domingo, 24 de outubro de 2010

Médico Explica Medicina a Jornalistas Desportivos

Que me desculpe o MEMAI pelos direitos de autor, mas aqui vai:
Dizer que um determinado jogador padece de um "traumatismo da face" é o mesmo que dizer que o jornalista que escreve a alarvidade é um "apreciador de cinema francês".
Ou seja, não diz nada.
O traumatismo é a causa de lesão (e há vários tipos de traumatismo), podendo provocar desde uma contusão simples, uma ruptura muscular, uma lesão articular/ligamentosa, passando por uma fractura exposta, até não ter qualquer consequência na saúde do jogador.
Ou seja, se quisermos e soubermos, devemos dizer o que o jogador "tem" (e ele não "tem" traumatismo), ou em caso contrário, dizer apenas que sofreu um traumatismo cujas consequências ainda não se apuraram.
Voltando à analogia, o facto do jornalista ser apreciador de cinema francês pode querer dizer muita coisa. Porém, se o pretendido é simplesmente pronunciarmo-nos sobre as suas aptidões profissionais, devemos ser específicos e escrever apenas que ele é estúpido.
Faz lembrar aquela abordagem da morte pelo outro extremo de sequência (ou consequência): em última análise, somos todos vítimas de morte cerebral por paragem cárdio-respiratória (ainda que, em bom rigor, não necessariamente por essa ordem).

sábado, 23 de outubro de 2010

Tomates

Ou falta deles.
Passo a concretizar esta reflexão:
Há doentes maus, idosos, com muitas doenças, com muita dependência de terceiros, com muito pouca ou nenhuma vida de relação.
Isso leva, à chegada ao Hospital aquando de uma intercorrência, ou de uma agudização das suas diversas cronicidades, ou do simples evoluir mais ou menos lento das suas patologias irreversíveis de base, a ponderar qual o grau de "investimento" que se deve fazer nesse caso particular.
Porquê? Porque não se pode oferecer tudo a todos, ou, por outras palavras, o melhor em termos de cuidados a todos. E deve-se racionalizar, para se oferecer o melhor aos "melhores" candidatos.
Isto, não só não é criticável, como é altamente louvável, na minha perspectiva. Ou seja, não faz sentido nenhum, num caso extremo para facilitar (isso depois complica, e muito, lá mais pelo meio...), ventilar um velhote com insuficiência respiratória crónica, a fazer oxigénio domiciliar ou VNI, demente ou vegetativo após um AVC, sem vida de relação com o meio circundante, acamado.
Mas PODE-SE fazer. Seria bom, na perspectiva de o manter vivo, fazê-lo. Mas isso implicaria assumir que passava a haver lista de espera nas Unidades de Cuidados Intensivos deste país (o que, já agora sublinhe-se, é incompatível com a sobrevida dos candidatos). Ou seja, quem calhasse de precisar delas numa das raras alturas em que haveria vagas safava-se, os outros todos, paciência. É um critério (a "ordem de chegada"), que até poderia ser resolvido eficazmente se passasse a haver mais UCI's e intensivistas do que centros de saúde e médicos de família, e descobríssemos petróleo, muito petróleo, no nosso subsolo (que financiasse esses caríssimos centros de tratamento).
Não se faz assim, "guardam-se" as vagas para aqueles candidatos com "doença à partida potencialmente reversível", e com "bom estado potencial" após a estadia. E quem fala no caso extremo dos cuidados intensivos fala de outras unidades especializadas (coronárias, AVC's...).
O problema está, não no bem maior que se pretende em guardar as limitadas vagas para quem mais beneficia delas, mas sim com o que se faz com os "candidatos chumbados". Ou sobre os argumentos que por vezes inventamos para justificar o chumbo.
O mais clássico de todos é fingirmos estar a fazer "bem" ao doente, não porque ele está no final da vida e tem todo o benefício em não lhe prolongarmos o sofrimento, mas sim porque o "tubo", de repente, passa a ser uma "violência", ele passa a precisar de "tranquilidade" e não dos "catéteres" (coisas inúteis que por lá se põem) e do "rebuliço" de uma unidade daquele tipo.
Pior: muitos não assumem sequer que o doente é para deixar de molho, confortável, paliado, efectivamente sossegado, e seguem a prescrever antibióticos, oxigénio, alimentação, monitorização, e tudo o mais que se lembrem, como se de repente lhes desse um súbito assomo de consciência ou arrependimento.
Ou seja, o que me aborrece são os decisores de consistência (e consciência) interrupta e/ou lábil. Que acham que uma determinada pessoa não é para investir assim tanto, mas na qual se deve investir assim-assim. Que fingem que cuidados mais invasivos, MELHORES, passam a ser cuidados maus para um determinado candidato, mas que já não é mau prolongar-lhe a vida não-invasivamente.
Se a ideia é prolongar a vida, prolongue-se o melhor que se sabe e pode. Se a ideia é não prolongar o sofrimento, então... não se prolongue o sofrimento, trate-se o sofrimento e deixe-se a doença seguir o seu curso. Se a doença é má mas a intercorrência é reversível, trata-se a intercorrência com o melhor que se pode. Ou então: se a doença é má, e a intercorrência reversível, então não se faça nada e deixe-se a intercorrência levar esse doente mau. São duas posições legítimas, desde que minimamente coerentes num determinado espaço e tempo.
Agora, não se trate a intercorrência assim-assim, porque a doença de base é má. Nem se passe a tratar todas intercorrências, independentemente das doenças de base.
Estas dúvidas existenciais saem mais baratas ao contribuinte se tratarmos o decisor com uma benzodiazepina, oferecendo-lhe de seguida a possibilidade de uma retemperadora noite de sono.
E o doente, podem acreditar em mim quando o digo, agradece.
Mas lá que isto ainda anda perigoso demais para eu morrer com um mínimo de "segurança", ai isso anda.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Com Tensão

Sem pretender ser pessimista....
Mas não vejo saída possível para a "crise" de funcionamento dos hospitais na actualidade.
Os hospitais que funcionam "bem" são aqueles que conseguem ir buscar mais dinheiro (para eventualmente, na melhor das hipóteses, investir em infra-estruturas e meios humanos) ao bolo do SNS.
Para funcionar "bem" e serem recompensados nos orçamentos devem seguir uma série de recomendações/critérios que não se coadunam por si só (e às vezes, antes pelo contrário) com melhoria da qualidade dos cuidados de saúde.
A título de exemplo: um Hospital recebe por "episódio".
Um "episódio" de Urgência (ou seja, um "utente" que vai ao serviço de Urgência) rende x (valor fixo), em que x deve ser superior ao gasto para o serviço se auto-financiar. As "verdadeiras urgências", em princípio, saem mais caras que x, por isso devem ser atendidas várias "falsas urgências", para que o ganho com estas financiem as verdadeiras.
Isto leva, obviamente, ao aproximar do serviço do seu colapso, com aumento dos tempos de atendimento, ainda que uma triagem com qualidade faça recair o ónus da espera tendencialmente nos menos urgentes.
Seja como for, o burnout de serviços já de si geralmente mal servidos de meios humanos, a actividade permanente que favorece o erro (quantos mais casos pouco graves, maiores são as probabilidades de escaparem ao crivo alguns de gravidade que mereceriam maior concentração de atenção) e o desvio da actividade para fora da sua vocação (de urgência) faz invariavelmente decaír a qualidade por esse país fora.
E atitudes sensatas, como "limitar" o acesso aos serviços de Urgência às verdadeiras urgências, deixa de fazer sentido, em nome da rentabilização do mesmo.
O Hospital também ganha em função do "episódio" de consulta. Quantas mais consultas por unidade de tempo, maior a rentabilidade do profissional.
Escusado será dizer que essa profissionalização em consultas "expresso" tem o seu je ne sais quoi. Em primeiro lugar, a desvalorização relativa da actividade assistencial em enfermaria, porém fundamental relativamente aos casos mais graves e complexos (e esse ponto, a meu ver, é muito grave), e com uma exigência inerente muito elevada aos profissionais que a desempenham bem. Em segundo lugar, a duvidosa relação que existirá entre "muitas consultas" e "boas consultas".
Por fim, uma terceira achega, a dos GDH que facultam muito dinheiro aos hospitais. Num Hospital, a sua alma natural, que é a Medicina Interna, o internamento e os casos de gravidade superior, equivalem a despesa/prejuízo de acordo com os actuais critérios de pagamento.
Os GDH que dão "lucro" vêm de serviços como a Cirurgia do ambulatório, as "consultas expresso" a granel e as urgências da treta, para além de umas quantas, pontuais, técnicas aqui e ali.
Escusado será dizer qual o sector privilegiado por qualquer administração nos tempos que correm. Não é o médico que interna o doente complicado para o estudar mais ou menos demoradamente, com exames algumas vezes complexos, com tratamentos algumas vezes dispendiosos. Não é o médico que só fica com os doentes complicados na consulta, dando alta aos mais "simples" (que podem ser seguidos por qualquer médico de família), que faz exames completos no seu período de consulta e que, por isso, vê 5 ou 6 doentes em 4 horas bem preenchidas, em vez de 40 em 1 hora, como em algumas "consultas" que existem (e isto é a sério!), onde os doentes nem se sentam, e que só servem para ajustar INR's de pessoas sob anticoagulação oral. O episódio de consulta rende o mesmo ao Hospital. Ou seja, aquele que faz o que qualquer programa informático foleiro poderia (e deveria) fazer, é muito mais "rentável" (cerca de 40 vezes mais rentável) que aquele que queima os neurónios a pensar... doentes.
Por fim, escusado será dizer que o real objectivo de qualquer administração hospitalar competente que se preze, nos dias que correm, não passa por melhorar a qualidade dos serviços prestados, ou a sua diversidade, nem passa por melhorar a qualidade física ou humana da maioria dos Serviços e Consultas (nomeadamente os menos lucrativos, os mais "pesados": Medicina Interna; Cuidados Intensivos; Oncologia em geral), nem tão pouco por melhorar a qualidade dos profissinais que integram os seus quadros, melhorando assim a qualidade dos cuidados de saúde à população que serve.
Isso seria condenar o Hospital (e a população que ele serve) à privação dos fundos, tal como são distribuídos na actualidade, e à ruína subsequente.
O objectivo é, isso sim, ir "buscar dinheiro" ao Estado (logo, ao contribuinte), ainda que por meios artificialmente valorizados (pela própria administração do Estado), para o poder gastar em formas de maximizar ainda mais essa busca, num ciclo suicidário em termos sociais e financeiros, que não soluciona os reais problemas dos cidadãos (que são os tais problemas que não dão lucro), minando-lhe por outro lado qualquer possibilidade de ter um SNS sustentável, sem ser através de artifícios em que o objectivo primário de qualquer Hospital seja o de "enganar" a administração central por forma a esta desbloquear o máximo de fundos para este ou aquele.
São os sinais dos tempos. De hoje.

