quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Patrões



As sociedades europeias fazem gala de terem legislação que protege o povo da "tirania intrínseca" dos "patrões", olhando com alguma sobranceria e nojo para sítios mais liberais ou libertários, sendo o exemplo mais comumente apontado o dos EUA, onde se admite que a sociedade é menos "solidária", menos sensível à pobreza dos desgraçados e às desigualdades sociais (que, como se sabe, e por nossa definição, é sempre culpa de circunstâncias alheias ao indivíduo, ou por outrras palavras, culpa dos outros, dos "mais abastados").

Há pois por cá essa cultura de culpabilização do sucesso, e de desculpabilização de tudo o resto. O mérito é sorte. O trabalho é privilégio. A inteligência é arrogância. Do outro lado, o demérito é azar, a preguiça é discriminação, a ignorância é condição natural da qual se é sempre inocente.

Enfim, de acordo com esta cultura que é a minha, tenho que confessar sentir-me violentado pelo meu "patrão". O meu patrão contratou-me por x, e retirou 10% ao meu salário sem apelo nem agravo. Depois, apesar de termos acordado 14 salários anuais aquando da minha contratação, decidiu unilateralmente passar a pagar-me apenas 12. Finalmente, depois de anos a obrigar-me a trabalhar mais horas que aos demais trabalhadores (o meu patrão legisla as leis que depois executa, não sendo passível de ser levado à justiça, que já agora convenientemente não funciona quando dá jeito que não o faça), pagando-me em função dessas horas que me obrigava a fazer, decidiu agora que me iria pagar metade pelas mesmas (e ainda que tenha recentemente voltado atrás, não interessa, fê-lo apenas por ter constatado que de facto não conseguia assegurar o meu trabalho de outra forma, ou seja, com a minha precaridade).

Este "patrão" é o sacro-santo Estado, que por esta Europa fora se endeusou como forma suprema de garante da justiça que falta aos outros modelos sociais.

Mas eu estou farto deste patrão, que a mim parece cada vez mais um caloteiro hipócrita, na medida em que, tendo esse poder, não permite que eu tome as mesmas decisões para com os meus credores. E já tentei, dizer ao meu banco que passava a pagar menos 25% da prestação da casa, aos senhores da luz, do gás e da água a mesma coisa, aos senhores das gasolineiras, dos carros e dos bens de consumo em geral que não pagava mais os 23% do IVA. Tentei e não resultou....

Ou seja, apesar de toda esta aculturação, acho que aqui há gato. Começo a ficar curioso de saber como será ter um patrão que celebra comigo um contrato, e que o cumpre. Ou que, se não o cumprir, é levado à justiça e é punido de acordo com leis claras e que não mudam em função das suas conveniências. E esse patrão imaginário, desgraçadamente "liberal" ou "libertário", parece-me, curiosamente, muito atractivo à luz dos presentes dias.

Julgo que vou desde já é começar a procurá-lo, porque do outro começo a ficar farto....

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