ouvido "então, o Sr Johannès comeu bem? Acabou o seu iogurtezinho"? Mais ele se tornava acamado, mais as pessoas pensavam que ele era surdo e demente, o que estava errado. Uma das últimas vezes que ele conseguiu comer com colher, em boa verdade uma das suas últimas refeições (um blédina com gosto de brioche), perguntei-lhe se estava bom, se estava quente, todas essas coisas idiotas que se dizem quando damos de comer a alguém que não diz uma palavra há dois dias. Ele apenas me respondeu "arheu, arheu", imitando um bebé, com esse terrível sentido de humor muito negro, de gosto muitas vezes duvidoso, e que foi uma das coisas incontestáveis que ele nos legou.
Depois, claro, as coisas ainda pioraram. Ele queria morrer em casa, junto de nós. Retirámo-lo do Hospital, um sítio bem limpo, perto daqui, e o médico disse-nos: "sois admiráveis, agora desenrascai-vos". O papá queria morrer. Ele tentou uma vez, mas mesmo isso foi-lhe recusado. Ele já não podia falar, quase não conseguia abrir os olhos, mas ouvia e percebia tudo. Imaginem esse longo pesadelo, o que deve ser estar fechado no seu próprio corpo, num silêncio constrangido, de não conseguir mexer as pernas, de não conseguir comer, de já nem conseguir aspirar um pouco de sumo de laranja por uma palha, e finalmente de ficar com as mandíbulas fechadas para sempre, sem conseguirem abrir-se, terminando com a última réstia de contacto com o exterior.
E ele estava lá dentro. Duas semanas. A contar os dias e as noites. Dopado com morfina, acordando de sonos perturbados, à espera semi-consciente de ficar ainda pior. Eu sei que ele pensava "mas o que é que vocês estão a fazer"?! Fizemos o que pudemos, era o que lhe dizíamos. Por vezes aparecia-lhe uma lágrima, e nós chorávamos por ele.
Em França, a eutanásia é proibida. Fomos um dos últimos paises da Europa a abolir a pena de morte, seremos um dos últimos a legalizar a eutanásia, mas a contradição é apenas aparente. Não se morre de doença de Parkinson. O papá tinha um coração de ferro e pulmões de atleta, e poderia ter vivido um século. Em França não se abrevia o sofrimento, alivia-se. O papá não conseguia mais comer nem beber? Deu-se-lhe morfina em doses altas, e esperámos que ele morresse de fome e de sede.
Vocês conseguem medir o horror e a barbárie de tal coisa? Hipócrates teria querido isso? Que todos os que amavam Guy não esqueçam o seu calvário, ele aderiu a uma bela associação, e eu também, que milita pelo direito a morrer com dignidade. É uma bela iniciativa, mas que lhe foi interdita. A lei Leonetti de 2005 deu um passo em frente, mas um passo apenas. Que cada um de nós, com os seus meios, se batam para fazer avançar as coisas. Em memória do meu papá, mas também por nós, para precavermos o que o futuro nos reserva.
Agora ele finalmente encontrou paz. O papá era crente, meio budista. Ele acreditava em espíritos, na reincarnação, no anjo da guarda. Um dia no Hospital ele suplicou-nos que parássemos os calmantes, porque ele dormia sem sonhos e já não podia ouvir o seu anjo da guarda. Nos útlimos dias, a angústia tinha afastado o anjo. Estou bem certo que ele hoje paira à nossa volta, com um sorriso misterioso como aquele que se pode encontrar na catedral de Reims, e que o papá gostava tanto.
(...)

Bonemaison


Este é o nome do médico francês, agora internacionalmente conhecido por estar a braços com problemas acerca da sua interpretação do fim de vida.

Quer estejamos a falar do não início fútil de tratamentos que não melhoram o prognóstico global do doente, quer estejamos a falar na sua suspensão, ou na administração de paliação (e aí são domínios diferentes as doses e tipo de analgésicos e sedativos usados...), e por aí fora, a questão essencial vai sempre bater num ponto:
-Quem deve decidir, e como se deve decidir?

O caso desse médico em particular aparece extremado pelas notícias vindas a público (que devem ser vistas com as reservas que é sempre saudável ter perante exposições jornalísticas), tratando-se aí de um homem que aparentemente, perante casos de doentes terminais que recorreram ao serviço de Urgência onde trabalhava, terá assumido, não apenas a escusa de iniciar terapêuticas em sua opinião fúteis, mas ainda a administração activa, não apenas de sedativos ou analgésicos, mas também de paralisantes neuro-musculares (medicamentos que impedem o doente de respirar, levando à sua morte em poucos minutos).
Isto sem, aparentemente, ter conferenciado com outros colegas nem com os familiares.

É deveras impressionante, mas há uma nota digna de registo: nenhum familiar apresentou individualmente queixa, mesmo depois de ser ter feito a acusação pública (com base numa queixa interna de enfermeiros do serviço, que teriam testemunhado outras situações análogas deste homem no passado).

