quarta-feira, 2 de maio de 2007
Lei Anti-Tabaco
Em primeiro lugar começo pelos conflitos de interesse: sou médico, fumador.
Esta lei é sinais dos tempos.
A sociedade, e isso vê-se bem quando se trabalha em instituições de saúde, está a seguir um trilho de "higienização" progressiva, em que se abomina, e finalmente proíbe, tudo aquilo que conduz à morte "prematura (de conceptualização muito mais complicada do que aparenta). E isso num serviço de Urgência vê-se bem, sobretudo nas noites de fim-de-ano, em que surgem dezenas de imberbes subitamente doentes por aquilo a que denominamos "intoxicação alcoólica", que eu conhecia pelo nome de bebedeira. A história é: bebi demais, e a seguir fiquei com náuseas, dores abdominais e sensação de mal-estar geral.
Tudo isto sempre me pareceu irracional, pois em última análise, o factor de risco suficiente para este fim comum que é a morte ser o nascimento.
Foge-se portanto ao real debate, que é a Filosofia com que se encara a liberdade de cada um poder dispor da sua própria saúde, neste caso no tocante a factores de risco (para deixar a eutanásia e o suicídio fora deste debate). E factor de risco consiste em... risco (uma probabilidade x de vir a contrair a doença y). São muitos: tabagismo, mas também sedentarismo, obesidade, qualidade do sono, factores económico-financeiros, factores culturais, entre outros MODIFICÁVEIS.
O atentado à saúde de terceiros, no caso do tabaco, sempre foi colateral. É verdade que existe um primeiro estudo, em 2006, que SUGERE morbilidade e mortalidade acrescidas. Mas outros existem, prévios a esse, que não mostram qualquer relação.
Acima de tudo, falta neste capítulo a resposta a perguntas simples: quantas centenas, senão milhares, de pessoas não-fumadoras, têm que ficar expostas ao fumo de terceiros para haver uma doença ou uma morte imputável ao tabaco? E qual a quantidade da exposição (estes estudos incidem invariavelmente em pessoas com exposição maciça: empregados de bares, etc...). Sabe-se que todos os não fumadores vão morrer um dia, com algumas das doenças que afectam também os fumadores (já que existem outros factores de risco com os mesmos alvos que o tabaco), a questão está em saber qual é o peso do tabagismo passivo. E isso, caríssimos, ainda não se sabe, pois a única forma de de o saber é com um estudo prospectivo randomizado, duplamente cego, que ainda não foi feito, em que de um lado temos um grupo de cidadãos com outros factores de risco (e essa é a randomização realmente importante) mas sem exposição ao fumo passivo, versus outro grupo com exposição, e com outros factores de risco sobreponíveis aos do primeiro.
Então sim poderá-se falar de risco em fumadores passivos, e quantificá-lo para este grupo de expostos maciçamente (como se fez com as crianças e a correlação com atopia).
Mas como disse anteriormente, isso não interessa nada aos legisladores, já que o enfoque é dado por forma a este ser considerado um dado colateral, além de falsamente adquirido (e a Ciência nunca foi entrave para os sofistas).
Despesa acrescida na Saúde com fumadores? Tenho muitas dúvidas. Os fumadores pagam impostos semelhantes aos outros, mais a barbaridade que lhes é exigida pelo tabaco (praticamente 100% direccionada para o Estado), têm menos anos de vida (8-9 anos, em média), mas na franja em que os anos de vida significam despesa acrescida do Estado para com o cidadão (é a fase em que ele se encontra reformado, mais doente, com maior recurso a instituições de saúde, com maior e crescente número de remédios a serem comparticipados, etc...). Logo, despesa acrescida, duvido. Até porque, e não me canso de relembrar: os não fumadores também morrem, de doença igualmente crónica e onerosa. Só que mais tarde, mas não me quero repetir....
O aumento do preço com o tabaco reduz os fumadores (entenda-se: coage os que têm menos dinheiro a terem que deixar de fumar).
Além da discriminação encapotada, que consiste em vergar aqueles que não têm meios para resistir à ofensiva taxante do Estado, gostava de saber as contas finais nos rendimentos do Estado com o tabaco de tais medidas. É que ao contrário do que se possa pensar, o Estado lucra barbaridades, pois ainda que haja menos fumadores, os que continuam a fumar pagam o suficiente para compensar largamente o emagrecimento das suas fileiras.
Adiante, ingenuamente acredito então: o Estado realmente quer o melhor para a minha saúde (não falo da contradição com outras medidas colaterais relacionadas com o SNS, pois este post já está enorme...). Quer que eu pare de fumar.
Comparticipa os medicamentos comprovadamente eficazes na cessação tabágica? Grande contradição, meus senhores. E não falo apenas das pastilhas e sêlos de nicotina, mas isso já foi descrito abaixo, noutro post....
E a obesidade? E o sedentarismo? E a qualidade do meu sono? E a poluição atmosférica? E as minhas condições sócio-económicas?
Porquê só o tabaco?
Porquê só os fumadores?
No fundo: Porque é que não posso, devidamente informado das maleitas do tabaco (concedam-me lá isso...), fumar assumindo riscos para a minha saúde? Em bares devidamente assinalados, em carruagens de combóio devidamente assinaladas, em salas no meu Hospital para o efeito?
Isto faz-me lembrar uma questão existencial que me pus no outro dia quanto a um doente internado, hipertenso, fumador e diabético, octogenário. Num gesto automático, prescrevi-lhe uma dieta sem sal e com restrição de hidratos de carbono; resultado: o homem não comia nada. A aguardar penosamente pela alta, para regressar aos seus queijos e enchidos.
E, obviamente, ao seu tabaco....
Uma última nota, para aqueles que estarão a pensar no mau exemplo que estou a dar, sendo médico e "pró-tabágico". Desaconselho quem quer que seja a fumar, pois faz mal à saúde, e afecta a qualidade de vida.
Mas nunca disse a um doente fumador que "não podia" fumar. Digo-lhe sempre que "não deve", e acrescento o porquê.
Chamo-lhe respeito, pela sua liberdade individual.
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