Li isso: "Os alunos só vão poder chumbar duas vezes no mesmo ciclo de ensino com uma autorização dos pais. Como avança o Diário de Notícias, os planos de recuperação, as justificações escritas e uma legislação que determina claramente que a retenção “só ocorre após a aplicação de uma avaliação extraordinária” são alguns dos pressupostos que devem ser cumpridos. (...)".
O "ser retido" é particularmente fabuloso. Quase que apetece experimentar, ao contrário de "chumbar", com evidente conotação negativa que muitos anos anti-socialistas deixaram no nosso imaginário traumatisado pela exclusão.
Sugiro exercício semelhantes na minha área, a da Saúde.
Uma vez, uma senhora enfermeira veio ter comigo numa Urgência Interna dizendo que um doente "tinha partido". Certamente entorpecido por algum factor ambiental do momento, perguntei: "partiu o quê"? "Não partiu nada" respondeu-me ela, acrescentando -"partiu"!, fazendo um acenar para trás das costas com a mão direita. "Foi-se embora"?, indaguei já algo ansioso por estar a trocar tantas palavras sem conseguir perceber a descrição da situação, como em princípio se pretende numa conversa destas. Já com um condescendente sorriso, ela concluiu: "nããããõ... partiu"! com o polegar virado para o chão.
O resto dessa conversa é impróprio para consumo, daí que tenho as minhas dúvidas quanto à aplicação de terminologias tipo "reter" na minha área, sem antes uma clarificadora sessão explicativa a todos os profissionais envolvidos.
Mas não devemos deixar de explorar e desenvolver essa ideia, apesar das referidas reservas.
Talvez tentar dizer aos familiares de um determinado falecido, ao invés de um clássico "lamento informá-la que acabou de falecer o seu Pai", usar antes um empolgante "o seu Pai está agora num sítio melhor!", ou então "espero que tenha uma boa memória e uma ainda melhor imaginação, pois vai precisar de ambas para voltar a falar com o seu Pai", entre muitos outros chavões para os quais a imaginação é o limite.... Até o tal "partir", desde que se adiante logo, para evitar confusões, que não estamos a falar de loiça e que o ente se mantém calmamente deitado numa qualquer maca de transporte a caminho da morgue, e sem qualquer instinto de fuga.
Em alternativa, pode ficar tudo estático no imobilismo actual, e limitarmo-nos a dizer que um morto está... morto.
Já na Educação, chumbar passa a ser "ficar retido". E "ficar retido" passa a ser um feito, pelos requisitos que se adivinham, digno de algumas poucas figuras com QI record, o que, contranatura, vai fazer com que as criaturas passsem não mais a fazer parte do grupo mais ou menos avantajado dos cábulas ou dos baldas, como acontecia naturalmente no meu tempo, mas sim da ultra-minoria realmente cretina sem qualquer reabilitação intelectual, cultural ou social possível (nenhuma das 3!).
Já não é "apenas" ser tuberculoso em Portugal, é ter uma espécie única de bacilo de Koch ultra-resistente a todos os antibióticos, pesticidas e armas químicas conhecidas em pleno metro de Nova Iorque!
Ficamos ansiosos à espera do primeiro espécimen "retido" detectado, vai dar concerteza direito a artigo científico. Agora que passar de ano escolar passa a ser tão complicado quanto festejar um aniversário....
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