segunda-feira, 12 de março de 2007

Leis da Treta

Em cada cidadão com dois palmos de testa há um Buda em portugal. E isso inclui os médicos, infelizmente, e as leis que os "regulam". Quanto às leis da treta relativas ao medicamento, muito condicionadas por algum corporativismo bacoco que nos pretende convencer que um médico está habilitado a opinar empiricamente quanto à eficácia de uma substância relativamente a outra semelhante (entenda-se: de marca vs genérico), quando o processo tem que ser, obviamente, científico, e não do foro daquilo que cada um de nós, na sua magnânime "boa vontade", "acha" que acontece face a um número limitado de casos. Enfim, patetices, com a minha Ordem a querer abraçar o que não é da sua competência, nem pode ser, desresponsabilizando quem tem que se pronunciar nessas matérias, e que é obviamente o Infarmed ou instituições afins. Seja como for, desde que iniciei a minha carreira clínica, farto de cretinos sempre lestos a apontar o dedo da promiscuidade por um lado, e envergonhado pela vergonhosa promiscuidade por outro, optei por nunca colocar as cruzinhas no canto das receitas, aquelas que proíbem a troca de um fármaco por um seu genérico. E só muito pontualmente prescrevo de marca (mas sempre, reitero, com a opção do doente poder optar por outro equivalente). Ou seja, de um modo geral, acabo por nem saber bem de que substância tratam a esmagadora maioria das marcas, visto prescrever sempre por DCI (denominação comum internacional). Ou seja, pensava eu, isso ia elevar-me ao éden da insuspeição e a minha paciência não se ia fundir com a tendência alarmante que eu tanto temo. Mas nada feito. Primeiro conflito com as farmácias: os doentes são-me enviados de volta com as receitas, porque não preencho o meu nome no sítio onde diz "Dr.: ____ ". Isso pode parecer modéstia, mas não é. O facto é que a escassos 5mm desse espaço, tenho que colocar por lei uma vinheta onde está dactilografado o meu nome. Logo, do alto da minha superior inteligência, optei durante alguns anos em fazer uma pequena setinha a partir do "Dr: ___", a apontar para a vinheta onde o meu nome está dactilografado. Não escondia até alguma vaidade perante os meus colegas pela minha excepcional criatividade. Até que me começaram a voltar para trás os doentes, reenviados de algumas farmácias com o argumento que "faltava o nome do médico". Resisti. Liguei às farmácias denunciando o óbvio: "repare que o nome está lá, e dactilografado!". Nada feito, havia um espaço que ficava em branco, e que uma seta não preenchia devidamente, segundo os critérios do farmacêutico ou da ARS que depois não reembolsava as receitas às farmácias (diziam-me). Solução: para evitar o óbvio transtorno que é o de obrigar os meus doentes a irem à farmácia, para depois terem que me procurar novamente para eu preencher esse ridículo casulo, opto por fazer um rabisco de raiva propositadamente incompreensível e constituído por 3 belas espirais no dito espaço. Junto à setinha, sempre a apontar para o nome propriamente dito. Problema resolvido, com rabisco ainda nenhuma me voltou atrás. Assume-se que aquilo seja o meu nome, sei lá.... O espaço ficou preenchido! 2ª ode à irracionalidade: hoje aparece-me uma doente a pedir para prescrever o medicamento x ou y, existentes na farmácia não sei das quantas, porque "não tem lá o genérico" que eu tinha receitado. Pergunta desconsolada da minha parte: "mas então, se não têm genérico, porque é que a mandaram para aqui em vez de lhe darem um dos medicamentos de marca que possuíssem, e pronto?". A senhora não sabia, dizia que tinha que ir escrito na receita, que reforço, continha a DCI da molécula, a dose, e sem as cruzinhas que supostamente limitam a liberdade de cidadãos e farmacêuticos.... Respiro fundo e ligo então à tal farmácia.... "Calha bem, Sr. Dr., foi mesmo comigo que o caso se passou, nós não temos nenhum dos genéricos desse remédio". "Mas então porque não lhe deram um dos remédios de marca?", indago. "Porque não se pode, por lei". "Mas então não é suposto receitarmos preferencialmente por DCI?". "Bem, sim, mas se o fizer não podemos dar remédios de marca na ausência de genéricos". "Mesmo sem cruzinhas, como é o caso?". "Mesmo sem cruzinhas". "Então e se eu prescrever o medicamento de marca, sem cruzinhas?". "Ah, aí então damos o de marca prescrito, e na sua ausência podemos dar um genérico!". Portugal no seu melhor. Coitados dos doentes. Pobre paciência, a minha....

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