sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Estupor

Estado estuporoso será aquele em que se apodera de nós um torpor que nos impele a nada fazer, por absoluta falta de vontade, estímulo ou vã esperança de que qualquer acção resulte numa reacção digna do esforço, ainda que mínimo.
É este estupor que me invade, ao ver que me retiram 10% do salário supostos governantes que nada conseguem governar (a não ser, eventualmente, governarem-se a eles próprios), por não saberem fazer contas, nem gerir o dever (muito) e o haver (pouco) deste pobre país, ao longo de anos e anos de "saudável alternância democrática".
Reside a minha residual esperança numa entidade externa que nos valha (chamem-lhe FMI, UE, o que quiserem) mais amiga da matemática, e que venha pôr dolorosa ordem neste caos organizativo, que multiplicou as cigarras e estrangulou as formigas em nome de ideais que giram à volta do facilitismo, do anti-meritocratismo travestido de equalitarismo, enfim, de cretinismo, populismo, nadismo....
É este estupor que me cala a revolta, por saber nada valer a pena dizer ou fazer, por total ausência de capacidade auditiva ou pensante destas pseudo-entidades que nos deviam gerir e regular, e cuja inutilidade, ou incapacidade, são directamente proporcionais à aderência aos postos que ocupam.
Só podemos aspirar a mudar as moscas, e estas pelas anteriores (por nem sequer se vislumbrarem moscas novas no horizonte). E saberão por posts anteriores o meu fascínio pelo insecto em causa....
Foi este estupor ainda que, em dia de eleições presidenciais, me levou activamente a resistir a qualquer ideal de civismo ou de pseudo-democracia pseudo-participativa, e a ficar, contra todos os estímulos familiares (pessoas que nunca deixam de me surpreender na sua fé de que, ao contrário do que racionalmente bem sabem, não contam mais que um mísero voto entre tantos outros que os dilui até uma ínfima insignificância, resultando na eleição destes energúmenos que parecem eternizar-se à frente dos nossos destinos), na minha bendita casinha a não fazer rigorosamente nada, o que foi bem melhor do que fazer de conta que estaria a fazer algo nada fazendo. Optando entre e melindrado incapaz, co-responsável por tudo isto, e vencedor da eleição, e o delirante opositor principal derrotado, mais atreito a poesias que a números, e o lunático outsider que achou um dia que mudar-se para Belém haveria de ser como gerir uma chafarica, tipo um gabinete de consulta de província, já para não falar naquele candidato da agremiação esquizofrénica que é sempre vencedora à partida e à chegada, independentemente da quantidade de votos, que vai sendo cada vez mais residual (o daquela esclerosada mas ainda, pelos vistos, não enterrada ideologia que parecia ter provado a sua falência, há para aí uns vinte anos atrás...), e, claro, o palhaço de serviço.
Enfim, é na minha bendita casinha, rodeada pela sua cerca, habitada pelos meus intimidantes (ainda que inofensivos) cães, longe de estímulos visuais em movimento, de sons ou de fragrâncias que não sejam intermitentemente as da minha fossa séptica (um perfume francês neste cenário), que encontro paz e descanso.
É a minha ilha, o meu éden, e faço de conta que ela não se integra num concelho incapaz de um distrito incapaz de um país incapaz, cheio de gente incapaz que elege incapazes à sua imagem.
Para manutenção dessa deliciosa ilusão dos sentidos, espero manter o ingrediente fundamental da fórmula: mantê-la longe das pessoas. Por forma a manter-me também eu longe das pessoas. Mantendo, obviamente, as pessoas longe dela, e logo, de mim. Nem todos terão o privilégio de conseguir tal coisa. Orgulho-me muito, por meu lado, de ter alcançado um dos meus objectivos vitais, talvez o mais importantes de todos (materialmente falando), que é esse.
Dessa casa, cada vez mais, só saio para o meu trabalho, onde tento criar um ambiente saudável entre os vários co-protagonistas da prestação de cuidados para a optimização dos mesmos, tornando-os cada vez melhores e eficientes, com noções de tentar bem gerir bens materiais finitos que nos saem do bolso a todos, com uma noção esperadamente adequada da minha importância e ao mesmo tempo da minha irrelevância enquanto actor. E não me saio nada mal, nas irrelevantes contas desta irrelevância nacional global.
E volto a seguir para a minha gruta, onde pretendo resguardar a minha família, e resguardar-me a mim próprio.
Na esperança que, um dia, todos façamos o mesmo. Cada vez melhor, como um ambicioso objectivo dos capazes, que se quererão muitos e mais motivados.
Mas tudo isso no tal estado de profundo estupor social, incrédulo de resultados que se vejam em tempos vizinhos, desconfiado da solvência da parte profundamente enquinada da nossa mentalidade global enquanto povo.
E, claro, sabendo que um dia desses isso vai passar. Assim surja um ilusor que me iluda da real desilusão que é tudo isso.

1 comentário:

Coração Felpudo disse...

Subscrevo, como quase todos os posts, este mais ainda...