Isto tudo leva-me a concluir que, mais uma vez, o problema fundamental aqui é o da falta de comunicação, e de falta de padronização ou sistematização na abordagem de um problema que é transversal a todos os seres vivos: a altura em que se preparam para deixar de o ser.

Provavelmente, se as coisas tivessem sido discutidas com os familiares, não apenas na altura terminal em que o doente vai ao SU caquético, mas bem antes disso, e também com o próprio doente numa altura em que as suas funções cognitivas estariam intactas, provavelmente isto não seria problemático para ninguém, desde que devidamente enquadrado legalmente (e isso, enfim, é outro problema, a teimosia da estrutura legal se manter pesada em libertar as pessoas para decisões acerca do seu próprio corpo e da sua próprioa vida...).

Porque advém outro risco de ficarmos todos a pensar, sem mais, que é inadmissível um médico isolado tomar uma decisão como as que este senhor tomou: a de, por inércia na abordagem destas questões, nos vermos um dia na contingência de não estar suficientemente lúcidos para emitir opinião, e de ficarmos a sofrer de forma inadmissível por períodos mais ou menos prolongados de tempo. E atentem bem que é muito diferente agoniar-se (irreversivelmente) com dores ou falta de ar um dia, uma semana ou um mês....

Não me choca a réstia de "suicídio assistido" que este caso esboça (não sendo obviamente suicídio por não ter partido a intenção da parte do próprio doente, sendo aqui concretamente um caso de "homicídio por compaixão", na melhor das hipóteses).

Convém é que rapidamente possamos deixar explicitamente, por escrito, o que queremos que façam de nós nos diferentes contextos clínicios em que nos poderemos (e iremos) um dia encontrar, permitindo aos profissionais que nos façam tudo aquilo que desta forma autorizarmos.
Seria um primeiro passo, permitir este género de "testamentos".

Para um dia mais tarde torná-lo obrigatório (tal como o é o registo do nascimento de uma criança), por forma a não subsistirem dúvidas acerca do que qualquer um de nós queria (ou não queria) nessa fase incontornável (do fim) das nossas vidas.

O pior que pode acontecer, é fazermos de conta que isso é problema dos outros. Não é. Vai ser o nosso um dia, quiçã um dos que mais nos irá afligir, seguramente um dos que mais nos fará sofrer.

E são casos mediáticos como este que impulsionam quem lida com este tipo de doentes a nada fazer que os possa depois vir a tornar alvo da chacota mediática e social mais ou menos bem intencionada.
Não tenham pois qualquer tipo de dúvidas também acerca disso: nos próximos tempos, em França, os que sofrem vão ter o privilégio de ficar a sofrer mais tempo, porque ninguém vai querer correr o risco de ser acusado de ter "precipitado" indevidamente as coisas, por mais imoral que isso possa ser no outro extremo deste mesmo problema....

Pela enésima vez: está na altura de abrir a pestana!

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Respostas que nos Partem Todos






Na visita diária à enfermaria, eu, para um doente na sua cama, querendo soar mais entusiasmado do que realmente estaria:



-"Então, como é que está hoje"?



O doente, com ar plácido e resignado:



-"Deitado...".

terça-feira, 19 de julho de 2011

Esclerose Lateral Amiotrófica


Ou ELA, simplificando.

Doença do neurónio motor, irreversível, que culmina na paralisia da musculatura do doente.

Sendo dramática (por ser fatal), afectando ainda por cima gente muitas vezes jovem, levanta invariavelmente questões interessantes.

Quantos doentes com essa doença foram questionados, pelo seu neurologista ou clínico geral assistente, o que pretende que suceda quando chegar a hora em que deixa de ser capaz de respirar, e se coloca a questão da indicação para entubação oro-traqueal e ventilação assistida?

Isso é muito mais importante, caro leitor, do que possa parecer à primeira vista, uma vez que a história natural da doença é a redução progressiva da capacidade ventilatória, predisponente a infecção respiratória, início muitas vezes nessa fase de um dispositivo de ventilação não-invasiva (VNI, vulgo BPAP, nestes casos), e finalmente pneumonia, invariavelmente grave pelos motivos referidos supra, geralmente fatal.
E a importância prende-se com a forte possibilidade de nesta fase, num doente com ELA em estádio avançado, e com qualidade de vida por isso profundamente reduzida, esta atitude muitas vezes resultar em dependência de prótese ventilatória.
Ou seja, o doente deixa de estar capaz de assegurar a via aérea, e precisa de ser traqueostomizado, e muitas vezes precisa também de continuar a ser ventilado mecanicamente. Isto, claro, quando sobrevive à pneumonia.

Não deixando de falar no problema (eticamente major), que é a eventualidade de, resolvida a intercorrência infecciosa, o doente voltar ao seu status basal (da sua doença neurológica), e à sua vidinha tal como ela era antes da pneumonia. Ou ainda de poder adaptar-se a um dispositivo de VNI e poder regressar a casa, quando tem quem trate dele (o que vai sendo cada vez mais raro).