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Competências

Quando é que, em saúde, devemos passar a ter uma determinada competência?
Sem qualquer critério corporativista, apenas pela lógica das coisas?
Parece-me simples quanto ao "critério mínimo": quando conseguimos resolver as iatrogenias que dela advêm. Mesmo que não individualmente, no mínimo estruturalmente (seguindo uma cadeia célere, bem oleada e solidária nessa resolução).
Quer pôr catéteres autonomamente? Tem que saber drenar pneumotórax e hemotórax.
Quer administrar sedativos (entre muitos outros fármacos)? Tem que saber reaminar.
Quer reanimar? Tem que saber (além dos simples algoritmos) arranjar acessos vasculares e entubar oro-traquealmente (e drenar pneumotórax hipertensivos, e drenar derrames pericárdicos, e ventilar, e avaliar neurologicamente, ...).
Quer realizar exames endoscópicos? Tem que ter retaguarda cirúrgica avisada (e saber reanimar, ...).
E por aí fora.
Podia ser que, dessa forma, se acabassem com muitas reivindicações bacocas que recorrentemente se ouvem por aí.
Quanto aos demais critérios (os de "qualidade"), estamos em Portugal, país das "Medicinas Alternativas" legalizadas (ou não ilegalizadas).
Não tenhamos por isso "delírios escandinavos", nem "complexos de canadiano".

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

O Senhor Seja Louvado!

L'OMS déclare la pandémie de grippe H1N1 terminée

Julgo estarmos finalmente em condições para, novamente, nos começarmos a preocupar seriamente com "a gripe".
"Aquela" que, todos os anos, nos mata aos milhares.
E que não vem no Alfabeto....

Confusões Escusadas, Parte II

Petição Equivalência de Mestre aos titulares das anteriores licenciaturas com formação de 5/6 anos

Para:Assembleia da República

Exmo. Senhor Presidente da Assembleia da República, Os cidadãos a seguir assinados e identificados vêm, por este meio requerer que seja dada equivalência de Mestre aos titulares das anteriores licenciaturas com formação de 5/6 anos, na designação anterior à reforma de Bolonha. Com a Reforma do Ensino Superior (Decreto-Lei 74/2006, de 24 de Março), o título académico de licenciado passou a ser atribuído ao fim de um ciclo de estudos de 3 ou de 4 anos, quando no passado o título equivalente era designado por bacharel. Pelo contrário, antes da Reforma, à formação superior de 5 anos era atribuído o título de licenciado. Perante a existência no mercado de trabalho de diferentes formações e competências, a que corresponde o mesmo título académico, torna-se necessário referenciar o mesmo com a indicação do período em que foi obtido. Acresce que a Portaria nº 782/2009, que estabelece a Regulamentação do Quadro Nacional de Qualificações (QNQ), ignora a diferença anteriormente referida, pois no Anexo III atribuiu o mesmo nível ao bacharelato e à licenciatura (nível 6), sem diferenciar se os títulos foram obtidos antes ou depois da Reforma. Esta classificação desvaloriza, de forma gravosa, injusta e incompreensível, a qualificação profissional de centenas de milhar de licenciados pré-Bolonha na medida em que, não só colide com o reconhecimento das suas qualificações profissionais, aceite há dezenas de anos pela Sociedade, como também colide com o próprio ordenamento jurídico nacional, em especial na parte referente ao reconhecimento nas formações de nível superior, nomeadamente com o estabelecido na Lei n.º 9/2009, de 4 de Março, relativa a reconhecimento de qualificações profissionais. Exposição de Motivos: Nos termos dos acordos do processo de Bolonha, de que Portugal é desde o primeiro momento signatário, ocorreu recentemente no nosso País uma reestruturação profunda do quadro legal do sistema do ensino superior. O Decreto-Lei n.º 74/2006, de 24 de Março, alterado pelo Decreto-Lei n.º 107/2008, de 25 de Junho, tendo como referência a segunda alteração à Lei de Bases do Sistema Educativo adoptada pela Lei n.º 49/2005 de 30 de Agosto, estabelece, na perspectiva da preparação para a generalidade das profissões, dois graus académicos de formação superior principais: a) O grau de licenciado, correspondente ao 1º ciclo de estudos do Espaço Europeu do Ensino Superior, acordado pelos ministros do ensino superior na sua reunião em Bergen, Noruega, em Maio de 2005, no âmbito do processo de Bolonha - cf. especialmente o artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 74/2006, de 24 de Março, alterado pelo Decreto-Lei n.º 107/2008, de 25 de Junho, supra-citado. b) O grau de mestre, correspondente ao 2º ciclo de estudos do Espaço Europeu do Ensino Superior, acordado pelos ministros do ensino superior na reunião de Bergen, supra-mencionada - cf. especialmente o artigo 15.º do referido Decreto-Lei n.º 74/2006, de 24 de Março, alterado pelo Decreto-Lei n.º 107/2008. Entendeu o poder político adoptar a designação de licenciatura para os novos primeiros ciclos de formação. Esta decisão, dificilmente entendível, mas que naturalmente se respeita no quadro democrático, levantou desde o primeiro momento, em muitos cidadãos, uma grande preocupação sobre futuras confusões entre designação e competências associadas, com a correspondente injustiça que se poderia perspectivar. As licenciaturas anteriores à reforma correspondiam, na generalidade, a formações acumuladas correspondentes a ciclos longos, que conferiam qualificações de base reconhecidas pela Sociedade como adequadas para o início de exercício de profissões com responsabilidade e níveis de complexidade elevadas. A portaria n.º 782/2009 adopta no seu Anexo III um alinhamento de reconhecimento de qualificações de ‘Bacharelatos e Licenciaturas’, sem qualquer reconhecimento da diferença inequívoca de qualificações entre as novas licenciaturas, primeiros ciclos que têm de facto relação com os antigos bacharelatos, e as antigas licenciaturas, que representam um nível acima do dos bacharelatos. Não é curial que, fazendo o Anexo III, e bem, menção expressa a um grau do anterior sistema, o bacharelato, não faça igualmente menção expressa ao outro grau desse mesmo sistema, a licenciatura. Não pode ser omitido que o termo “licenciado” se refere a níveis de formação académica marcadamente diferentes, consoante diga respeito ao sistema anterior, ou ao que está actualmente em vigor. A realidade é que, tal facto, é inaceitavelmente lesivo dos direitos dos titulares de licenciaturas anteriores à presente reforma. É necessário que fique claro, para os empregadores e para a sociedade em geral, que apesar de se estar a adoptar, por decisão legal, a mesma designação, está efectivamente a referir-se a níveis de qualificação diferentes, sendo adequado que a actual licenciatura esteja associada ao nível 6 (no mesmo nível do antigo bacharelato) e a antiga licenciatura dos regimes de ciclo longo anteriores ao Decreto-Lei n.º 74/2006, de 24 de Março, de que são titulares muitas centenas de milhares de licenciados, figure no nível imediatamente superior, nível 7, nível com correspondência ao do actual mestrado. E ainda: - Estando convictos que a equiparação proposta é uma ideia de princípio válida, e defensora dos interesses de todos os licenciados, sejam ou não membros das Ordens Profissionais e profissionais que se formaram antes do Processo de Bolonha; - Tendo presente que a Lei define que são as Instituições de Ensino Superior que têm competência para atribuir este tipo específico de equivalência; - Tendo, ainda, em conta que as Ordens Profissionais têm tido conhecimento de procedimentos e exigências muito diferentes consoante a Universidade, para a atribuição de equivalência quando solicitada; - Tendo em consideração que é necessária uma base objectiva, uma questão concreta colocada para que a Assembleia da República se veja na necessidade de legislar; - Tendo em consideração a objectividade do actual comprometimento de diversas situações de progressão de carreira, de candidatura a concursos públicos, ou da definição da prioridade curricular dos licenciados pré-Bolonha, cujo percurso material compreende um total efectivo de cinco ou mais anos lectivos, agora prejudicado pela modificação meramente formal da designação da estrutura três mais dois, actual Mestrado (integrado); - Que não poderão ser compatíveis realidades distintas, como é o caso das licenciaturas antes e pós Bolonha, uma correspondendo ao actual primeiro e segundo ciclo, cinco/seis anos, e a outra apenas ao primeiro ciclo. Proposta: Os signatários requerem que seja dada equivalência de Mestre aos titulares das anteriores licenciaturas universitárias com formação de 5/6 anos, na designação pré-reforma de Bolonha.

