terça-feira, 19 de julho de 2011

Esclerose Lateral Amiotrófica


Ou ELA, simplificando.

Doença do neurónio motor, irreversível, que culmina na paralisia da musculatura do doente.

Sendo dramática (por ser fatal), afectando ainda por cima gente muitas vezes jovem, levanta invariavelmente questões interessantes.

Quantos doentes com essa doença foram questionados, pelo seu neurologista ou clínico geral assistente, o que pretende que suceda quando chegar a hora em que deixa de ser capaz de respirar, e se coloca a questão da indicação para entubação oro-traqueal e ventilação assistida?

Isso é muito mais importante, caro leitor, do que possa parecer à primeira vista, uma vez que a história natural da doença é a redução progressiva da capacidade ventilatória, predisponente a infecção respiratória, início muitas vezes nessa fase de um dispositivo de ventilação não-invasiva (VNI, vulgo BPAP, nestes casos), e finalmente pneumonia, invariavelmente grave pelos motivos referidos supra, geralmente fatal.
E a importância prende-se com a forte possibilidade de nesta fase, num doente com ELA em estádio avançado, e com qualidade de vida por isso profundamente reduzida, esta atitude muitas vezes resultar em dependência de prótese ventilatória.
Ou seja, o doente deixa de estar capaz de assegurar a via aérea, e precisa de ser traqueostomizado, e muitas vezes precisa também de continuar a ser ventilado mecanicamente. Isto, claro, quando sobrevive à pneumonia.

Não deixando de falar no problema (eticamente major), que é a eventualidade de, resolvida a intercorrência infecciosa, o doente voltar ao seu status basal (da sua doença neurológica), e à sua vidinha tal como ela era antes da pneumonia. Ou ainda de poder adaptar-se a um dispositivo de VNI e poder regressar a casa, quando tem quem trate dele (o que vai sendo cada vez mais raro).

A verdade é que a regra é chegar o dia da insuficiência respiratória e nada disso ter sido discutido, na calma e ponderação de outros tempos e noutro estádio da doença em que havia condições para isso.
E o drama começa. Uns familiares dizem que ele "quereria viver" a todo o custo, outros que ele acima de tudo "não quereria sofrer". Uns entubam, ventilam e condenam ao resto de uma má vida (por vezes anos), mais ou menos paralizado, entubado, e depois traqueostomizado, ligado a um ventilador numa qualquer Unidade de Cuidados Intensivos (zona de "crónicos" nos centros grandes...). Outros não entubam e paliam, gerando controvérsia por não se ter "feito tudo", sendo "tudo" não mais, muitas vezes, que o acima descrito. E torturam-se com o inevitável "e se...?".

A vida não é fácil....
Mas facilitá-la-íamos se falássemos abertamente aos doentes da evolução das suas doenças, e das suas reais expectativas para a "fase final" das mesmas perante os cenários que bem conhecemos, isto em alturas em que vale a pena fazê-lo (e não numa fase de agonia do enfermo, em que todos receiam tratar e ninguém ousa paliar...).

4 comentários:

Coração Felpudo disse...

Não poderia concordar mais

Aliás, essa questão a meu ver e na minha prática (sou neurologista) deve ser (e é nos meus casos...) posta a cada visita...pois quantas vezes uma vontade expressa previamente é alterada...e re-alterada...
O paciente está no direito de mudar de opinião...por vezes "in extremis" como já assisti.

De qualquer maneira, e apesar de todas as variáveis, a discussão atempada torna um problema sempre delicado (e há sempre quem ache que sabe melhor que o próprio paciente o que ele quer, inclusive colegas...) menos espinhoso!

Um abraço e parabéns mais uma vez pelo blog

Sahaisis disse...

grosso modo concordo com o que aqui li...não concordo, no entanto, com a noção de que ao não entubar, optando por paliar não se está a fazer tudo, porque pode estar-se a fazer tudo sem fazer nada que prolongue a vida ou adiante a morte..é a conta peso e medida, como o é saber muito bem o que se explica e como se explica a um doente com ELA, suponho eu...

Sahaisis disse...

*quando me refiro ao que se explica quero dizer que o profissional deve estar plenamente informado e ser competente para informar e não que deve ser ocultada (mas doseada sim) informação...

Placebo disse...

O "tudo" estava entre aspas.

É óbvio que quem fez o post acha que tudo não deve passar da paliação, o que não só não é pouco, como será (repito: na minha opinião) o melhor que temos para oferecer para o bem-estar do doente.