terça-feira, 17 de julho de 2012

Impressões a Sério


Eu gosto de Enfermeiros. Melhor dizendo, gosto MESMO do papel que os enfermeiros desempenham, no exercício da sua profissão, complementar da minha, e essencial aos bons resultados que poderei (ou não) ter na minha prática ao serviço dos doentes.

Custa-me por isso ver alguns desgastarem-se em preocupações de procurar novas "competências" que os tornam mais parecidos comigo, ficando menos parecidos com eles próprios. E isso é um problema que poderá minar a profissão por dentro, graças a alguns populistas/oportunistas acicatadores de ódios que, infelizmente, se vão aproximando dos cargos de poder e decisão nessa classe.

Isso acontece por causa de dois flagelos: desemprego e emprego precário, ambos resultantes do sobredimensionamento da classe para as possibilidades ou vontades (o que é diferente de "necessidades") do país. E nenhum dos flagelos é combatido com a "solução" da multiplicação de competências, pois continuarão a ser demasiados, por mais competências que venham a ter no futuro (passariam apenas a ser muitos, com muitas competências, e no desemprego ou emprego precário, tal como agora).

A falácia advém do facto da classe ao lado, a tal que parece ter algumas das apetecíveis competências que requerem, não ter ainda nem desemprego, nem estar de todo precária, sobretudo em comparação com a deles. E é uma falácia porque isso não se deve de todo às "nossas" competências, mas tão só ao facto de poucos as estarem a exercer. Haja sobredimensionamento de recursos humanos médicos (como se prevê, se não for travado), e o problema vai-se repetir, tal e qual se vive hoje na classe de Enfermagem. Dito vendo por outro prisma, não é por serem menores as actuais competências dos Enfermeiros que existem os problemas.

Não seria este um tema problemático se ao somatório de competências, algumas das quais já agora me parecem ser do mais puro bom-senso, existindo até já na prática em muitos serviços que se conseguem organizar de forma inteligente e descomplexada, não se descurassem as actuais, essas sim a meu ver fundamentais e que urge manter e até aperfeiçoar: a proximidade ao doente, a intimidade desse relacionamento com o que sofre, o papel de advogado de quem padece junto do médico, necessariamente mais ausente, o confessor de angústias (e dados clinicamente relevantes) por vezes só com ele partilhadas, a delicadeza dos contactos de intimidade, o bem-estar psicológico que proporcionam, é algo que não tem paralelo nem preço. E é uma competência única, e fundamental, além de todas as outras de natureza mais "prática".
Acresce a isto o bom ambiente que geram no trabalho, a capacidade de trabalho de equipa que podem proporcionar, e que me leva a acordar todos os dias com vontade de me dirigir para o trabalho, para tratar dos nossos doentes, na fundamental companhia deles (e, já agora, dos também excelentes AAM com os quais tenho a honra de poder trabalhar).

É por isso com alguma preocupação que assisto à não-valorização de alguns daqueles excelentes profissionais, numa Unidade diferenciada como é aquela em que exerçemos as nossas profissões. Que raio de corporação (Ordem, sindicatos...) permite que Enfermeiros com quase duas décadas de experiência praticamente exclusiva numa Unidade destas, sejam depois ultrapassados hierarquicamente por outros, muitíssimo mais novos e forçosamente inexperientes, só porque após a curta licenciatura de 4 anos fizeram mais um e tal de especialização fútil no contexto daquela Unidade? Como é que se permite, ou que pressões haverá, e estou à vontade para o dizer porque a Chefia de Enfermagem na minha Unidade é exemplar e com legitimidade pouco menos que imaculada, para que a chefia dos turnos (aquela que depois no dia-a-dia é relevante) seja entregue a quem ainda mal aprendeu a virar frangos, e quem é chefiado nada tem a aprender, antes pelo contrário, com aquele que supostamente o está a chefiar?
Maior fica a preocupação quando não reconheço nestas novas fornadas a capacidade destes mais velhos (mas não velhos!), remetidos para o segundo plano. E quando não lhes vejo a vontade (quando não a capacidade) de desenvolver as faculdades que tanto admiro nos seus antecessores.
E ainda maior fica quando constato a tensão gerada, e que apenas aumenta o fosso comunicacional, entre os valorosos excluídos e os novos e impreparados promovidos.