Os signatários
Em: http://peticaopublica.com/PeticaoVer.aspx?pi=pet1

terça-feira, 3 de agosto de 2010

180º

Casal com 30 e tal anos.
Estabiliza daqui, estabiliza dali, finalmente parece haver condições mínimas para assegurar o sustento responsável de alguma descendência.
Casa nova paga ao banco em pontuais prestações, com quartinho em desenvolvimento, roupinhas, numa gravidez que vai correndo bem, 1ª ecografia morfológica, 2ª morfológica, tudo impecável....
35ª semana, a mala já está pronta, as ginásticas pré-parto com muitas outras grávidas em circunstâncias iguais prometem dar frutos brevemente, há entusiasmo e magia no ar.
Náuseas e vómitos.
Serviço de Urgência, CTG e ecografia fetal, tudo bem, "coisas de grávida".
Um par de dias depois mantêm-se as queixas, novo passeio ao SU: "feto morto".
Indignação, desconsolo, revolta.
Mas também doença: mãe com insuficiência hepática, trombocitopenia, coagulopatia, insuficiência renal. Vulgo síndroma HELLP.
Cesariana para extracção do feto morto, em princípio curativa.
Mas neste caso não, agravamento do quadro nas horas seguintes, sépsis, hemorragia com agravamento da coagulopatia, nova intervenção cirúrgica para extracção dos coágulos, persistência da insuficiência renal, afundamento neurológico e coma.
Sentimento de impotência de todos os envolvidos no caso perante a implacável evolução. Último e desesperado recurso: plasmaferese (substituição do plasma do doente por outro, em várias sessões).
E acontece o "milagre": acorda, é extubada, a função renal e restantes parâmetros analíticos melhoram, tem alta dos Cuidados Intensivos para a enfermaria, continua a fazer algumas sessões de plasmaferese até se resolver o quadro, há restitutio ad integrum.
Agora, nesta história feliz, ela pode viver, juntamente com marido, familiares e amigos, na sua casa nova, os gloriosos meses de luto por uma perda que ninguém lhe conseguirá explicar, e que ela nunca irá compreender.

quarta-feira, 28 de julho de 2010

Os Nossos Antepassados

Quando penso neles, só me ocorre uma pergunta: o que andaram esses inúteis a fazer?
Crescemos a acreditar em histórias da carochinha.
"Se estudares/trabalhares muito, serás alguém", diziam-me. Constato hoje que se roubar, se enganar, se fraudular ou se desfalcar, muito mais depressa e eficazmente ascendo à condição de "alguém", do que trabalhando, que aliás é meio caminho andado para ser considerado parvo por estas bandas.
"Deves respeitar os outros para que os outros te respeitem". Essa então dispensa comentários....
"Não faças aos outros o que não gostarias que te fizessem a ti".
"Não desobedeças às autoridades".
"Respeita o teu professor".
"Não mintas".
"Não te atrases, deixar as pessoas à espera é falta de respeito"....
Como é que alguém, no seu perfeito juízo, educa os filhos segundo estes princípios irreais, sabendo de antemão que lhe espera a desilusão certa, mais cedo ou mais tarde, ao constatar que nada do que sempre se defendeu junto dele é minimamente valorizado nestas sociedades desprovidas de valores?
Uns têm porque nasceram tendo. Alguns têm porque trabalharam, porque se esforçaram. Outros têm porque não é justo os privilegiados que trabalharam e se esforçaram terem, e eles não.
Uns são porque nasceram sendo. Outros têm que se submeter e intrometer em concursos desleais e farsas que tal, para tentarem ser. Outros ainda, simplesmente são porque acham que têm esse direito, sem sequer se esforçarem para parecer.
Onde está a Justiça afinal? Que assegura a igualdade de direitos (e de deveres)? Onde entra o Mérito no nosso dia-a-dia? O que ele oferece a quem o evidencia? Onde acaba a discriminação dos que têm e são sem o merecerem, e quando é que começa a discrimição aos que querem ter e ser cada vez mais sem fazerem nada por isso, pelo simples facto de acharem que outros devem sustentar os seus vícios e delírios?
Anda tudo doido.
Por isso, caros leitores, sempre que me falam em antepassados, limito-me a puxar resignado por mais um cigarro, suicidando-me mais um pouco.
É que eu não estava de todo preparado para ter que começar a fazer tudo desde o princípio....

Vírus do Nilo II

Via TTA d' "o som nu e cru"

terça-feira, 27 de julho de 2010

Vírus do Nilo

Ou do Tejo, neste putativo caso de que se fala....
Parece que anda para aí.
Não é muito interessante, o vírus, quer em termos semiológicos/de diagnóstico, quer de tratamento (ou até de prognóstico, essencialmente benigno).
Mas como estamos na Era da Epidemiologia, quem sabe está aí para chegar mais uma paranóica onda de pânico?
A ver vamos, eu cá sugeria um documentário sobre o tema com um doente infectado com o dito cujo, de preferência belo e jovem, com os pais a explicar o trajecto da vítima ao longo da sua infância (devidamente inconografado), a convulsivar por fim, e culminando numa sempre dramática assistolia monitorizada. Nem que fosse outro problema qualquer a causar a fatalidade, mas lembrando que esse é o efeito do vírus numa (ainda que irrisória) percentagem dos infectados ("inspirado em factos potencialmente reais"). Rematando, claro está, que a doença se manifesta por uma distinta febre e dores no corpo, para culminar na debandada do povo para os Serviços de Urgência por esse país fora, seguido por comunicados ministeriais e entrevistas a ratos de laboratório do Instituto Ricardo Jorge acerca das alterações climáticas e do Armagedão, mesmo aí ao virar da esquina.
Até lá, relembro-vos e gabo-me das minhas faculdades premonitórias, bastando para o provar que leiam o post anterior, em que de forma visionária defendia (já então...) a erradicação de todos esses vectores que nos vão preocupar.
Pode ser que sempre acabe por ver umas avionetas a pulverizar insecticidas por cima da minha quintinha, afinal. Chamar-se-ia a isso males que vêm por bem, ou de forma mais (apropriadamente) bíblica, que por vezes sempre se escreve direito por linhas tortas....
É o chamado "Efeito Gripe A". E seria o máximo, se não fosse tão caro.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Insectos

