E porque não partilhar com a generalidade da população uma manobra micro-corporativista básica no seio da minha "profissão".
E esta é uma polémica, que se arrasta há vários anos, entre Internistas (especialistas em Medicina Interna, aqueles que estão encarregados dos diagnósticos no sentido lato, e no tratamento de praticamente todas as doenças em que não seja requerida diferenciação numa técnica - manual - muito específica; os Dr. House, no fundo) e Reumatologistas (sub-especialidade relativamente recente, fundada aliás exclusivamente por internistas, e que se dedica a patologia do foro ósteo-articular, inflamatória e outra).
A polémica andará em torno de quem tem legitimidade para tratar certo tipo de patologia. Estamos a falar sobretudo de poliartrite reumatóide e de espondilartropatias seronegativas, doenças com particular envolvência "articular", mas também de doenças iminentemente sistémicas, como as "conectivites", tais como o lúpus, a esclerodermia, o Sjogren, as vasculites, entre muitas outras.
Uns, os reumatologistas, dizem ser eles os que devem tratar disto tudo. Outros, os internistas, dizem que deve tratar quem sabe.
Em termos reais, a maioria destes doentes é actualmente seguida em consultas de doenças auto-imunes de internistas por este país fora. Até porque há relativamente poucos reumatologistas, e distribuídos de forma praticamente exclusiva no litoral.
Em termos reais, as doenças referidas são apenas parcialmente "articulares", e caracterizam-se por ter um envolvimento sistémico mais ou menos pronunciado, isto é, que envolve diversos órgãos e sistemas em simultâneo. E a especialidade "sistémica" é a Medicina Interna.
Por outro lado, esta patologia é essencialmente, por esta Europa fora, seguida por internistas, que aliás são parte integrante das comissões internacionais que devidem com que critérios se constituem cada um destes, em geral, complicados síndromas. Escusado será falar para quem é do meio, por exemplo, nos grupos de Barcelona, e na excelência dos franceses nesse campo, em Medicina Interna.
Quanto aos tratamentos, com indicações mais ou menos precisas, essa questão da indicação é o menor dos problemas, bastando saber aplicar uma "guideline", o que qualquer macaco ensinado sabe fazer. O follow-up das complicações, da doença e do seu tratamento, é que é difícil e de primordial importância. E multi-sistémica. Ou seja, do foro do internista. Ou de vários sub-especialistas, com o problema de tempo e de gasto em recursos que isso coloca, sem melhoria, antes pelo contrário, na qualidade da abordagem.
Falam ainda de estudos americanos, que mostram que o "reumatologista" de lá trata melhor os doentes que o "internista" de lá. Esquecem-se é que o "internista" de lá tem 3 anos de formação específica, ao contrário dos 5 que se praticam na Europa. E que o "reumatologista" de lá faz também estes 3 anos de "Medicina Interna", além de continuar de seguida uma formação específica (ao contrário de cá, em que só fazem 1 ano de Medicina Interna). Esquecem-se por último que a "Medicina Interna" de lá é um parente da nossa Medicina Geral e Familiar, mais do que da nossa Medicina Interna.
Daí que, na Europa, quem trata as doenças sistémicas são os internistas. E lá os reumatologistas, que por sinal são muito mais parecidos com os "nossos" internistas que com os "nossos" reumatologistas.
E pergunta o incauto e não-médico leitor porque raio é que existe subitamente esta "luta" pela "propriedade" de certos doentes da Medicina Interna por parte dos reumatologistas (que até há alguns anos atrás pareciam não ter esses complexos de pertença...)?
Eu atrevo-me a fazer a calúnia: "biológicos".
Os "biológicos" são tratamentos resultantes de engenharia molecular muito específicos, e estamos a falar mais concretamente em anti-TNF (anti-tumor necrosis factor) e em várias outras anti-citocinas (anti-CD20, etc...).
E os "biológicos" são caros, muito muito caros. Cada indicação para se tratar uma pessoa com eles, em Portugal, custa ao estado vários milhares de contos por ano. Por outras palavras, e para os ingénuos, a indústria farmacêutica está particularmente interessada em que esta indicação exista, e exista muito. E será generosa nos "incentivos", sobretudo se a coisa se puder decidir num meio com apenas algumas dezenas de pessoas envolvidas.
A acrescer a isto, convém concretizar que existem menos de uma centena de reumatologistas em Portugal inteiro, ou seja, muito menos do que o mínimo possível para se seguir e tratar todas as pessoas com este tipo de patologia que agora requerem.
E que quase todos os reumatologistas, para não dizer todos, estão em regime de não-exclusividade, e que a passagem do doente pela "privada" se pode tornar determinante para se colocar a "indicação" deste tipo de tratamentos, mas já estou provavelmente a exagerar nas presunções.
Claro que não melhora os níveis de desconfiança o facto dos reumatologistas, aliás, não quererem "seguir" os doentes "todos".
Já adivinharam os meus leitores mais malandrecos: pois é, querem seguir "apenas" os que têm (eventual) indicação para fazer "biológicos".
E agora adivinhem qual a especialidade (entre as duas) que atribui mais indicações destes tratamentos por doente? Hummmm... seria interessante saber (em concreto).
Em suma, esta guerra não tem nada a ver com doentes. Tem a ver com dinheiro. Os reumatologistas querem o monopólio da capacidade de prescrição deste tipo de tratamentos, que para já se estende também aos muitos internistas (muitos mais que eles, reumatologistas) que seguem doentes com patologia auto-imune desde sempre.
E não querem esse monopólio a bem de ninguém, excepto deles próprios, como se pode depreender pelo exposto acima.
Deviam ter vergonha.
E o público devia ter conhecimento. Fica aqui o testemunho.
1 comentário:
Então porque os internistas não reclamam para si os cateterismos de cardio? A diálise da Nefro (doenças com repercussão sistémica!), ou as doenças de pele, muitas sistémicas? Porque o súbito interesse da Medicina Interna na Reumatologia? Quando surgiu nada queriam saber dela, e as ditas Auto-Imunes só surgiram em força há pouco tempo. E comparar um especialista de 5 anos a alguém que dá uns toques de vez em quando é ridiculo.
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