Só há uma explicação possível para isto. O homem diverte-se com o seu novo papel de mete-nojo oficial do Ministério da Saúde!
Poderia aqui dissertar sobre o "grande grupo de portugueses privilegiados que não querem trabalhar", e explicar, para o caso de algum demente aqui passar para ler estas linhas, que não, ninguém me "privilegiou" com este curso, esta especialidade e este emprego que tenho, que tive que estar entre os melhores do liceu nas diversas provas requeridas para entrar na Universidade onde fiz o curso, que tive que trabalhar dias, noites e supostas férias para concluir com sucesso os seis anos do mesmo, sustentado a custo pelos meus pais, que tive que estudar dias, noites e aproveitar bem o tempo que medeia entre os dois para fazer o exame de acesso à Especialidade e escolher a que queria onde queria, que tive que trabalhar nunca menos de 54 horas semanais OBRIGADO por lei (porque nunca quis fazer estas horas que, afinal, agora me dizem sempre foram "extraordinárias") e pelas minhas chefias durante os 7 anos de internato (somados os dois), e que sim senhor, tenho um emprego e um contrato com o meu Hospital, mas cujo salário já foi unilateralmente revisto para -10% há um ano e outros -15% neste, mas que infelizmente me obrigam a cumprir um determinado horário e um conjunto de obrigações, e que, salvo distração extrema da minha parte, desempenho um papel relevante a salvar vidas na chafarica onde me arrasto diariamente.
Mas não quero dissertar sobre isso, porque isso não é concerteza o objectivo da ameba. A ameba, a pronunciar-se desta forma na comunicação social, pretende, única e exclusivamente, despertar nos muitos portugueses que não são "privilegiados" e que até "queriam trabalhar" um sentimento de empatia com as várias medidas atentatórias contra a classe médica, como se a situação de menor privilégio destes não fosse o resultado do trabalho de uma manada numerosa e mais ou menos organizada de bovinos partidocratas aparentados a ele, e aos quais ele tão boa sucessão oferece, contribuindo decisivamente para fazer ruir o que ainda se ia sustentando em matéria de Serviço Público com qualidade à população. Ou seja, ele no fundo não apenas pretende engrossar o grupo de menos privilegiados e de aspirantes a emprego precário, como ainda o quer fazer com as invejosas palmas dos que já pertencem ao clube.
Ele não diz honestamente que os "privilegiados que não querem trabalhar" até aceitaram, fazendo eventualmente demasiado poucas ondas, a revisão dos seus salários na proporção que referi (e que corresponde, sem contar com os impostos "menos directos", aos tais -25% em 12 meses), sem que os encargos com os quais aqueles se tinham comprometido nas suas vidas (sim, porque eles também têm vidas) fossem revistos nas mesmas proporções (os pobres coitados se calhar acreditaram ingenuamente que os contratos de trabalho celebrados com o Estado eram vinculativos...). Ele não diz honestamente que quer acabar (já acabou?) com a hierarquização dos profissionais de saúde em causa, e assim com toda e qualquer veleidade de estratificação meritocrática no sector, bem como da possibilidade de responsabilização directa pela melhoria dos cuidados (chamem-lhe "carreira", ou outra coisa qualquer menos ideologicamente cristalizada), iniciando pela primeira vez no sector um mega-processo de contratação "pelo menor preço", sem qualquer outro critério de qualidade. Ele não diz honestamente que fomenta um política de sobredimensionamento dos profissionais do sector, através da muito populista defesa do acesso "de todos os jovens que o queiram" ao curso de Medicina, tendo por objectivo único, já que não oferece actualmente trabalho aos especialistas que já existem (não se cansando de dizer que não há falta de médicos, mas sim de organização), o de proporcionar uma forma de desemprego certo a milhares de jovens, que assim andam entretidos durante uns bons tempos entre faculdade e internatos, para acabarem num desemprego ou emprego precário "de sonho", ou atirados para o estrageiro para não darem por desperdiçada a primeira metade das suas vidas úteis.
Ele no fundo não diz, e neste país do jornalismo do faz de conta ninguém lhe pergunta também, aquilo que só poderia dizer se não tivesse a preocupação permanente de lavrar este campo à sua maneira, fingindo perante os eleitores que o está a semear: que quer mudar o paradigma do SNS, mantendo-o público em versão low-cost para aqueles que não puderem pagar para ter acesso aos melhores profissionais nos privados, passando estes últimos a ser beneficiários de todos os que podem investir em alguma qualidade de atendimento, em sítios onde vão contratar com base em competência; claro que que ele também serve estes últimos proporcionando-lhes, com estas políticas, um número enorme de profissionais no desemprego, tornando-os "mais baratos". Não lhe faltam enfermeiros nessas condições, com os resultados que tão bem se podem contemplar nos dias que correm (propostas de trabalho a 3 euros/h), e a médio prazo não lhe faltarão médicos também. Menos reivindicativos, menos exigentes, mais submetidos ao patrão (Estado ou privado) e menos ao doente.
Isto faz deste homenzinho um hipócrita, um reles e cínico demagogo.
Que se intitula "médico", o que só confirma a propriedade das premissas inaugurais deste blog, que sempre pugnou pela separação entre o título ostentado e a prática exercida. E que se mantém.
Que se intitula "médico", o que só confirma a propriedade das premissas inaugurais deste blog, que sempre pugnou pela separação entre o título ostentado e a prática exercida. E que se mantém.
Conto com o acaso, apenas por (infeliz) total ausência de fé no divino, para proporcionar a este senhor o que merece ainda em vida. Porque ele até mereceria. Bem sabendo que o acaso, infelizmente, joga contra mim e meus semelhantes, e a favor destes espécimens políticos e os que gravitam à volta deles (e que são tantos...), nestas sociedades moral e ideologicamente doentes como a nossa, e que teimam em não recriar um autoclismo para tudo isto que se vai acumulando até à estratosfera das nossas paciências.
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