Não, não é metáfora. Trata-se mesmo de uma mini-crónica para lamentar que, neste século que traduz avançada idade civilizacional, ainda não se tenha resolvido um problema para o qual, do meu apartamento no segundo andar de uma qualquer cidade, nem estava sequer sensibilizado.
Desse meu 2º andar, sendo adepto fanático daqueles difusores que se ligam às tomadas em regime non-stop, nunca tive problemas com insectos, e julgo contarem-se, à vontade, com os dedos de uma única mão as moscas que eu matava ao longo de um ano. O meu contacto com insectos era esporádico, e a contenda facilmente decidida a meu favor, por inferioridade numérica franca dos espécimens em causa.
Desde que me mudei para esta quinta, de outra forma tão aprazível em visitas pontuais e em qualquer fotografia mais tosca, descobri um problema.
Esta bicheza não tem fim, resiste a quantidades humanamente tóxicas destes insecticidas que despejo pela casa, manifestamente ineficazes, e está na origem da minha mais recente obsessão.
Não são discretos os insectos, nem tímidos, e não são raras as vezes em que, tranquilamente sentado em frente a este monitor, acabo abalroado por uma qualquer mosca ou traça ou lá os nomes que inventam para estas coisas nojentas com asas que teimam em voar à minha volta.
Não facilito, e para além dos insecticidas apetrechei-me com redes mosquiteiras e um bem treinado regimento familiar, severamente punido de cada vez que falham as normas de segurança, destinadas a prevenir a intrusão dos invasores: portas que só se abrem num intervalo de tempo indispensável para, rapidamente, o corpo as atravessar; persianas que só se fecham com luzes apagadas; janelas que só se abrem com as redes postas....
E uma guerra total e impiedosa a tudo o que mexa fora do contexto do agregado. Só que esta guerra não tem fim, e já nem os rastejantes consigo controlar (apesar de serem, de longe, os menos irritantes). Não desisti, nem o farei, mas já pareço o zé das moscas de pano em riste atrás delas e dos seus aparentados.
As visitas ocasionais não estão sensibilizadas com o problema, e acabo por enxotá-las com a minha paranóia com maior eficácia do que às moscas (a Poorta!!!).
As moscas.... Para que servem moscas? Como é que as moscas ainda não foram extintas? Essas coisas irritantes com o seu zumbido de fundo, estúpidas ao ponto de esbarrarem contra os óculos do maior serial-killer de sempre da sua já longa história, sem qualquer noção de discrição ou sequer de camuflagem, que parecem pedir para serem esmagadas quanto antes irritando o predador até ao limite da sua paciência.
Desconfio que é por serem tantas. Onde é que nascerão, para eu completar de bom grado o genocídio em que me empenho totalmente, nos dias que correm?
Não me falem em "eco-sistemas", e não me digam que estas coisas têm lugar nos mesmos, quanto mais terem alguma função que não possa ser desempenhada eficazmente por outro qualquer ser menos irritantemente vivo. Eu próprio me voluntariava de bom grado para suprir essas eventuais funções, se isso adiantasse alguma coisa.
Não haverá um insecticida que se pudesse polvilhar em cima, pelo menos do território nacional, e que exterminasse esta espécie? Os escandinavos que a preservassem, se quisessem (e duvido que, até eles, o quisessem...). DDT? Outra coisa qualquer? Tantos anos de desenvolvimento tecnológico, tantos avanços na química, tanto armamento nuclear e biológico, e não se resolveu ainda esta questão, aparentemente simples?
Bem, isto até pode ser saudável para as crianças (o campo, e tal...), apesar da bicheza e das ervas que crescem por todo o lado no quintal, mas mal posso esperar pela hora em que regressar a um higiénico e limpo apartamento, assim a modos que imediatamente após eles irem às suas vidinhas, daqui a uns (distantes) anos....
E poder finalmente ver estas coisas todas através de fotografias, que alguns me mandam incessantemente por e-mail, e que a par da minha enorme imaginação chega e sobra para desfrutar de todo o prazer da coisa sem a necessidade de partilhar o cheiro, o ruído e a presença física da coisa.
Raios partam os bichos....

terça-feira, 29 de junho de 2010

"Acho" e "Posso"

Isto a propósito de uma crónica televisiva sobre uma Urgência (julgo que no HSFX em Lisboa).
Era engraçado, o vácuo de propósito da mesma. Falava-se em tempos de espera, nas pulseirinhas e suas respectivas prioridades, no que achava a enfermeira e a Dra sobre o número de "Urgências" daquele e doutros dias....
Até que culmina na pérola. Sem que se conseguisse perceber facilmente, tinham começado as entrevistas aos "utentes" da mesma Urgência. Ele era o "Pai com inchaço nas pernas, a ver se podem fazer alguma coisa...", ele era a "pancada na perna anteontem, e a dor que não passava", as "manchas" que surgiram há uns dias e persistiam, a "ver se alguém lhe sabia dizer o que era aquilo"....
Um fartote.
Opinião crítica sobre isso tudo? Nem pó, deve ser normal, o que por sua vez me coloca naquele percentil de população a razar o hospício (quando achamos que o mundo anda todo doido, diz-me a experiência que somos capazes de precisar de um divã, devidamente apetrechado com um "Dr dos nervos").
Decido então pensar cientificamente, no porquê daqueles seres julgarem que podiam estar ali naquela Urgência, com aquele tipo de queixas?
Bem, a evidência observacional é simples: achavam que podiam, porque de facto... podem.
Para quando taxas a sério para todos aqueles que vão por sua iniciativa (não encaminhados por profissionais de saúde) às Urgências por esse país fora, sem que na alta se confirme ter havido motivo para tal (com base no diagnóstico da alta)? Não era preciso multa, bastava que pagassem a despesa que dão ao Estado nesse seu desvario. O que, num Hospital Central, significa coisa para +-150 euros, sem exames incluídos.
É que pagar até pagam. Só que diluído por todos nós, em vez de apenas os iluminados pela Irmandade dos Direitos Universais de uns à pala de todos.
Até que um dia falte mesmo...?

segunda-feira, 28 de junho de 2010

O Erro de "Casting" da Enfermagem em Portugal

A meu ver, a turbulência que se vive nessa classe deve-se a um equívoco.
E o equívoco começou com o aparentemente inofensivo Tratado de Bolonha. Passou a exigir-se-lhes licenciatura, prolongou-se o curso, exigiram-se formação aos bacharelados, criaram-se especialidades, alimentaram-se expectativas. Agora admiram-se que a nova licenciatura exija ser reconhecida (e já agora paga) como tal? Admiram-se que, enquanto licenciados (e especialistas), os enfermeiros estejam a requerer mais competências, relativamente às que tinham dantes?
O tratamento global do doente é competência da ciência "Medicina". Não me interpretem mal, há muita gente comichosa no meio, e por isso passo a explicar. É natural que todo aquele que tem brio em profissões de saúde, que lidam directamente com o doente, procure aproximar-se ao máximo daquilo que poderemos designar como "competência médica". E os enfermeiros são os mais próximos dos médicos nessa "competência". Criam-se cursos, põem-se os profissionais lado a lado, nem que seja à custa de uma formação de 2 semanas mal contadas no caso das VMER's, e, repito, surge a confusão no espírito de certas almas que vêem nisso a evidência de equivalência, ou pelo menos de aparentar de competências.
E daí a querer-se prescrever, e querer-se diagnosticar, vai um passo, não se explicando bem o que se entende por isso, se de facto uma prescrição ou um diagnóstico tal como levei muitos anos a aprender fazer (em formação pré e, sobretudo, pós-graduada), ou se de seguimento autónomo de protocolos simples (do tipo: tem febre: paracetamol 1g se não houver evidência de contra-indicação) e preenchimento padronizado de programas informáticos (tipo "Manchester", com diagnóstico de sintomas, o mesmo é dizer, com registo da queixa do doente e seu agrupamento mais ou menos tosco em grupos nosológicos que se destinam a triagem de prioridades).
Muita confusão reina por aí, e quem anda no meio também não foge à regra.
Ou seja, o "erro de Casting" (do título), ou o equívoco, é que os enfermeiros que realmente são precisos hoje são os mesmos que se precisavam dantes (aqueles do bacharelato). Sem mais competências (ainda que se possam obviamente optimizar muitas delas), para além das que sempre tiveram, e que são muitas e necessárias (correndo o risco de ficar orfãs, nos tempos que correm, ou nas mãos de pessoas sem formação adequada).
Não é preciso "inventar" médicos alternativos, ou semi-médicos. Já há um curso para "clássicos", com formação pós-graduada e tudo, e que julgo ser bastante bom.
Mas enfim, é o que dá fazerem-se "reformas" inúteis, sem se medirem as consequências. Agora, vão ter que lidar com elas, os senhores governantes.
Quem já está a perder com isso tudo são os enfermeiros.
Mas quem vai ficar a perder no final é o doente, pelos motivos aflorados supra.

"Fasciisação" do Ensino

No "meu tempo", era possível a pessoas trabalhadoras, como os meus pais, com calculado sacrifício, pôr os filhos a estudar em escolas públicas onde havia disciplina, bons e maus professores, bons e maus alunos, mas onde se ensinava, e depois aprendia quem queria.
Hoje em dia tenho as minhas dúvidas que as coisas continuem assim, pelo menos de uma forma geral.
Hoje em dia parece-me que se entrou numa espécie de facilitismo do ensino, onde todo e qualquer burro julga ter o "direito" de ter aproveitamento escolar, onde todo e qualquer desordeiro julga ter o "direito" de fazer o que bem entende durante as aulas, perturbando-as e àqueles que até gostavam de aprender alguma coisa.
Mas, e isso é o pior de tudo, quem manda nisto julga ao mesmo tempo ter o dever de conceder esses "direitos" aos animaizinhos, e estes entranham-se lentamente numa lenta cancerização daquilo que, ao invés de facultar formação e ensino a quem quer, inviabiliza que aqueles que não têm possibilidade de fugir deste "sistema" público saiam da bitola social menor dos seus progenitores, perpetuando um ciclo que assim se torna vicioso, e totalmente anti-meritocrático.
Percebam já agora uma coisa, a mim pessoalmente não me chateia nada, pois felizmente tenho meios, e os meus filhos irão, seguramente, para onde tiverem a capacidade de ensinar alguma coisa. Bem vistas as coisas, estarão em franca vantagem competitiva com todos os outros desgraçados que não conseguem (e não falo da minoria que não quer saber disso para nada) fugir desta coisa a que chamam "ensino público", e que muitas vezes apenas serve para entreter pais e crianças com pseudo-aproveitamentos, enquanto na prática incapacita os formandos que, mais tarde ou mais cedo, se confrontam com o seu real pouco valor competitivo.
A razão de ser deste desabafo é que, se fosse hoje, e nas mesmas circunstâncias, eu era bem capaz de não ter conseguido enveredar pela profissão que gosto.
E este Estado, que bem se vê tem sido ao longo dos anos incapaz, incompetente, irresponsável e hipócrita, teria a obrigação de me facultar as condições para eu lhe aceder em igualdade de circunstâncias com os que, à partida, seriam socialmente privilegiados relativamente a mim.
Porque o único dever de um Estado, numa sociedade realmente equalitária e justa, é facultar ensino para todos. Bom ensino, rigoroso, exigente, discriminatório. E não "dar aproveitamento", canudos, licenciaturas ou doutoramentos a todos. Pois, como já disse, aprende quem quer. Ou devia poder aprender quem quer.
Só não percebo é porque é que estas coisas parecem não chatear ninguém....

domingo, 27 de junho de 2010

Homeopatia

Alguns segundos de imagens, que valem infindáveis e infinitas palavras....

domingo, 6 de junho de 2010

Afinal, Sempre é Capaz de Ter Sido Letal...