Isto é um quadro geral, havendo evidentemente muitos novos e bons ("à antiga"), e concerteza alguns velhos e maus. Felizmente que, apesar de tudo, na realidade que é a minha, estes problemas sejam ainda algo marginais, ainda que existam (e que raio, são tão escusados...), sabendo porém que noutros serviços atinjam proporções mais preocupantes.

Ou seja, mesmo que com mais competências (mas de preferência sem obsessões, porque são desnecessárias, nem exageros, para depois não acabarem por acumular antes "incompetências"), por favor não se esqueçam de dar a equivalência dessas competências a quem realmente as tem. Para não serem injustos para os portadores de uma fundamental herança, materializada naqueles que são o melhor exemplo do que deve ser a Enfermagem, com toda a nobreza que a caracteriza! Sem a qual, acreditem, a vossa profissão se torna bem mais escusada do que a ilusão de um somatório de competências possa deixar antever....

quarta-feira, 11 de julho de 2012

Boquinhas Espremidinhas pela Doutorice


Muitas vezes usei esta expressão "Garretiana" para criticar gente com a minha profissão, num problema transversal a esta sociedade provinciana e complexada, e que leva a tristes traduções como no "caso-Relvas", ou como no um pouco mais antigo "caso-Sócrates".

Patetas, é o que são estas pessoas, que não conseguem conceber ser bons no que fazem sem terem uma espécie de canudo decorativo a apoiar, por mais distanciados que estejam da utilidade do mesmo (e, logo, sem a noção que o que interessaria no "canudo" seria a mais valia que a sua obtensão traria), e por mais ilícita que a sua atribuição seja, à luz de todos os que precisam de se esforçar para adquirir as reais competências que o canudo supostamente traduz (já agora: essas pseudo-universidades ainda funcionam? Os reitores, outros responsáveis entre os quais os "professores" coniventes com a palhaçada, onde andarão todos?).

Para além destes, há evidentemente gente com canudo (dos "bons") e que não se distingue profissionalmente, pois apesar de devidamente munido com as "armas", não tem depois o brio, a honestidade, a moralidade ou outro atributo qualquer para o correcto desempenho da mesma.
E há ainda outros, que sem canudo algum conseguem distinguir-se até à estratosfera (porque não pegar no exemplo extremo de Cristiano Ronaldo, que não precisa ser doutor em Universidade da treta alguma, para ser um português singularmente distinto no que faz a nível mundial).

Mas depois há esta espécie de gente pelo meio, que julga que com canudo sobe algum degrau na consideração social, como se o canudo quisesse dizer, por si só, alguma coisa. Quando nem trata o problema mais importante desses indivíduos à partida, e que é este defeito de personalidade que os inferioriza perante outros que nem se deviam preocupar em imitar. As consultas de Psiquiatria (ou, vá lá, de Psicologia Clínica) são assim tão mais caras que um curso imaginário de trazer por casa? O preço dos remédios que pudessem ser necessários são assim tão exagerados, quando comparados com a permanente ameaça deste frágil e patético telhado de vidro se estilhaçar? Sobretudo quando se trata de figuras públicas?

O que me leva a este blogger, uma espécie de enfermeiro (os com letra grande são outros, como tantos meus conhecidos, alguns amigos, que não vou inferiorizar comparando-os com esta alma perturbada) com muitas destas doenças "complexas" que refiro mais acima genericamente. Não complexas por serem raras, ou difíceis de diagnosticar, ou sequer (necessariamente) de tratar (ainda que a maior dificuldade nestes casos costume ser que o doente admita que tem doença, como em certos distúrbios aditivos). São complexas tão só porque dizem respeito a estes "complexos" de inferioridade (definição minha), que no caso dele depois se reflectem nesse blog, por sinal muito popular, e que é o espelho do que o anonimato pode fazer à falta de vergonha na cara. E o resultado é o ambiente malsão que se pode ler por lá, escrito por ele (sobretudo) mas também  abundantemente nas caixas de comentários. Um antro de desvirtude, incentivado pelo anfitrião, como só num blog se poderia admitir.

