Os estuprados.
Por exemplo, os Técnicos de Laboratório. Pela minha experiência, muitos laboratórios da actualidade limitam-se a lidar com máquinas (fruto do avanço tecnológico), nas quais introduzem o sangue (e outros fluidos) dos doentes. Já lá vai o tempo do microscópio e outros adereços que tal, até para exames microbiológicos. Hoje em dia, quem manipula os produtos, deste a sua colheita até à impressão do relatório, são os técnicos, cabendo aos meus colegas aferir da qualidade destes últimos. E dar o "carimbo" de aprovação.
Isto seria tudo muito bonito se os erros, perante centenas de relatórios diários, não fossem inevitáveis, com ou sem supervisão. E se todo o processo não fosse de sobremaneira "encalhado" por esta dinâmica burocrática (as análises surgem-nos nas mãos com inusitada velocidade a partir do momento em que o "carimbo" deixa de ser necessário). Por falar nisso, é interessante como todos se conformam com a ausência física, considerada portanto aceitável a partir de certa hora da noite, do médico analista, mas já não durante as horas do dia.
E o problema aqui não está na utilidade, que é obviamente real, do Médico Analista. Está na teimosia em insistir-se nessa função de "portador do carimbo", mesquinha, ridícula e absolutamente desprovida de qualquer efeito prático, além do nefasto atraso que provoca na obtenção dos resultados por parte do Clínico Hospitalar. Ele é necessário, sim, mas para outras coisas. Ou, visto de outra forma, provavelmente menos necessário do que aquilo que se pretende artificialmente fazer crer.
Idem aspas para técnicos de Imagem. Conheço uma, que faz ecografia, por sinal muitos mais ecocardiogramas que qualquer Cardiologista, muitos mais doppler dos vasos do pescoço e transcraniano do que qualquer Neurologista, e que resolveu, com a sua presença no apoio aos serviços, o problema do atraso, vide impossibilidade prática, de se obterem esses exames em tempo útil. Só que lá está, também ela precisa do "carimbo" de um "especialista" qualquer.
O argumentário para esta demência? Geralmente anda à volta da faculdade "interpretativa" desses exames, que estes últimos acrescenterão ao pacote. Claro que ninguém pergunta se o clínico que pediu o exame está sequer interessado em "interpretações", ao invés de descrições (deixando as interpretações para ele próprio). Claro que ninguém comenta ou investiga se o "olhar interpretativo" não introduz um viés à correcta descrição das imagens, que se quer mais denotativa, e menos conotativa, prejudicando assim a utilidade (e realidade) do exame. Claro que os erros se mantêm, quando existem. Claro que ninguém no seu perfeito juízo espera pelo relatório final, contentando-se com a informação verbal do momento (da técnica, claro está), muito mais dinâmica, e invariavelmente sinónimo daquilo que nos surge na mesa, fora de horas, vários dias depois.
Chega-se aliás ao cúmulo, neste caso que eu testemunho no meu dia-a-dia, da senhora até saber fazer outras técnicas ecográficas (que não existem na instituição), não as podendo porém realizar por falta de quem lhes dê uma "carimbadela". Lá as vai fazendo, a nosso pedido e a bem do doente, mas sempre off the reccord, já que susceptibilidades feridas, neste país, podem fazer muita mossa, até às gentes de bem....
Eu próprio descobri que o mesmo técnico que faz um ECG a um doente meu no Hospital (que eu depois interpreto, às dezenas por semana), com toda a competência (aliás a "dificuldade" da "coisa" está em saber onde se põem um conjunto de ventosas), não os pode fazer em ambulatório porque precisa de uma "interpretação" antes de chegar ao médico que o requisitou (mesmo que esse não tenha pedido qualquer relatório, note-se). Aliás, em ambulatório, nem eu estou tãopouco "habilitado" a interpretar um ECG (perco essa faculdade quando ultrapasso o portão do Hospital). Obviamente que no Hospital, onde as pessoas são pagas à hora (e ganham o mesmo que façam x, quer façam x ao quadrado), seria uma chatice (além de supérfluo) o Cardiologista opinar sobre todos os ECG. Claro que, fora do Hospital, ele não só não se importa como até faz questão (através da Sociedade que o defende).
Isto também é válido para uma série de exames (radiográficos, etc...), que, de um momento para outro, carecem de validação ao mesmo tempo que deixam de ser "Serviço Público".
Quanto mais velho fico, menos paciência tenho para este concentrado de estupidez.
Mas as coisas vão melhorando, julgo.... E isso há de mudar um dia, devagarinho.
4 comentários:
É o dia-a-dia do nosso hospital.
Nunca melhor apelidado como "concentrado de estupidez".
Mas é também uma boa questão para colocar à OM e aos colégios das especialidades, que definem as competências técnicas.
Como sabemos existem especialidades que se atropelam (ex: estomatologia/cirurgia maxilo-facial) e outras cujas competências precisam de ajustamentos urgentes.
Como eu o compreendo...
Sou licenciada em análises clínicas e trabalho num hospital publico na zona de Lisboa, onde além de todo o trabalho de laboratório, também nós fazemos as colheitas todas que sejam da competência do técnico além da validação dos resultados que salvo nas manhãs de semana em que essa validação é feita pelo médico patologista. Todos os que trabalham numa urgência hospitalar sabem que as manhã geralmente são caóticas, o que não quer dizer que a tarde também não o possa ser, não sei se por essa razão se não, mas acontece que as queixas que nos aparecem são maioritariamente das manhãs devido ao atraso dos resultados, os quais nós apesar de completamente concluidos não podemos dar saida devido à necessidade de validação do patologista... será que os técnicos nas manhãs de semana tornam-se ignorantes? não sabem fazer o trabalho que lhes compete? e já agora onde anda o patologista, alguém sabe?
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