sábado, 19 de janeiro de 2008

Causa de Morte: PCR

Isto a propósito de uma notícia recente, em como teria morrido mais uma criancinha não sei onde por "Paragem Cárdio-respiratória" (PCR). Senti-me logo identificado, todos os meus doentes infelizmente contemplados com o exitus final foram também vítimas disso. Arriscar-me-ia ainda a adiantar que em 2007, se morreram 100.000 pessoas em Portugal, as mesmas 100.000 foram vítimas dessa fatal PCR. Parou o coração, pararam de respirar, e morreram por isso (e porque continuaram assim). Parados. Já perceberam os argutos leitores: PCR não é causa de morte. Ou melhor dizendo, é causa (e consequência) universal de morte, e é de bom tom nesses casos adiantar a causa da PCR (já que a PCR se presume...) ou, na ausência de causa conhecida (uma enorme percentagem das mesmas, por sinal), adiantar que a causa de morte (e de PCR) é desconhecida. Dizer que a causa de morte é a PCR será, por outras palavras, o mesmo que dizer que perdi o controlo do carro porque o mesmo se despistou. Ou que o café está quente porque me queimou a língua. Ou que me chateia não poder fumar em locais públicos porque dantes gostava de fumar lá. É uma redundância. E não diz nada sobre aquilo que supostamente deveria esclarecer o receptor da mensagem: "a Causa". Naquele caso, da criancinha, a causa é provavelmente desconhecida. Pode ter sido morte súbita do recém-nascido, uma anomalia congénita descompensada, uma infecção fulminante.... Tudo causas de eventuais mortes, e de PCR's (e das duas coisas). A confusão, entrando no lado metafísico da coisa, pode-se ainda dever ao facto da PCR "ter tratamento" (e da morte, por definição, não). Tratamento esse que tem tanto de popular quanto de ineficaz. Mas qual dos leitores não se comove com as manobras de suporte básico e avançado de vida numa rua apinhada de gente expectante? E aqueles poucos casos reversíveis, por mais irreversivelmente anóxicos (vulgo "vegetais") que estejam (uma esmagadora percentagem desses poucos reversíveis), não justificam tudo? Duvido. Ou seja, é discutível. Ou seja, se morreu, fale-se em causa de PCR, e não em PCR como causa de morte. Se esteve em PCR e não morreu, continua a ser pertinente saber porque entrou em PCR. E ter a noção que é muito melhor transmitir o conceito de peri-paragem (estados de risco de entrar em PCR... e morrer -permanecer em PCR - ou não), do que de falar em meios de abordar doentes em PCR. É que PCR é, quase sempre, tarde demais.

1 comentário:

Luz disse...

Concordo com tudo o que escreveste... Mas começo a achar que estás a pedir demais. Também já pedi e já me cansei!
Nem vou falar da população em geral, mas jornalistas (alguns) deveriam pesquisar ou se informar mais. Mas num país onde eles são os primeiros a dizer "quaisqueres", "ha-des" e não sei quantas mais barbaridades... A causa de morte ser PCR é normal!