terça-feira, 15 de setembro de 2009

Não Tem Nada a Ver com Isto, mas...

Um desabafo.
Quem, como eu, segue aquela linha tradicionalista e cómoda de modelo familiar, casando, e tendo filhos, só pode concluir uma coisa: algo correu muito mal no trajecto da evolução das sociedades (da nossa, neste caso).
De uma forma mais ou menos monótona, lá fui estudando muito, tendo boas notas, lá entrei numa faculdade e licenciei-me num curso cuja profissão até tem saída e dá para viver, olhando para a média da restante populaça, razoavelmente bem (em termos de remuneração mensal).
Então começa a estupefacção. Tem-se um filho, e depois, quem toma conta dele?
Se for médico e tiver, além do horário que lhe ocupa o dia regular, mais o acampamento de 24 horas semanal com os amigos num qualquer Serviço de Urgência, e se a sua esposa tiver o mesmo programa de entretenimento, a porca começa a torcer o rabo.
Nos primeiros 4 meses vá lá, alguém está em casa. Depois, começa o cada um por si. Toca a procurar uma ama, ou uma creche, com "horário flexível", em alternativa ao argumento que ninguém parece compreender, e que consiste num suicidário: "lamento informar os restantes "utentes" que estão há horas à espera por uma consulta, mas os meus filhos estão à minha espera com a educadora à porta da creche, e tenho que os ir buscar". Ou informar o chefe de equipa de Urgência que, pasme-se, as educadoras não me ficam com os filhos de noite, e que nesse dia não posso ir além de um terço da minha estadia prevista por lá. Ou pedir ao doente que está a descompensar na enfermaria que faça uma pausa e retome no dia seguinte de onde estamos, por estar com pressa por motivos familiares. Nem declarar game over, e talvez amanhã me despache um bocadinho mais neste, afinal, contínuo processo de formação profissional.
Depois chegam as "férias". Mas férias para quem? As dos meus filhos decorrem num corropio de actividades entrecortadas por rallis citadinos a caminho de outras. Os pais, nem se fala e ninguém quer saber. E há férias de Natal, Páscoa, Grandes, até uns dias no Carnaval e umas pontezitas. Curiosamente, o meu regime de férias, por mais imaginação e desfasamento com a co-progenitora da descendência, não consegue açambarcar o manancial de dias que seriam necessários para alguém lhes dar de comer ao almoço, nesses dias.
Em resumo, os meus filhos são uns desgraçados. Algures entre a avó e a mãe, decidiu-se que todos deviam trabalhar, e eles foram esquecidos pelo meio. Ainda acusam vozes superiores na abstração: "os pais querem que sejam as instituições a cuidar dos seus filhos".
Eu cá, pai declarado inconsciente, contento-me com uma de duas coisas:
1) Não eduquem, mas dêem-me lá uma alternativa a "ninguém" para tratar dos meus filhos naqueles horários que, pelos vistos (e contra as minhas expectativas quando enveredei incialmente pela profissão), tenho mesmo que cumprir;
2) Aceitem os miudos de volta, já que apesar do produto até ser francamente bom, a manutenção com um mínimo de qualidade é-me manifestamente impossível. E assim, o produto acabar-se-á por estragar.
Nunca mais me esqueço do fácies psiquiátrico do administrativo a quem propus a criação de uma espécie de creche nas próprias instalações do Hospital. Até havia uma psicóloga interessada nessa (manifesta) óptima janela de oportunidade de negócio, e as instalações físicas eram mais que muitos. Enfim, digamos que se fosse na Era das EPE's, já eu lá não cantava.... Eram tempos de ingenuidade, esses.
"Adapta-te, pá", estarão a pensar os menos empáticos. Desiludam-se, meus: eu estou totalmente adaptado! As 48 semanais que passo separado da minha cônjuge, por necessidade de desfasamento das nossas Urgências, servem para reforçar o componente de "saudades" que desta forma alimentamos em permanência. A falta de paciência nas saídas de Urgência (de um e de outro) servem para incrementar o "factor disciplina", com imperiais apelos ao silêncio sob pena de defenestrarmos algum, para servir de exemplo, neste caso ao outro. O sono e o cansaço estimulam ao cumprimento do saudável lema de "deitar cedo...". O "cedo erguer" é que se dispensava nos fins-de-semana em que não se está de serviço, mas este não é um mundo perfeito. O auto-didactismo das crianças é estimulado até à exaustão, por falta de paciência. O nosso dinheiro circula, numa redistribuição constante, para as creches e colégios com capacidade para conter os miudos até mais tarde, e recebê-los mais cedo, do que este maravilhoso Serviço Público de Educação que só me leva a concluir que eu, pelo menos, não sou seguramente "público" (o que alimenta a minha convicção de ser, efectivamente, um priviligiado "à margem"). E para as horas extraordinárias da empregada, para as baby-sitter, para os "tempos livres", e para os longos trajectos (combustível + portagens) até às casas de familiares nas alturas de maior desespero.
Eu, com os meus meios e limitações, tal como todas as famílias enganadas por esse Portugal fora, adaptamo-nos.
Não nos venham é com moralismos de merda acerca do que devia ser educar uma criança se faz favor, cambada de frígidos/maricas travestidos de psicólogos, educólogos, pedagogos, políticos e/ou idiotas em geral.
Assim vai o mundo.
As crianças, essas, adaptam-se a tudo, e aceitam esta anormalidade com desportivismo. Nunca conheceram outra realidade, felizmente.
Valha-nos isso....

2 comentários:

Anónimo disse...

Eu tenho a teoria de que hoje a vida dos pais está mais dificultada do que no tempo em que eramos crianças.
Exige-se de mais dos pais: que levem as crianças à praia mas não as deixem apanhar muito sol (obrigando toda a família a levantar-se de madrugada...), que sejam companheiros de brincadeiras e ao mesmo tempo estabeleçam limites, que após 8 horas de trabalho e por vezes mais um par delas de transito sirvam, mais mortos que vivos, refeições saudáveis e que os petizes apreciem, etc.
As avós muitas das vezes ainda estão no mercado de trabalho sendo assim a sua capacidade de apoiar netos e filhos limitada...
Pedem-nos para não levar as crianças à escola quando estão com ponta de febre e ao mesmo tempo que não baixemos a produtividade laboral com abcentismo!
Ah e a boa da gripe A este ano ainda vai tornar as coisas mais complicadas, aquele velho truque do "toma lá uma colher de Ben-U-Ron e vê lá se te aguentas na escola enquanto eu vou trabalhar" já está sujeito a multa!
EF

Anónimo disse...

Como eu te entendo...como eu te entendo...!