O que diferencia, perante a sociedade, aquele médico que denuncia má prática de um colega altruisticamente, em benefício exclusivo do mais fraco e do que menos possibilidades tem de se defender daquele que é mais ignorante, incapaz ou negligente, daquele médico que denuncia má prática de um colega mesquinhamente, por quezília, inveja e má fé, com o intuito único de chatear alguém de quem não se gosta por este ou aquele motivo, que nada tem a ver com a matéria usada para lhe estragar a vida (a denúncia)?
Nada, meus senhores.
Por isso evita-se. Por isso é raro.
Daí eu julgar ser preciso muita coragem para se denunciar um (mau) colega. Daí não ser preciso apenas "alguma" virtude para se enveredar por algo do género, mas quase um estado de excelência de alma que, pela raridade da coisa, não deixa de me espantar. O que só por si é pena e sinal dos tempos....
Assisti pois, em tempos, a algo assim.
Conheço o denunciante, e sei que o fez gratuitamente. Não a pedido dos doentes, que pelas mais diversas razões nem conhecimento têm da atitude dele. Não a troco de qualquer reconhecimento, que o não teve, e antes pelo contrário, passou a ser alvo, no mínimo, de desconfiança por parte de todos aqueles que consideram tal acto como uma traição ao sagrado princípio do "não denunciarás" ninguém da irmandade, por menos fraterno ou recomendável que seja. Não sem a ameaça mais ou menos velada de golpe igualmente forte, ainda que não movido por razões humanistas como foi o dele, para não dizer mais, ou menos....
Implicitamente leia-se: sob pena de se sujeitar a denúncias torpes e falsas. A muita areia para os olhos. Que em última análise resulta num baralhar de factos que confunde inevitavelmente quem não pertence ao meio nem conhece as pessoas.
Se a isso juntarmos uma progressão na carreira infinitamente menor do denunciante, quando comparado com o denunciado, o quadro ainda se torna mais perigoso. Ou mais confuso, para quem um dia leia as linhas e entrelinhas do sucedido.
O que esse meu bom amigo tem a ganhar com isso? Nada.
A perder, seguramente alguma coisa.
Se não contarmos com essa outra "coisa", periférica, que é a consciência. A dele.
Ele merece contentar-se com isso, com o prazer de se olhar no espelho. Pouca gente se contenta, pouca gente sequer se importa. E ele não terá muito mais com que se satisfazer no final desta história, creio.
Um grande bem haja, pois, a esse meu corajoso e anónimo colega. Na gratuitidade do seu acto, e na excelência da sua virtude.
Há ainda pessoas assim, meus raros, mas por isso mesmo ainda mais estimados, leitores: inspiradoras.
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