Duvido que alguém identificado ou identificável escrevesse isto, entre tantas outras coisas pelas quais passei os olhos no "histórico", após um amigo meu pouco amigo da minha paciência ter achado que o exercício me iria divertir, dando-me o link que eu desgraçadamente segui. Melhor dizendo, que o escrevesse e depois conseguisse sair à rua no dia seguinte, encarar colegas de trabalho, nomeadamente a massa de gente que acabou de insultar, neste vómito de calúnias e de processos de intenção que confunde com opinião ou "acusação" (não confundir este senhor com um whistleblower, que como disse já há algum tempo atrás, é uma espécie à parte, útil e que deveria ser melhor tratada pelo sistema judicial e institucional em geral).

Bem sei que agora estão a pensar: mas SExa também é anónima! Pois sou, mas ao contrário da criatura referida, assumo tudo o que aqui escrevo, repito-o no meu dia-a-dia, não insulto gratuitamente"classes profissionais" no seu todo com base em casos pontuais derivados de conversas próprias de uma tasca, tendo antes aqui e ali um ou outro alvo bem definido (como este agora), e vários dos meus amigos (médicos, enfermeiros e outros) sabem bem quem é o homem que assina pelo heterónimo "Placebo". Ou seja, a qualquer altura se poderá saber quem sou realmente, e não tenho medo algum desse dia (que provavelmente, diga-se já agora, há de chegar).

Porque o que aqui digo não me envergonha: define-me. O que aquele blogger cheio de recalcamentos pútridos não poderá concerteza dizer, salvo psico-patologia complexa (definição literal desta feita) que seja do meu desconhecimento.

Em dia de greve, gostava de sublinhar para o mentecapto que não foi por auferirem aqueles vencimentos que os médicos fizeram greve. Nem houve médico algum que "furou" greves de enfermeiros, pelo simples facto que só enfermeiros furam greves de enfermeiros, e vice-versa. E que ninguém lhe pede solidariedade, a sua ou a do "povo" (o que na sua concepção prepotente-complexada, deve ser a mesma coisa): há reivindicações (justas ou não), que podem ser compreendidas (mais ou menos) por parte do MS e das outras pessoas, e ponto final. Qual solidariedade? De quem pensa dessa forma inquinada que demonstra em cada linha que escreve por aquele blog abaixo? De tantos outros parecidos com ele? Solidariedade vinda "daí" é que seria motivo de preocupação.

Ninguém tem que calçar os "seus" sapatos. Temos que calçar os nossos, dos médicos, porque é de uma greve de médicos que se trata, pelos seus interesses, que são em muitos pontos (acredite-se, ou não) os do SNS, e da qualidade futura da Medicina no seu seio. Os problemas de enfermagem são outros, concerteza mais graves (resultado do laxismo e incompetência de Sindicatos e Ordem respectivos durante anos, que espero não se repita com os médicos), para os quais espero que existam solucionadores bem mais sãos, realistas e capazes que o referido blogger anónimo. Ou seja, o cu nada tem a ver com as calças (metaforicamente: uma greve nada tem a ver com os problemas de todos os outros).

Quanto à moralidade e à decência, deve existir em Medicina (e é um dos temas preferenciais por aqui, e aos quais mais me dedico por ter algum conhecimento de causa, e onde houve e continua a haver muito a fazer) como em todas as profissões, por mais que esse senhor goste de fazer crer que é problema exclusivo da minha classe profissional (que belo planeta ele habita, tão diferente do meu em que os problemas estão bem mais generalizados, tornando-os muito mais difíceis de resolver). Se ele ao menos falasse do que sabe (ou devia saber).

