quinta-feira, 8 de março de 2007

Ignorância

Há uns dias apareceu uma senhora no Serviço de Urgência, mal, com uma forma de apresentação atípica de uma doença comum.
Ficou internada.
Algumas horas depois, o estado agrava-se, e passa para o Serviço com um nível de vigilância superior. A dúvida inicial intensifica-se. A atipia afinal seria uma forma banal de outra coisa qualquer?
Mais uns passos nos exames complementares de diagnóstico, excluem-se outras hipóteses, e a senhora, que aliás é relativamente nova, continua a não melhorar. Está "estável", como se diz na gíria. Ou por outras palavras, não anda ainda nem para um lado (da cura), nem para o outro.
Passo os dias com a dúvida a assolar-me de vez em quando. Alguma coisa me passou ao lado, algum sinal, algum sintoma importante, quem sabe um raciocínio óbvio?
Hoje passo pelo tal Serviço. Anseio secretamente que a senhora não tenha perecido, e que afinal a coisa tenha seguido o curso normal rumo ao restitutio ad integrum. Nem uma coisa nem outra. Mantém-se por lá, sem que ninguém ainda tenha tido melhor ideia sobre o que se estará a passar realmente. A colega escalada está apreensiva.
Sento-me e revejo o processo, depois de cautelosamente lhe ter assegurado das minhas melhores intenções, cujo único propósito são ajudá-la a dar uma resposta à nossa dúvida existencial, não fosse ela julgar que estou à procura de uma falha (pormenor importante na profissão, a que chamamos Deontologia). Com mais uns quantos exames de imagem, analíticos e procedimentos invasivos, e com a evolução do caso, as coisas deverão estar mais compreensíveis.
Não estão, e continuo a não ter uma resposta inequívoca. Aumentou-se o espectro dos antibióticos, e pondera-se atirar agora em todas as direcções possíveis e imaginárias. A simples infecção já nos parece doença sistémica e auto-imune.
Saio, mas vou ler. Não encontro respostas, fico com ainda mais dúvidas, partilho o meu insucesso com a tal colega.
Oxalá a resposta surja.

1 comentário:

O Primitivo disse...

Caro Doutor, gosto deste seu blogue, obrigado por compartilhar os seus pensamentos com outras pessoas. A propósito deste artigo, sempre ouvi dizer que, algumas vezes, a Medicina mais não é que a arte de entreter o doente enquanto o corpo se ocupa da doença. Seria este um desses casos?