La grippe A fait une nouvelle victime : l'OMS

Avec un peu plus de 18 000 morts recensés dans 214 pays par l'Organisation mondiale de la santé (OMS), la pandémie grippale due au nouveau virus A(H1N1) a déjoué les pronostics officiels. Elle s'est révélée plus bénigne que ne l'avaient prédit les scénarios les plus optimistes.

Un peu plus d'un an après que la directrice générale de l'OMS, le docteur Margaret Chan, annonçait officiellement, le 11 mai 2009, que les critères pour déclarer une véritable pandémie grippale étaient remplis, une question mérite d'être posée : la principale victime, dans cette affaire, n'est-elle pas l'OMS elle-même ?

Personne ne peut être mis en cause pour n'avoir pas su à l'avance comment se développerait l'épidémie partie du Mexique et des Etats-Unis. En revanche, le soupçon se fait de plus en plus pesant sur l'incapacité de l'institution internationale à maintenir les décisions stratégiques qu'elle a prises sur le niveau d'alerte sanitaire, les traitements et les vaccins contre le virus grippal A(H1N1) hors des eaux douteuses des conflits d'intérêts.

L'annonce du passage au stade de pandémie a ouvert un boulevard à quelques laboratoires pharmaceutiques, qui ont bénéficié d'une véritable manne financière, avec des ventes de vaccins dont les gains sont estimés entre 7 et 10 milliards de dollars.

Comment prendre au sérieux l'argumentaire de l'OMS ? Elle dit ne pas rendre publiques les déclarations d'intérêts que remplissent les experts participant à ses différents comités, au motif qu'elles comportent des informations d'ordre "privé" ? D'autres institutions et agences le font pourtant systématiquement.

Dans un rapport adopté le 4 juin par la commission de la santé de l'Assemblée parlementaire du Conseil de l'Europe, le député britannique Paul Flynn pose un bon principe. Il observe que la situation est caractérisée par une confiance décroissante dans les décisions de santé publique. Dans ce contexte, le souci de protéger certains aspects "privés" du CV des experts auprès des organisations internationales - leur appartenance ou non à un laboratoire, par exemple - ne peut "prévaloir sur le droit de 800 millions de citoyens à être ouvertement et pleinement informés sur les décisions majeures qui pourraient avoir un impact sur leur santé et leur bien-être individuels".

Margaret Chan a nommé un groupe d'experts chargé d'examiner la réponse à la pandémie et la manière dont a été appliqué le Règlement sanitaire international. Ce groupe a commencé ses travaux. Mais ce dont l'OMS a besoin rapidement, c'est d'un sérieux dépoussiérage de ses procédures et de la mise en oeuvre d'une véritable transparence et d'une sanctuarisation de ses décisions à l'égard de toute influence, notamment celle d'intérêts privés. Faute de quoi, non seulement l'OMS aura dilapidé le crédit qu'elle avait accumulé jusqu'ici face aux grands défis sanitaires, mais elle aura laissé le monde sans cabine de pilotage face à une future pandémie, qui ne sera pas nécessairement aussi clémente que l'a été, jusqu'ici, celle de 2009-2010.

segunda-feira, 31 de maio de 2010

Dia Mundial do Tabaco

Ou algo do género....
Asseguram-me numerosas crónicas que as animálias fumadoras desconhecem os riscos do tabaco. Que as animálias devem parar, que se devem incentivar ajudas à cessação, que elas devem ser "dissuadidas" através da restrição dos locais onde se pode fumar, e que devem ver o preço do tabaco ser aumentado, porque como toda a gente sabe, para aqueles mais básicos entre os básicos, só mesmo indo à carteira é que se lhes consegue travar o ímpeto tabágico.
Dizem que fumar menos é "melhor", fumar durante menos tempo ainda melhor é, e que se vai "sempre a tempo" de parar. E que começar tarde, então, é que é o supra-sumo da bicharada. Nunca fumando, deduz-se, chega-se ao Olimpo dos sábios.
Assumem-se também diversas premissas nestes raciocínios todos. O primeiro, desde logo, é que tem que valer a pena "viver mais tempo". E que vale a pena viver mais tempo, ainda que não se possa fumar para o efeito, mesmo apetecendo. Assume-se, acima de tudo, que os fumadores arriscam-se a morrer prematuramente, o que está certo, mas tendo implícita a ideia que os fumadores morrem (ponto). Ou seja, que se pararem, deixam de morrer. Ou morrem "melhor". Assume-se que os fumadores colocam um problema de "saúde pública" a terceiros, e ignora-se que, numa sala destinada a fumadores, os terceiros não são afectados. Assume-se que as doenças que matam fumadores são mais caras à sociedade que as outras causas de morte, mas ninguém estudou tal boato, e a lógica (essa incógnita...) deveria levar a crer precisamente no contrário (poderia discorrer sobre isso, mas não me apetece agora...).
Acima de tudo, as bestas fascistas legisladoras deste tempo que é o meu julgam que, e isso é o que mais polui os meus neurónios nesta história toda, a opinião deles é melhor que a minha acerca daquilo que deveria ser a minha liberdade individual de "poder fumar". Ou seja, dão-se o direito de sugerir, despudorada e publicamente, e depois de agir, no sentido de me impedir de fumar onde quero (e sim, longe de não-fumadores), quando quero, e a um preço minimamente justo (entendendo-se por isso tão só: sem ser violentamente enrabado por estratosféricas taxas de cada vez que compro um maço de tabaco). Julgam que os seus conceitos pessoais de saúde têm que ser os meus. Que as suas ambições de longevidade têm que ser as minhas. Que os meus riscos têm que ser por eles assumidos, e anulados, contra a minha vontade. Julgam que o que eles pensam tem que ter relevância nas minhas opções pessoais, e julgam que tenho a obrigação de nutrir empatia por aquilo que defendem, aderindo sem mais chatices. Julgam, por fim, que tenho que ser disciplinado, se não pelos argumentos, pelo dinheiro que me vão começar (aliás, continuar) a roubar, e quem sabe um dia pela perseguição judicial ou pela exclusão de direitos (ainda tidos como) básicos (e não se riam, pois já se transpôs há muito o limite que tornaria essa assumpção absurda).
Ou seja, com as suas paneleirices televisivas, e as tristes mostras do pestilento conteúdo dos seus infantis raciocínios, posso eu bem. Mas quando começam a entrar pela minha vida adentro, impondo-me comportamentos padronizados em nome de modas que não são as minhas, confesso, começa a irritar....
PS: caro leitor, será que tem conhecimento se posso ter a minha plantaçãozinha pessoal de tabaco no meu quintal, ou isso também já é ilegal?

quarta-feira, 26 de maio de 2010

Parece mentira...

... as doenças maradas que esta gente vai tendo!
É extremamente aborrecido constatar este estado de espírito recorrente, num mente pretensamente esclarecida como a minha. Mas a verdade é que não concebo que eu, um dia, venha de facto a ter lúpus, Stevens-Johnson, linfoma não-Hodgkin, leucemia aguda..., nem sequer diabetes (controlar a glicemia, picando o dedo, várias vezes ao dia? ter cuidado com a dieta? eu?).
Devo confessar que já convivo mal com minha hiper-colesterolemia, através do seguinte pacto: eu ignoro-a e ela em troca vai-me moendo lentamente as artérias. Só pode resultar....
Concebo neoplasias diversas, doenças cardio-vasculares, sou fumador inveterado (e tenho os tais lipidos, que dizem que faz mal...). Isto é, penso nelas (já que conceber, em boa verdade, exceptuando os infelizes presenteados, ninguém conseguirá na plenitude...).
Traquilizo-vos desde já: sou um excelente técnico a diagnosticar, a aconselhar e a tratar estas coisas todas, e muitas mais.
A ideia era mesmo apenas elogiar-vos, doentes crónicos.
Não vos percebo (nem consigo ter verdadeira empatia, como julgo ninguém saudável conseguirá ter), mas admiro a vossa paciência, perseverança e coragem. Em viver pior, e mesmo assim a maior parte das vezes bem.
Espero que seja mais fácil do que parece....

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Apesar de ser bom Marketing...

...lamento desiludir os puritanos, mas essa área está sempre, na "vida real", também ela ocupada.

terça-feira, 18 de maio de 2010

Já Agora...