Por fim, terminava dizendo apenas que, às vezes, o facto de haver cheiro a merda (julgo ser este um calão tolerável, mas desculpem-me desde já os leitores mais sensíveis) não quer dizer necessariamente que ele provenha de algo que nos rodeia. E resolve-se facilmente, com um lenço e uma boa assoadela. Pode também ser preciso lavar os dentes e bochechar com elixir a seguir. Acho que ele devia experimentar....

sábado, 7 de julho de 2012

O Palhaço


Repare-se no belo texto que certo indivíduo sem vergonha na cara decidiu pincelar (publico tudo, mas para quem não gosta e perder tempo, fique-se pelo meu bold/sublinhado):

"Meu Caro José Antunes, 


No artigo de Opinião do Prof. Miguel Guimarães publicado no número desta semana (Tempo Medicina datado de 2 de Julho de 2012, número 1488), que acaba de me enviar, é-me atribuída uma afirmação que eu nunca fiz, que ele nunca ouviu e que não sei de onde surgiu [os médicos são uns privilegiados e não querem trabalhar]. Sobre a “minha” frase constrói a ideia de que eu estaria contra os Médicos e contra o Direito à Greve o que, obviamente, não é verdade. Como eu tenho o Prof. Miguel Guimarães na conta de ser uma pessoa de bem, ficarei grato se lhe fizer chegar esta minha nota com um pedido de desmentido. Muito se tem dito, opinado, inventado e construído sobre afirmações minhas. Não temo corporações, nem grupos de interesses e não me desmotivarei por ataques pessoais que apenas me são dirigidos por quem sabe da minha inabalável fé na convicção da luta pela verdade. Os Médicos são muito mais do que quem os diz representar e, enquanto Médico, não preciso de, nem aceito, lições de ética e responsabilidade de ninguém, em particular de dirigentes que olham mais para os seus interesses egoístas. Não respondo a ataques feitos por gente menos educada ou manifestamente maldosa, nalguns casos pouco inteligente, e quase sempre muito despeitada. Reagirei às mentiras e serei incansável na defesa do interesse público. Sobre serviço público, capacidade de sacrifício e mau salário sei tudo o que há para saber e tanto mais quanto nunca exerci outra forma de prestação de serviços médicos que não fosse através do SNS ou do Estado. Como tenho consideração e estima pessoal pelo Prof. Miguel Guimarães, que nunca confundi com dirigentes de fraco gabarito intelectual e ético,será importante que esta minha nota seja publicada. Não o misturo com aqueles que transmitem uma imagem errada dos Médicos e estou certo que o Prof. Miguel Guimarães também sabe que o meu pensamento e comportamentos são transparentes, deontologicamente inatacáveis e que estou bem mais preocupado com os Doentes, a Medicina em Portugal e a sustentabilidade do SNS, do que alguns agentes políticos e dirigentes de organismos profissionais que apenas fazem demagogia e alimentam confusões junto dos Médicos e da população. Os Médicos não merecem que se lhes minta, nem se deixarão instrumentalizar. Em Portugal, infelizmente, tem-se assistido a uma diminuição progressiva do nível da discussão sobre a Nossa profissão e isso é lamentável. Perdem os Médicos e perdem os Portugueses. O Prof. Miguel Guimarães terá, se o quiser, um papel importante e muito relevante na defesa dos interesses dos Médicos e, por isso mesmo, lhe peço que medite no que aqui escrevi e tenha a gentileza de me perguntar o que eu disse, antes de escrever sobre confabulações ou construções de frases que não são verdadeiras ou correspondem a interpretações fora de contexto. Para si, Senhor Professor, terei sempre a mesma atenção que dou a todos os Colegas que pretendem ter conversas sérias e construtivas. Como sabe, o meu gabinete está sempre aberto a quem me procura.


Cumprimentos, Fernando Leal da Costa, Médico, exercendo o cargo de Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Saúde"


Agora, recordem lá a afirmação aqui.