A verdade é que a regra é chegar o dia da insuficiência respiratória e nada disso ter sido discutido, na calma e ponderação de outros tempos e noutro estádio da doença em que havia condições para isso.
E o drama começa. Uns familiares dizem que ele "quereria viver" a todo o custo, outros que ele acima de tudo "não quereria sofrer". Uns entubam, ventilam e condenam ao resto de uma má vida (por vezes anos), mais ou menos paralizado, entubado, e depois traqueostomizado, ligado a um ventilador numa qualquer Unidade de Cuidados Intensivos (zona de "crónicos" nos centros grandes...). Outros não entubam e paliam, gerando controvérsia por não se ter "feito tudo", sendo "tudo" não mais, muitas vezes, que o acima descrito. E torturam-se com o inevitável "e se...?".

A vida não é fácil....
Mas facilitá-la-íamos se falássemos abertamente aos doentes da evolução das suas doenças, e das suas reais expectativas para a "fase final" das mesmas perante os cenários que bem conhecemos, isto em alturas em que vale a pena fazê-lo (e não numa fase de agonia do enfermo, em que todos receiam tratar e ninguém ousa paliar...).

terça-feira, 12 de julho de 2011

Medicina "Simplificada"



Imaginem os carros novos, chega-se à oficina, "ligam-no ao computador", e este assinala as avarias (e/ou as atitudes protocoladas a ter em função delas).

Em Medicina vai-se tentando a mesma coisa. Por exemplo com isso:













Usado assim:
















Há muitos (relativamente) equivalentes, todos muito, muito mais desinteressantes.
E nem sempre é boa ideia simplificar demais o que é complexo.

Mas em geral ajuda, e em casos seleccionados ninguém duvida das vantagens de "ligar o doente à máquina", a ver se ela nos "diz" o que fazer a seguir.

Chama-se catéter de Swan-Ganz. E é uma das coisas giras que se podem usar, nesta profissão.

quinta-feira, 7 de julho de 2011

E A Tua Doença Psiquiátrica, Qual É?



Com um grande abraço aos Cacifeiros todos (que são os meus inseparáveis colegas de hospício!), directamente a partir deste blog.

Delação ou Serviço Público?


Muito interessante o que se está a passar (e a escrever) por aqui.

Whisteblowing (um conceito novo para mim) ou bufaria?

Indo ao cerne do nosso subconsciente nessa matéria, a resposta é fácil: se a matéria em causa é verdadeira, gostamos e apoiamos todos; se for mentira, censuramos.

Mas a questão da denúncia pública em si, antes da averiguação da verossimilhança, não é pacífica.
Alguns acham que o crime que existirá em algumas instituições públicas justifica o risco de se colocar o bom nome de algum inocente em causa através do exercício de whisteblowing.
Outros dirão que o facto da bufaria poder ser caluniosa, desde logo inviabiliza o seu incentivo.

O que nos leva a concluir o seguinte: pesando os prós e os contra, qual é o peso relativo do crime/ilícito encoberto (mais ou menos grave, mas público porque perpetrado em instituições públicas) versus a calúnia (também pública) de um cidadão inocente?
O medo do segundo deve levar-nos a abdicar de apoiar a denúncia do primeiro?

Para isso, e cingindo-nos ao mundo da blogosfera (apesar de tudo, frequentado por alguma minoria elitista no que respeita o nosso país), poderíamos tentar avaliar as potenciais consequências nefastas reais de uma ou outra atitude.
E assim, por um lado alguém vítima de calúnia neste meio pode continuar a dormir tranquilo, uma vez que só o seu orgulho e honra ficam feridos, que são coisas que como bem vamos sabendo à medida que envelhecemos, só nos atrapalham, e que até convém nos habituarmos em meios globais e anónimos (e não nos relacionamentos pessoais, directos, onde me parece salutar) a relativizar (quer quando nos ferem a nós, quer quando pretendem ferir terceiros que nos são anónimos).
Poderia parecer portanto fácil a minha conclusão, mas isso só aconteceria se o mal do outro lado consistisse em abdicar-se de esclarecer e corrigir situações anómalas denunciadas, o que bem sabemos, também não acontece por estas bandas, em que convivemos com as irregularidades de forma comensal, quando não simbiótica, ainda que publicamente denunciadas. É exemplo disso aquela coisa de uma determinada prova "não ser lícita", apenas porque não consta de um manual desactualizado qualquer de um juíz (e por mais que "faça prova", como em várias escutas de má memória).

Ou seja, enquanto não somos consensuais nessa matéria, sugeria o seguinte: praticar o saudável (e cada vez mais útil) exercício de cagarmos de alto a calúnias infundadas sobre a nossa pessoa nestes meios globais e anónimos, e deixarmos de perder tempo a perseguir indivíduos que podem (ou não) estar a prestar um serviço público ao denunciar ilícitos, passando antes, quando dizem respeito a instituições do Estado, a estimular a averiguação da sua eventual veracidade, isto por parte dos elementos das respectivas instituições que deviam ser competentes para tal.

E assim, todos ficávamos satisfeitos.
Mas é verdade que requer treino....