... se calhar podíamos aproveitar o presente "momento" para racionalizar meios, raciocinando mais.
Os antibióticos não têm todos o mesmo preço, mas têm muitas vezes a mesma eficácia. Os produtos diversos que se utilizam em meio hospitalar idem, e deviam submeter-se a concurso Nacional (e não em cada Hospital, que assim decide a seu bel-prazer com frequentes misteriosos critérios). A prescrição unidose, por nome genérico de um produto seleccionado pelo Infarmed, não tem que continuar a ser uma miragem.
Entre outras coisas....

Serviço Público

O que é Serviço Público?
Seguramente que não esta "coisa" que se vê no Serviço Nacional de Saúde.
O que se vê no SNS é, no paradigma actual, isso sim o público que o serve a servir-se o melhor que puder.
Já me cansa o colega que não marca consulta de seguimento ao seu doente para de certa forma o "empurrar" para a sua consulta na privada. Já me cansa o colega que não faz mais exames no Hospital para esses sobrarem para a privada, ou porque simplesmente "não lhe pagam mais por isso". Já me cansa o colega que opera 5 no Hospital e 10 em programas de combate às listas de espera, em menor período de tempo se for preciso. Já me cansa o colega que se vende a troco de um passeio de burro na serra, ou de um turismo disfarçado de congresso numa estância qualquer. Já me cansa o colega que nunca tem tempo no Hospital, mas cujo tempo lhe sobra para estar na privada. Já me cansa o colega que vem fazer o favor de colmatar uma "necessidade" na sua especialidade num determinado Hospital, a troco do seu tempo pago a peso de ouro em mal amanhadas consultas e outras absurdas reivindicações laborais.
Pensando melhor, no fundo, o que mais me cansa é a desvalorização dessa maioria invisível que faz funcionar as coisas por gosto, que "fica" e que "faz" porque põe o bem-estar do doente acima do que seria inteligente fazer por mais uns trocos no final do mês. Essa maioria que não é nem nunca será a face visível de um sistema que se está borrifando para os mais elementares parâmetros de real qualidade na prestação de serviços, e mais interessado na contabilidade bacoca daquilo que o nosso esclerosado ministério da saúde usa para depois financiar os serviços e os estratificar. Mais valem 100 doentes corridos numa inútil consulta do que 50 realmente com o seu problema resolvido. Mais valem 50 fúteis e penosos encaminhamentos no atendimento num serviço de Urgência, do que 25 reais soluções aos referidos achaques. Por fim, mais vale um inútil chulo numa especialidade carenciada, que uma real mais valia numa outra mais povoada.
É este, o estado do SNS nos tempos que correm, e o que hoje em dia significa "Serviço Público" no referido meio.
As culpas...? Bem, isso dava aso a muitos outros posts.

sábado, 8 de maio de 2010

Isto, Afinal, Nem É Assim Tão Mau

Pelo menos é a sensação que fica depois de se ver um romeno, destes a trabalhar ilegalmente em Portugal, internado por doença hematológica maligna, com prognóstico fechado.

Não é tão mau, em primeiro lugar porque teve a possibilidade de ver o seu problema identificado. Ficou doente, foi internado, foram-lhe efectuados sem restrições todos os exames diagnósticos necessários, desde análises simples, exames serológicos e culturais para identificação etiológica da sepsia que o atormentava, mielogramas com imunofenotipagem para o diagnóstico definitivo da doença de base. Tudo somado, fica bastante caro.

Não é tão mau, sobretudo porque teve a possibilidade de ser tratado. Só para dar um "cheirinho" muito ao de leve dos valores envolvidos, os anti-fúngicos administrados custam uma quantia próxima dos 1500 euros diários. Um ano, mais coisa menos coisa, de salário médio no país dele. E disse anti-fúngicos. Não disse custos de internamento em enfermaria e UCI, dos restantes antibióticos, do material de cateterização, entubação, ventilação, dos custos dos exames de monitorização diária (imagiológicos, analíticos, ...), da quimioterapia que ele há de precisar se tudo (desejavelmente) correr bem, eventualmente do transplante de medula óssea em unidade hematológica diferenciada....

A família, culta e bem intencionada, veio do seu país para vê-lo, com muito sacrifício financeiro, na fase mais crítica, e com a intenção de o "levar para casa". Perguntaram, ingenuamente, quanto é que "nos deviam". Só consegui sorrir. Resumo este aparte dizendo apenas que, espontaneamente, decidiram deixar o senhor quieto em Portugal por mais uns tempos.

Na Áustria, os anti-fúngicos que usamos não existem para uso Hospitalar. Os que há por lá são substancialmente mais baratos, em troca de efeitos secundários potenciais consideráveis. Em muitos países, um doente assim nem entrava no Hospital, e se por acaso entrasse nunca entraria numa unidade diferenciada (destas que presta cuidados "caros"), muito menos faria exames sequer parecidos ao efectuados aqui. Dos tratamentos já nem falo....

É também por isso que somos (relativamente) pobres. Mas, se fosse só por isso, eu até diria: bendita pobreza!

Andarei distraído...

...ou nunca mais se falou de Gripe A? Essa praga "letal" que justificou comunicados ministeriais semanais em directo, verbas (estarão contabilizadas?) astronómicas em "profilaxias" e "tratamentos" de eficácia nunca demonstrada, e em reforço de equipamentos das Unidades de Cuidados Intensivos e Serviços de Urgência que não foram necessários (ou pelo menos mais necessários do que já vinham sendo há vários anos), a abertura excepcional de centros "anti-gripe" (ou de "atendimento à gripe") que faziam falta há muitos tempo nessas épocas invernais, mas que só foram "inventados" agora em nome de uma morbi-mortalidade que, afinal, também não se verificou, a criação de planos de contingência que nunca foram accionados, por fim, o atafulhar das enfermarias que não foi superior (antes pelo contrário) do aconteceu sazonalmente durante os anos anteriores. Sem mais comentários, devo andar mesmo distraído....

sábado, 24 de abril de 2010

Medicina com Piada

Há coisas com piada em Medicina.
Num incontornável infantilizar das nossas pessoas, qual o médico que pode negar ter esboçado, pelo menos, um sorriso nos primeiros contactos com técnicas de exame tão respeitáveis quanto o toque rectal? Em pessoas bem humoradas como eu, colonoscopias, endoscopias digestivas altas, e coisas tão esotéricas quanto anuscopias, ainda aqui e ali me levam a ter que recorrer aos meus mecanismos de defesa, e que consistem naquele papel que desempenho a partir do momento em que visto a bata e que devo ter visto numa qualquer série de TV.
Imaturidade? Talvez, mas incontornável, escusam de disfarçar.
Aliás, porque razão não haveria de ser assim? Aquelas coisas que escondemos de todos durante tantos anos deveriam subitamente ser, de uma forma natural, expostos e do domínio público sem que isso nos afectasse?
Como explicar a uma pessoa do sexo masculino, que vai a um Serviço de Urgência com uma febre e dificuldade em urinar, que é pertinente enfiar-lhe um dedo no cu? E como orientá-lo na prossecução da técnica? Aceitam-se sugestões, mas a minha abordagem é aquela em que subentendo, pela minha firmeza nos actos, que aquilo é a coisa mais natural do mundo. Resulta: "bem, vamos ter que fazer um toque rectal para excluir que não tenha uma prostatite aguda. Faça lá então o favor de se ajoelhar na marquesa. Muito bem, tem que baixar as calças... as cuecas. Perfeito! (...)". A partir daí é fácil.... Está o doente ainda a tentar conceber o que será uma "prostatite aguda" quando lhe digo para se pôr de joelhos, está ele inconformado pelo facto de se ter lembrado de ir ao médico com aquelas queixas e já está com o rabo exposto, e quando começa a pensar seriamente em levantar-se e fugir dali, está o exame acabado.
Continuando na senda de desabafos relacionados com o tema, que atitude adoptar perante simulacros de torturas medievais, tais como endoscopias digestivas altas, em que num desgraçado perdido de vontade para vomitar por o estarmos a induzir com uma mangueira pelas goelas, através da qual, simpaticamente, injectamos quantidades industriais de ar no tubo digestivo que levam a arrotos incoercíveis? Ou as colonoscopias, em que a mangueira tem 2 metros e calibre respeitável, o doente está em posição ginecológica, vai tendo as dores decorrentes das angulações mais ou menos fáceis de se fazerem pelo cólon acima, culminando na saída, que todos tentam contrariar em vão, do ar que, mais uma vez, se injectou lá para dentro para se conseguirem ver as estruturas?
Caros leitores, lamento a desmitificação, mas tem mesmo piada.
Atenuantes?: calha a todos!