Parece mentira, e eu não tirei apontamentos enquanto ouvia (e voltava a ouvir), mas podia jurar que ele diz qualquer coisa como "(...) enquanto há outro grupo, bem mais privilegiado e bem melhor, que não quer trabalhar (...)", salvo anomalia otorrinolaringológica grave que me assole.
A única explicação, portanto, é que esse outro "grupo" privilegiado a que ele se referia, e que não quer trabalhar, fosse, afinal, outro que não os médicos que, estúpidos, enfiaram logo a carapuça (-risadinha icontida-).


Enfim, assim anda a caravana, neste país com governantes de faz-de-conta, com um nível tão rasteiro que já parece roçar a esquizofrenia.
O que se pode portanto esperar distorealisticamente, meus senhores?

quarta-feira, 4 de julho de 2012

Sobre o Ovo e a Galinha


Relativamente à excelência selectiva que (ainda) existe para o curso de Medicina hoje em dia, para o qual como sabem só acabam por ter acesso uns poucos dos muitos candidatos ao mesmo, já ouvi diversas confabulações nestes muitos dias que já conto.
A mais repetida das quais, com que muitos contam fechar o assunto nas conversas sobre o tema, é a que postula que "nem sempre os que têm melhor nota são os mais aptos a serem médicos".

Isto abre portas depois às mais diversas ficções dentro da ficção, ao nível da complexidade de uma "Terra Média" do senhor dos aneis, do império galáctico da saga "Guerra das Estrelas" ou do mundo de Harry Potter!

A saber: "muitos alunos que dariam excelentes médicos vêem-se remetidos para outros cursos" e "há alunos que apesar de terem boas notas nunca darão bons médicos". Vai um passinho até se achar, finalmente, que qualquer alminha que fica com vontade de puxar de um penso quando vê uma ferida sangrante deve poder exercer Medicina, e frequentar uma das Universidades que lecciona o respectivo curso (feita à medida das suas capacidades, por menores que sejam). E outro passinho até se ter a certeza que toda e qualquer alma com média acima do percentil 95 é um perigoso criminoso, ganancioso e outros "-osos" em potência, à espera de desabrochar aquando do Juramento de Hipócrates.

Temendo desiludir os iludidos, dois pontos:
-Ponto Um: a meu ver, o numerus clausus num sistema de saúde quase exclusivamente público como o nosso, deve servir, não apenas para o fim óbvio de satisfazer as necessidades com médicos suficientes para dar assistência universal (não gratuita, porque sabemos bem que é cara) à população nas diversas especialidades (o que já sabemos não foi, irresponsavelmente, acautelado há uns anos atrás, abrindo portas à palhaçada da importação de médicos de segunda que não tinham lugar nos sistemas de saúde dos respectivos países de formação), MAS TAMBÉM para evitar o sobredimensionamento em profissionais médicos, que por sua vez retire uma das coisas que esta profissão tem de mais apetecível aos olhos de um jovem de 18 anos candidato ao ensino superior, e que é uma certa garantia de estabilidade de emprego, bem como de uma remuneração que lhe permita ter pelo menos tranquilidade no exercício da sua profissão. Sem estes dois factores, não tenham a mais pequena dúvida que muitos vão-se afastar do pouco apetecível sacerdócio do curso e subsequente vidinha de estudo que o correcto desempenho da profissão exige. E dessa forma, os melhores candidatos afastar-se-ão deste exigente curso, e deixarão de ser os melhores (como acontece hoje, e vem acontecendo nos últimos 20-30 anos) a concorrer para amanhã serem nossos médicos.
-O que me leva ao Ponto Dois: se se considera que um sistema de ensino não estratifica da melhor forma os que o frequentam, e logo os candidatos, por exemplo, ao curso de Medicina, então alguma coisa está mal... COM O SISTEMA DE ENSINO!! Por outras palavras, se os que conseguem aceder ao curso de Medicina, sendo os que têm melhores notas no ensino secundário, não são os mais bem preparados que o ensino secundário produz, então alguma coisa está mal nessa estratificação do ensino secundário, e este deve ser reformado por forma a que os melhores e mais capazes (à partida) tenham as melhores notas.

