segunda-feira, 11 de maio de 2009

O Inexplicável

Se há coisas com as quais um Internista está habituado a lidar, uma delas é com a morte.
Com doentes com patologia multi-sistémica, que envolvem vários órgãos e sistemas, predominantemente idosos, fragilizados, imunossuprimidos, a morte é frequente nesse equilíbrio instável que muitas vezes é o melhor que se consegue procurar em muitos destes casos.
E, curiosamente, a morte não costuma ser um problema face à sociedade que envolve estes doentes. Os familiares e amigos costumam estar bem cientes, ora da debilidade prévia dos doentes, ora da gravidade da afecção intercorrente que leva ao exitus.
Por isso é que cada morte em Pediatria (especialidade que me repele também por causa disso) é dramática. Por isso é que cada erro em Obstetrícia é grave. E por aí fora.
Em Medicina Interna, conjunturalmente, nem por isso.
Mas a excepção surge sempre.
O rapaz novo, entre os vinte e os trinta, com a sua banal pneumonia, que até deixa dúvidas quanto ao critério que levou ao seu internamento (sobretudo a um internista, que vê ali tanta reserva de órgão, tão notável ausência de comorbilidades...), que parece estar a resistir à antibioterpia inicialmente instituída, e que é reajustada, que nas frequentes reavaliações continua sem apresentar critérios para maior monitorização, mas que subitamente, numa determinada madrugada, em contexto de consistente melhoria do seu estado geral, se levanta-se para ir à casa de banho, se sente subitamente mal, com falta de ar, com sensação de morte iminente, e que culmina numa sequência fulminante em paragem cárdio-respiratória, refractária às tentativas protocoladas de reanimação.
Morre.
Nem falo dos familiares, que não entendem, nem poderiam nunca entender. Não há nada para ser entendido nesta brincadeira de mau gosto do destino, e nem vale a pena tentar explicar que a imobilização e a doença favorecem tromboses venosas profundas, que por sua vez podem redundar em embolia pulmonar, que por sua vez podem redundar em morte. "Então não era apenas um pneumonia? A evoluir bem?". E lá se foi afinal o adulto jovem, pai de miudos pequenos, recém-casado com a respectiva mãe dos mesmos, e ainda muito filho dos seus papás....
Não, não há nada a explicar-lhes. Pelo menos nada que possa ser entendido. Fica a desconfiança, mais ou menos legítima, sempre perdoável. A aguardar autópsia, a aguardar a resposta, mas nunca aquela desejada, que solucionaria o problema, e que foi o desaparecimento irreversível e contranatura de um jovem.
Os problemas menores, esses, são os meus, e residem nos factos presentes que levam à dúvida, sobre se teria sido posssível fazer melhor, e prever. Por maior auto-estima, consciência tranquila na entrega e na capacidade própria, o desconforto existe, mudo ou amordaçado. Por mais partilhada que tivesse sido a decisão. Por menos previsível que fosse o desfecho.
A mesma dúvida paira perante todos os expectadores próximos (médicos e enfermeiros) da situação, que naturalmente duvidam (em maior ou menor grau) das capacidades dos intervenientes. Alguns arreigam-se da capacidade de ter desconfiado, ainda que sem objectividade. Outros concordam com a qualidade insondável da fatalidade.
Enfim, infelizmente também é isso, ser médico.
Há dias maus para a auto-estima.
Mas muito piores ainda, como por exemplo hoje, e para aquela pobre família....

1 comentário:

Anónimo disse...

Boa noite

Lamento pelo jovem falecido, pela familia e por si... obviamente perturbado - ainda que de consciência tranquila!

Acontece-nos muitas vezes, e não obstantes as defesas já aprendidas... custa sempre muito! Vai começar a memorizar este e outros casos, serão os seus "fios terra"!

Compreenda de vez que nunca se há-de habituar á morte, por muito que seja previsivel! E se alguma vez se habituar, quando lhe for indiferente... dedique-se á jardinagem ou á informática!!

Cumprimentos