VIH

Já não está na moda, o VIH.
Já foram tempos, agora passou.
O VIH tem o condão de ser aquele vírus que, actualmente não matando de forma tão evidente, cada vez mais controlado com terapêuticas relativamente eficazes que transformaram a infecção em doença crónica (ou pelo menos muito prolongada), mantém uma vocação fracturante das vidas que afecta (e infecta).
Para quem começou a trabalhar no tempo em que a coisa significava uma sentença de morte, em gente até então saudável e muitas vezes jovem, ainda me vou espantando, sempre que encontro alguém quedo e mudo pela doença, com uma das suas complicações intercorrentes, e que em geral são apanágio apenas, hoje em dia, de indigentes toxicodependentes ou de surpreendentes primo-infecções (doentes que descobrem pela primeira vez que estão infectados).
Pergunto se desconhecem do carácter que actualmente se atribui à doença, mas eles até sabem, alguns inclusive desconheceram a fatalidade da coisa que ainda me assombra a memória.
Mas não estão assim apenas pelo carácter crónico da doença, deprimidos e sem vontades.
Estão assim pela culpa. Pelo descuido na contracepção física de uma aventura afinal mais marcante que o esperado, muitas vezes pela infidelidade concomitante, pela envergonhada (ou desavergonhada) homossexualidade assim punida, pelo contágio inconsciente de "inocentes", pelo divórcio, pelo afastamento de família e amigos, já não com medo do vírus, mas a maior parte das vezes pelo desprezo e repúdio das circunstâncias que levaram à sua aquisição.
É um vírus que já não mata tanto, mas que ainda vai moendo, deveras, muito boa gente....

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Pontualidade

Sendo médico, deveria começar por escrever: "o que é isso"?
Lamento muito ferir a sensibilidade dos purinatos holo-críticos da blogosfera, mas isto não é problema de médicos. "Também é" sim senhores, mas apenas pelo facto dos médicos serem portugueses, tais como vós, restantes criaturas que desprezam a função dos relógios.
Julgo aliás ser problema que se agrava de Norte para Sul.
Eu, que fiz a viagem há muitos anos atrás, constatei rapidamente que "jantar às nove" era maneira de dizer. De dizer, em primeiro lugar, que "a partir das nove" há a possibilidade de aparecer alguém. E longe de querer dizer que às nove era suposto estar, de facto, alguém no ponto de encontro.
A coisa agrava-se se o encontro marcado for: "então lá para as nove, nove e meia...".
E até um "o mais tardar às dez!" não é, como sabem, garantia do que quer que seja....
Chegar "a horas" implica correr o sério risco de, embaraçosamente, apanharmos as pessoas de surpresa ("eh pá, tu levaste-me mesmo a sério!"). Geralmente, apenas solitária espera (um dos motivos que me leva a não conceber deixar de fumar...).
A pontualidade não existe, e pronto.
Os fanáticos como eu, desenquadrados sociais e pessoas desagradáveis que se chateiam por tudo e por nada, estão condenados a sofrer em vão, incompreendidos e mal-sucedidos.
De nada adianta estar pontualmente às 8h30 no serviço, se a pessoa que está de saída, na passagem do "turno", ainda vai a meio das notas, e só começa a passá-lo a partir das nove. Até porque é a partir das nove que começam a chegar os demais colegas que deveriam entrar às 8h30....
Depois, querer que alguém chegue antes de, pasme-se, acabar-se o nosso horário num determinado sítio, é visto como costume exótico ao qual só esporadicamente se consegue atender. É pois "normal" esperarmos por alguém que deveria estar ali, ao contrário de nós que já não deveríamos estar ali, pelo simples facto dela achar que não é muito importante atrasar-se, ainda que atrase os outros por arrasto.
Mais: qualquer vestígio de má disposição da minha parte, já para nem dizer qualquer tentativa de reparo acerca do facto, é interpretado como indício de falta de companheirismo, até de profissionalismo. De profissionalismo, sim, porque numa fantástica inversão de culpas, já me acusaram de "ter a mania que tenho que sair quando acaba o meu horário", e de não possuir uma espécie de "espírito de sacrifício" e desapego pelo meu conforto, ficando pacificamente à espera da criatura que se atrasou.
Já dou por mim a pedir por favor, que as pessoas cheguem a horas (isso quando quero mesmo sair no horário que assino).
Eu nunca me atraso? "E o que tem o resto do mundo a ver com isso", respondem-me? Ando agora a chatear o pessoal com as minhas manias!?
Uma virtude, a pontualidade? Ninguém está lá para ver....
Como diz um bom amigo, o que mais chateia em ser pontual, é que os atrasados nunca, mas nunca ficam prejudicados. Já o pontual pode ser assaltado na esquina enquanto espera sozinho, pode ter que pôr a mesa ou ajudar na confecção da comida por esta ainda não estar pronta (e estar sem mais convivas, sem nada para fazer, junto de um também atrasado anfitrião), ou pode ter que acudir à paragem cárdio-respiratória de alguém por não haver mais ninguém no serviço, ou ter que receber os doentes todos do turno por, solidariamente, não querer obrigar aquele que está de saída a esperar.
Claro que, na hora da saída, o problema da pontualidade não se coloca tanto, a não ser àqueles como eu que, por malogrado fado, trabalham em serviços que prestam assistência contínua.
Não procuro compreensão, até porque o encadeamento de funções faz com que, fanaticamente, chegue sempre a horas na primeira "coisa" da manhã, mas na segunda já me atraso porque tive que esperar por alguém, e na terceira já sou praticamente um "português comum".
O que vale é que mais ninguém se importa....

domingo, 18 de abril de 2010

Nada como um Cigarro...

Um caso clínico....
Doente do sexo masculino, com oitenta e tal anos.
Dificuldade respiratória aguda, chamada a VMER, com paragem cárdio-respiratória presenciada, e revertida. Internamento na UCI, com choque misto após caracterização por cateterização da artéria pulmonar com Swan-Ganz, e síndroma de dificuldade respiratória aguda (vulgo ARDS), provavelmente secundários a pneumonia de aspiração. Aminas em altas doses, corticóides sistémicos, antibioterapia de largo espectro, manobras de recrutamento alveolar associada à ventilação protectiva que se sabe. Insuficiência renal aguda oligúrica, sem necessidade de técnica substitutiva da função renal (ou "diálise" contínua).
Recuperação notável em alguns, poucos, dias.
Dir-me-ão: é para isso que "tu" serves.
Quem me lê adivinhará a resposta: não sei bem....
Ao "acordar" para o mundo, alguns dias depois de ter adormecido (e, literalmente, "morrido"), surge-nos a realidade, desfasada daquela irreal semanita de 1º mundo com que brindámos o velhote.
E a realidade era uma família presente que se resumia a uma mórbil esposa, em vésperas de necessária importante cirurgia ortopédica e imobilização prolongada resultante, com doença cardiovascular grave a escurecer-lhe o prognóstico a curto-médio prazo.
Quem tomava conta da referida senhora era o velhote, que adoeceu como se viu, atirando-a assim ao cuidado de um qualquer lar. Isto foi precipitado pelo facto da casa deles ter ardido, provavelmente por incúria/incapacidade dela, no manuseio de um fogareiro tristemente necessário para um mínimo de calor nos frios dias que se viviam.
E ele vivia mal, com esta mulher doente, sem dinheiro, remediado como sempre (e só) soube ser. Teria alguma saúde, que entretanto se debilitou (não vos vou maçar com as sequelas). Adoeceu, acontecendo-lhe a última coisa que ele não queria que lhe sucedesse: a perda da independência. Já não tem casa, já não tem onde cair morto. Espera-lhe uma qualquer "instituição", à falta de filhos (que não seriam, por si só, solução para o drama, mas enfim...).
Daí a comovente tristeza da criatura, naquela sua cama de Hospital, a contrastar com o nosso entusiasmo ali ao lado, entretidos a comparar a mortalidade prevista pelo Apache e pelo SAPS, em desafio com a realidade se seguiu. Fizemos um "bom trabalho".
Se a vida fosse justa, teríamos gasto todos os milhares de euros que o SNS colocou à disposição do velhote neste seu internamento nos últimos 5 anos da sua vida, assim tivesse ele podido vivê-los em melhores condições que as miseráveis que tinha. E tê-lo-íamos deixado morrer em paz naquele dia, desta feita com mais dignidade, que se viu mais minguada ainda.
Mas a vida, desesperantemente, não é justa. Ele não tinha praticamente nada, e acabámos por obrigá-lo a viver agora sem absolutamente nada.
O irónico foram as dúvidas que se foram levantando ao longo de todo este processo de internamento. As questões sobre a indicação para toda esta "invasão" a que foi sujeito ("é para investir"?), as questões sobre o (mau) prognóstico, e as discussões sobre até onde era razoável ir, e a partir de onde seria "encarniçamento" terapêutico da nossa parte.
Correndo tudo tão bem, acabou tudo tão mal.
Na sua tristeza imensa, antes da alta, ele pediu-me um cigarro, a partir da sua cama. Não lho pude dar, ainda que me apetecesse fazê-lo. Chamemos-lhe o primeiro passo dos muitos que vai dar no mundo das coisas que ele deixou de poder fazer, por mais que lhe apeteça....

