Quem faz Urgências sabe disso.
Quem vai às Urgências num dia mau (ou numa hora má) também.
Falo do problema recorrente da espera até ser atendido, e depois até ver concluída a investigação que se entendeu como apropriada.
Isso dá pano para posts durante os próximos anos, e por isso limito-me a comentar um "clássico":
O doente que é triado, e espera pela sua vez de ser atendido. Espera, espera, vê outros a chegarem depois e triados como prioritários relativamente a ele a passarem-lhe à frente, até que desespera.
No desespero tem vários raciocínios viciosos, próprios da paranóia que a ansiedade do momento proporciona, a saber: estes médicos não trabalham; isto da triagem é uma treta; o "sistema" é uma vergonha.
Dos pensamentos, comuns a todos nós mortais, aos actos, é uma questão de maior ou menor (respectivamente) educação. Aquela parte racional que se sobrepõe ao emocional. E o racional é: isto sucede porque de facto, e de acordo com o método de triagem, devo ser atendido depois de todos os que me estão a passar à frente; isto sucede devido à contenção de despesas necessária à sobrevivência do SNS, em que cada vez mais se escalam o número mínimo de profissionais necessários, e não o ideal, para servir de balão de oxigénio nas horas de maior afluência.
Pois, porque para haver atendimento rápido nas horas críticas, nos dias maus, nas estações más, é preciso, não se iludam, que durante boa parte do dia os profissionais presentes estejam sub-aproveitados. O preço? Mais dinheiro pago pela sua presença. O ganho? Atendimento célere a todos em qualquer altura, sem "rupturas".
Na situação actual, a corrente é de sentido inverso: mínimo necessário de meios humanos ao funcionamento "regular" na maior parte do tempo. O ganho? poupa-se umas valentes massas. O preço? Espera-se.
Às vezes muito; espera-se que a triagem funcione bem; e espera-se que não existam imponderáveis nas equipas escaladas (a falta de um elemento significa muitas vezes o descalabro...).
Mas saibam que a espera não quer dizer que "ninguém liga" à doença (está apenas priorizada como sendo passível de atendimento mais tardio relativamente a outras...); e saibam que a espera não quer dizer que "não se está a trabalhar" atrás da porta que separa os balcões da sala de espera (pelo contrário, o trabalho torna-se mais contínuo, visto que não há pausas obrigatórias, por ausência de doentes para atender...).
Eu não compreendo muito bem que se "poupe" nas Urgências.
Acho que se deve melhorar o sistema de trabalho (com equipas próprias, como se está a começar a fazer). Mas se há sítio onde de facto se trabalha, pela minha experiência, é no atendimento das Urgências. E se há sítio onde não se pode "arriscar" falta de meios, também é nas Urgências. Pela sobrecarga que isso representa para os profissionais presentes. Pela importância, sobretudo em Portugal em que os Cuidados Primários ainda falham muito, de não se deixar passar nada em claro (porque não há "rede").
Sob pena de acontecer o que vai sucedendo no dia-a-dia dos hospitais. Pessoas que quando são atendidas estão fartas da vida pela longa espera. Médicos que quando atendem estão fartos da vida pelo trabalho contínuo (que é muito cansativo, acreditem...).
Espera-se do doente que não descarregue nos profissionais (mas sim no livro de reclamações, aliás sub-utilizado) a sua frustração. Espera-se dos profissionais que sejam monges budistas quando certos doentes os insultam, por esperas às quais eles são alheios, e por afluências invulgares das quais são as principais vítimas.
Já tive problemas por não ser um monge budista. Ninguém compreende (na "sociedade") que eu ou outro profissional de saúde não seja um monge budista. E por isso mesmo, não tenho outro remédio senão travestir-me, não o sendo, de monge budista, uma vez por semana.
Isso resulta em menos problemas sociais, mas reconheço que perturba a minha saúde mental.
E às vezes falha.
É a vida....
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