Parece simples? Então para quê complicar? Para quê continuar a fingir que os melhores alunos deste país ao longo de várias gerações, de acordo com os critérios do nosso sistema de ensino (bons ou maus), são uma cambada de mafiosos a quem calhou uma espécie de lotaria entre mãos, que foi a de se tornarem médicos? Gostariam de "melhorar a triagem" de alunos com critérios subjectivos, como uma entrevistazinha a convidar à cunha? Acham que precarizando esta profissão (e seus profissionais), deixando de a tornar atractiva, vão ter melhores médicos no futuro? Mesmo a granel? Qual vai ser a triagem pós-graduada (já que se pugna em tentar destruir a pré-graduada) entre bons e maus médicos? Aquele que é contratado pelo Serviço Nacional de Saúde "pelo menor preço" é que vai ser bom?

Ganhem juízo.... E deixem-se lá de procurar nos maus exemplos da classe um retrato de todos.
A maioria de nós são apenas isso (como já o eram enquanto alunos de liceu): esforçados, dedicados e capazes!
Quanto aos corruptos, preguiçosos e caloteiros (que, pasme-se, também existem!), façam-nos só um favor: persigam-nos e afastem-nos das nossas narinas, que também não gostamos deles (e somos os que mais sofremos com a sua presença, depois dos doentes). Para isso espera-se um maior papel da OM, com maior capacidade de intervenção (nomeadamente em meios para o apuramento dos factos, que é um dos seus principais problemas, ficando actualmente quase sempre à espera das decisões judiciais para emitir pareceres), e mais investigação e dureza por parte da justiça perante os prevaricadores. Uma maior capacidade de punição laboral também faz falta (aumentar a flexibilização para DESPEDIR as ervas daninhas), aumentando assim a capacidade de intervenção dos directores dos serviços, desde que se alie a isso uma efectiva responsabilização dos mesmos pelo que se passa nos seus serviços. Também passa por se abrir portas às denúncias, e à sua efectiva investigação (aquilo a que tenho assistido nesse campo é desesperante, silenciando-se quem denuncia, fechando os olhos às evidências e arquivando-se os processos que justamente se levantam, mesmo em sede de Justiça).

Mas façam um favor a quem tem neurónios, e deixem-se lá de uma vez por todas das teoria que o mal está na selecção dos futuros médicos pelo critério dos que têm melhores notas no liceu, ou no seu número adequado às necessidades do país. Porque estarão a tratar um problema com outro muito maior, e de mais difícil resolução.

Por mim falo: aos 18 anos parecia-me bem vir a encarnar aquela figura sentada atrás de uma secretária (não parecia trabalho cansativo...), com aquele poder do conhecimento acerca do que se passava com as minhas entranhas (como descobri depois, altamente sobrevalorizado, diga-se de passagem...), e que me parecia ter vida relativamente desafogada (enfim, o meu médico de família foi um péssimo exemplo...). Vocação? Só entrei num Hospital no 4º ano do curso e nunca me apeteceu ir acampar num campo de refugiados em África, se é por aí que os caros leitores avaliam "vocações". Aliás diga-se que duvido que tivesse passado numa entrevista vaga sobre os meus sentimentos pela espécie humana em geral, que são desde esse tempo bastante semelhantes aos actuais. E, até para minha surpresa (porque ninguém, apesar de tudo, está imune a esta pressão da "vocação"), e contra as minhas melhores expectativas, acabei por me tornar naquilo que considero ser um excelente profissional de saúde, daqueles que conseguem fazer tudo o que é humanamente preciso para tratar, segundo as melhores orientações internacionais, os doentes que lhe aparecem pela frente.

Não posso pedir mais em termos de realização profissional. Mas já que dou tudo o que tenho, e que espero que seja tudo o que há para dar, espero no mínimo por algum reconhecimento pela justeza do meu trajecto de vida.