sexta-feira, 26 de março de 2010

Orgulho

É uma força poderosa, o orgulho, quando sinónimo de esforço, mérito, carisma, espírito de superação.
Também pode ser, às vezes até ao mesmo tempo, uma força desastrosa, quando sinónimo de vaidade, autismo, teimosia no erro, incapacidade de "insight".
Isto tudo existe muito no meio em que gravito, e em mim próprio. E hoje, foi uma chatice....
Li algures que a ironia deve, ao longo dos anos, substituir a fúria na lida com as contrariedades. É seguramente mais são.
Só me resta esperar que seja um traço com mais de adquirido do que de constitucional, sem deixar de ser genuíno (ou seja, sem perder eficácia).
Bem, ainda assim é bom de se ver que há sempre mais alguma coisa a fazer para ir melhorando, assim não hipotequemos a nossa dignidade nem fechemos em demasia as portas que nos vão surgindo no caminho.
Lamento, mas há dias em que os textos saem mesmo assim, indecifráveis.

quarta-feira, 24 de março de 2010

Carne para Canhão

Uma das minhas maiores surpresas, enquanto médico, foi descobrir que as queixas que se ouvem nestes noticiários terem, afinal de contas, boa razão de ser.
Poucos de nós na profissão não teremos chegado à mesma conclusão: o povo é mesmo carne para canhão.
A novidade é que não é apenas por culpa dos meus colegas menos jeitosos. É sobretudo por culpa do próprio povo (lá está ele, pensam os meus poucos leitores...).
Não se trata aqui de um acto de sacudir a água do capote, meus senhores, ficariam impressionados, partindo do pressuposto que quem vem ler um blog tem um mínimo de literacia, com a quantidade de gente que aparece nas consultas de Urgência ou de Especialidade com sacos cheios com incontáveis caixas de remédios, os quais são tomados mais ou menos aleatoriamente, os quais estão por vezes em duplicado pelo facto de terem nomes diferentes (e as pessoas não conseguirem perceber que a substância activa é a mesma), enfim, os quais são sempre mal usados, num potencial iatrogénico geralmente nada desprezível.
Mas isso, de tão comum, é já o que menos me choca: é rotina.
O que é verdadeiramente surpreendente é a quantidade de gente que toma esses remédios sem saber para quê ou porquê, desconhecendo as doenças às quais se destinam e das quais, presumivelmente, padecem. E que parecem ser problema, não delas, mas do prescritor.
Qualquer interno sabe bem, desde muito cedo, que neste desgraçado país, a melhor maneira de saber as doenças de determinada pessoa é, não o aparente lógico acto de lhe perguntar directamente, mas sim olhar para os remédios dele (o tal "saco") e perceber ao que se destinam.
Não duvidem que é verdade.
E, rebarbação suprema, qual não foi o meu espanto, incessantemente repetido, quando descobri que imensas criaturas apresentam cicatrizes em diferentes porções do corpo, sem saberem exactamente, ou sequer aproximadamente, o que raio lhes extraíram, ou repararam, ou seja lá o que for que lhes fizeram numa Cirurgia, que à partida se pensaria que suscitaria a curiosidade do operado.
Enfim.... É a clássica resposta de 50% dos meus doentes na sua 1ª consulta:
-"Então, que queixas motivam a sua vinda a esta Consulta"?
-"Não sei, o meu médico de família é que me mandou...".

segunda-feira, 22 de março de 2010

Evidências

Parece que se "descobriu", através de um estudo feito em Portugal (Escola Nacional de Saúde Pública), ainda que retrospectivo e com algumas nuances metodológicas, que se morre mais nos hospitais à noite, aos fins de semana e feriados.
Nada contra, bem pelo contrário, mas perdoem-me a ingenuidade, desconhecia que se tratava de "pólvora" bem debaixo do meu nariz estes anos todos.
Sempre me pareceu óbvio, e aceite (diferente de aceitável) que isso sucedia. E arrisco: também se morre mais à sexta-feira à tarde, a nas alturas dos grandes congressos nacionais e internacionais das especialidades, nas respectivas enfermarias. E, claro, nas férias grandes, e por alturas de Páscoa e Natal. Já para não falar em fins-de-semana prolongados por feriados e pontes.
Chocados? Bem, fico sempre babado ao dar fracturantes novidades polémicas: é verdade, os médicos não trabalham nessas datas, com a excepção dos serviços de Urgência (não apenas de atendimento às do exterior, mas também as diferentes variantes de "Urgência Interna" que vão existindo). E a generalidade não tem horário nas tardes de sexta-feira, noites, fins-de-semana e feriados/pontes. E têm férias, que tentam concentrar nas alturas das férias... dos filhos (ah, pois é, muitos também têm filhos...).
Ainda arrisco, antes que outros me voltem a roubar boas ideias: as entidades prestadoras de serviços em geral funcionam pior nas alturas em que os seus recursos humanos não estão... a trabalhar. Pelo menos em full-time.
Dir-me-ão talvez que, tratando-se-de vidas humanas, tal é inaceitável.
Em primeiro lugar, não é.
Mas tal como tantas outras coisas, é passível de melhoramentos, ou optimizações. A começar pelos modelos de triagem de gravidade dos doentes, e sua adequada sinalização, pela criação de infra-estruturas suficientes de Cuidados Intermédios e Intensivos, com staff adequado (suficiente e competente), e por uma gestão cuidada dos recursos humanos, com a sua distribuição por todo o horário semanal, e, quem sabe, pelo sábado de manhã (pelo menos). Mas não será nunca como uma altura de "horário pleno normal de funcionamento".
O problema sempre foi óbvio, e agora é conhecido do "grande público" (é o mérito do trabalho).
Resolve-se muito facilmente, com dinheiro (que as infra-estruturas e meios humanos costumam custar...).
Pode ser que haja outro "Efeito de Gripe A"....

quarta-feira, 17 de março de 2010

País das "Causas Fracturantes" da Treta

Aborto:
-Afecta alguns (algumas mulheres menos "amigas" de anti-concepcionais, por ignorância ou seja lá o que for);
-A gravidez não é geralmente doença, e quando o é, tem mecanismos de acompanhamento apropriado;
-Criou-se (a meu ver bem) uma Lei a despenalizá-lo;
-Quem é a favor e/ou precisa aborta, quem não é a favor ou não precisa não aborta;
-O Estado financia (a meu ver mal) o aborto.
Casamento "Gay":
-Afecta algumas (poucas) almas (aliás, penso intrigado: quantos de nós conhecem um caso que seja? Serei eu que vivo numa garrafa?);
-Não é doença;
-Criou-se uma Lei que, em princípio, irá permitir o respectivo circo;
-Quem é a favor poderá "casar-se" oficialmente; quem não é, também não interessa nada....
-O Estado, enfim, não tem mais que fazer.
Suicídio Assistido/Eutanásia/Cuidados Paliativos, domiciliares, alargados a toda a população:
-Vai afectar quase todos (excepto as abençoadas "mortes súbitas");
-É uma questão inevitável;
-Não se esclarece em sessões ou debates públicos, nem sequer praticamente se discute o tema;
-Não está legislado (quem se quiser matar, e o puder pagar, que vá para a Suíça);
-O Estado, obviamente, não financia o que se recusa a sequer reconhecer, apesar da universalidade do problema.
Um dia, ficaremos todos (ou quase, com a tal excepção) doentes.
Vamos querer curar-nos, e se tal não for possível, pelo menos estabilizar a doença com o menor handicap possível.
Se, para nosso desespero e infelicidade, o caminho for (e sê-lo-á, seguramente, a dada altura) inexoravelmente o caminhar a curto prazo para a agonia e morte, não teremos o direito a alguma dignidade, nessa recta final?
Seja lá o que isso for para cada um de nós?
Se eu não quiser ficar dependente de terceiros a apodrecer lentamente, não terei o Direito ao suicídio assistido, na altura em que eu julgar estar em condições para o fazer com dignidade?
Se eu quiser seguir o caminho até ao fim, não terei o direito a fazê-lo com uma paliação realmente eficaz, e não esses projectos de Cuidados Paliativos que, sempre bem intencionados, mas geralmente insuficientes, por aí vão proliferando, ao sabor das pessoas que se encontram em cada ponto geográfico, das suas sensibilidades, capacidades e meios?
E se eu não concordar com nada disto para mim próprio, pelas minhas razões pessoais (morais ou outras...), não terei o Dever de deixar cada qual decidir pela sua cabeça? Ou o Dever de conceder o Direito de cada um optar pela sua cabeça?
O facto de bons cuidados paliativos serem fundamentais não impede que se permita o livre arbítrio, perceba-se, de CADA UM DE NÓS, ACERCA DE NÓS PRÓPRIOS, sem afectar terceiros!
Será que vou ter que esperar pela possibilidade legal de congelar os tomates, com financiamento do Estado, para ter a certeza que vou poder ter acesso àquilo que entendo ser uma morte digna?
Já não falo da minha paciência, essa sim, desde já agónica e a precisar de paliação, com esta triste condição de viver entre mentecaptos demasiado entretidos com a artificialidade das suas auto-limitadas vidinhas, para conseguirem acautelar a inevitabilidade do sofrimento que um dia virá, mas que preferem ignorar nesse delírio de imortalidade que nos infecta a quase todos.
Eu cá, por outro lado, tenho Know-how, e amigos que me poderão valer.
Vocês, os "outros", ponham-se a pau. Pelo menos enquanto são cidadãos dignos de "investimento", uma vez que depois, será demasiado tarde....