Casos ingratos, e interessantes de um ponto de vista profissional.
Ou seja, febre isolada, sem diagnóstico, durante pelo menos 3 semanas segundo alguns critérios algo mal definidos internacionalmente.
Para o doente, a angústia da doença sem rótulo.
Para o médico um escalar de exames cada vez mais invasivos.
Quanto mais o tempo passa, menos a hipótese infecciosa (uma das 3 principais) se vislumbra, e mais se consideram as hipóteses neoplásica e de doença inflamatória sistémica de outra causa (do grupo de "doenças raras", se quiserem...).
Exames cintigráficos, biópsia hepática, da artéria temporal, óssea e mielograma, punção lombar, exames imagiológicos diversos, com ou sem arteriografia, análises e serologias menos comuns a acompanhar o corropio de ideias que vão surgindo à cabeça numa determinada circunstância, mais ou menos apoiadas em opiniões retiradas de artigos recentes ou das visitas médicas....
Até que às vezes se esgota a imaginação, e opta-se por um tratamento sem alvo certo (uma "prova terapêutica"), com imunossupressores ou antibióticos.
Os desfechos felizes, grandemente dependentes de uma enorme equipa estruturada (médico assistente, imagiologistas, endoscopistas, ecocardiografistas, analistas, patologistas, enfermeiros, outros médicos chamados a opinarem sobre este ou aquele sinal mais específico...), resultam geralmente numa bela recordação, quem sabe num paper.
Muitos outros, infelizes, quer pelo rótulo final de mau desfecho, quer por ausência total de rótulo até ao exitus, contam para a memória de insatisfação pessoal e sensação de dever não cumprido. Além da insatisfação de quem se recusa a compreender, e quem sabe se arrepende de não ter apostado noutro cavalo (vulgo médico, neste caso).
São casos crónicos, para com os quais a frieza da rotina e do contacto acelerado não protegem aqueles que acabam por conhecer demasiado bem a pessoa para se limitarem ao doente.
Bem sei que deverão estar todos a pensar que cada caso (revendo-se na pele de indefeso doente) deve ser para o médico um caso de vida ou morte, em que ele empenha naqueles curtos segundos de observação e actuação toda a sua concentração. Lamento desiludir-vos, pois felizmente, na grande maioria dos casos, aborda-se o doente com um organigrama mental mais ou menos sistematizado conforme as queixas ou sinais que se observam (ou seja, a participação do próprio doente é-lhe muitas vezes de crucial importância), sem empatia ou emoção pela dispneia, pela sensação iminente de morte, pela dor excruciante, pela tristeza, apenas focado em observar isso, tratar assim, excluir aquilo, e por aí fora. Com um toque pessoal e característico de cada um, bem se vê....
Isto tudo surge porque estou neste momento a viver um caso destes, em que começo a gostar e a empatizar mais do que queria com o meu doente, em que começo a ser seriamente detestado pelos seus familiares, e em que ainda não atingi a satisfação do diagnóstico, que não sei ainda se será de feliz descoberta ou não. Já lá vão vários meses de doença, as últimas três semanas (com muita morbilidade à mistura) ao meu cuidado.
No princípio queria ser bem sucedido por mim, era uma questão principalmente de super-ego. Cada vez mais quero ser bem sucedido pelo meu doente, que continua a sofrer com a incógnita da sua mazela.
Mas ainda estou cheio de ideias.
A ver vamos....
3 comentários:
Que assim continue cheio de idéias para uma boa investigação diagnóstica.
Caro placebo,
O problema da síndrome febril indeterminada é realmente um dos mais angustiantes, pois quanto mais se avança sem se encontrarem respostas satisfatórias, mais o terreno se torna pantanoso. Começamos a ficar preocupados com a falta de ideias e com a desagradável sensação que nos estamos a aproximar do termo "idiopático", que é como quem diz, em linguagem médica, "há um problema, mas não faço a mínima ideia do que possa ser." Escusado será dizer que esta situação, longe de tranquilizar o doente e seus familiares, deixa-os ainda mais apreensivos... Será uma coisa grave? Vão mandá-lo para casa sem esclarecer? Vai continuar com as mesmas queixas que o trouxeram cá? Vai continuar a piorar? E não fazem NADA?! Esta impotência, o médico consciente sente-a. Sente-a no fundo do seu ser. Uma angústia que o corrói, que lhe faz esquecer o orgulho e lhe relembra a fragilidade dos seus conhecimentos. E é aí que, munido de grande humildade, deve reconhecer perante o doente, perante os que o amam, que nem sempre os esforços são coroados de êxito e que, como em qualquer campo das ciências, em medicina a única coisa verdadeiramente inesgotável é a ignorância, o desconhecido. Por isso, amigo, não receie a sua posição. Eu mesmo estou a atravessar uma similar, em que dou comigo (ainda apenas para os meus botões, mas pressinto que em breve para os familiares) a encolher os ombros e a perguntar-me: sei mais ou menos o que o doente NÃO tem... Mas não faço a mínima ideia do que tem!
Um grande abraço!
É exactamente aqui que entra o termo humildade, na perspectiva do profissional, e desespero na óptica do paciente.
Não lhes gabo a fortuna. A uns ou a outros.
Relativamente ao seu caso caro Placebo, nada mais posso desejar que clarividência no seu diagnóstico.
Desejos sinceros de êxito na sua conduta.
Hugo Roque
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